Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

que pelo seu immenso cosmopolitismo e pelo seu espirito juridico entrou muito cedo no periodo consciente da civilisação. Como Virgilio, Camões não fez a sua epopêa exclusivamente de um facto historico, mas tomou um centro em volta do qual agrupou as poucas tradições nacionaes que pode alcançar. Foi este instincto que deu a Camões o primeiro logar sobre os poetas epicos do mundo moderno, depois de Virgilio. Repetimos com Comparetti, no seu livro capital Virgilio nel medio evo, explicando o motivo porque a fórma epica litteraria é rarissima entre os gregos e exuberantissima entre os romanos: «Ma il sentimento dei romani era tanto gagliardo e potente, e la natura loro di popole storico era tanto fortemente pronunziata che un solo le epopee storiche presso di loro furono piu numerose che presso di altri, ma ebbero anche maggior successo di quello si sarebbe potuto aspettare dal epopea storica anche la meglio concepita, quando la freddeza sua naturale non fosse stata compensata dal calore straordinariamente intenso e persistente del sentimento a cui era rivolta e che anche l'avea suggerita. » (1) O mesmo caracter historico do povo portuguez, que o fez abraçar sem difficuldade a civilisação romana, deu a Camões essa mesma intuição poetica de Virgilio, e naturalmente explica a constante redacção de epopêas historicas no seculo XVII, para as quaes está o poema os Lusiadas, como a Eneida

(1) Op. cit., t. 1, p. 10.

está para os poemas de Lucano, de Stacio, de Silio Italico e de Claudiano.

Assentada esta base critica, vejamos como das fórmas da chronica rimada passámos para a epopêa historica.

a) Affonso Giraldes e o Poema da Batalha do Salado..

Uma das principaes paginas historicas em que foi empregada a lingua portugueza é esse fragmento da descripção da batalha do Salado, que anda junto ao Nobiliario; este golpe capital no dominio dos Arabes, que assegurou a estabilidade e segurança das nacionalidades da Peninsula, assim como despertou o interesse dos poetas foi o assumpto do primeiro poema narrativo escripto na lingua portugueza. A Batalha do Salado, era uma especie de chronica rimada escripta por Affonso Giraldes, em quadras de redondilha, como se póde conhecer pelos fragmentos publicados por Brandão e Bluteau; (1) hoje está totalmente perdido este monumento, mas tanto pela fórma metrica, como pelo espirito da sua concepção podemos julgal-o como uma imitação d'esse celebre poema conhecido pelo nome Cronica en coplas redondillas de Alfonso Onceno, escripto por Rodrigo Jannes, que, como Affonso Giraldes, se achou tambem na batalha do Salado. O poema castelhano foi descoberto por Diego Hurtado de Mendoza em 1573; não

(1) Recolhidas nos Trovadores galecio-portuguezes, p. 269.

accentuaremos a sua importancia com relação á historia e litteratura hespanhola, basta-nos apenas alguns confrontos com os fragmentos de Affonso Giraldes:

St. 335: E dioles grandes franquezas
Por Castilla mas valer,
Todas aquestas noblezas
El buen rey fizo fazer.

Em um dos fragmentos de Affonso Giraldes achamos quasi textualmente reproduzidos os dous ultimos versos por esta fórma:

Todas estas cortezias

Este rei mandou fazer.

Uma das poucas estrophes que restam do poema portuguez, aparece no poema de Jannes uma vez com a mesma rima, outra com um verso inteiro:

St. 821: Don Gonçalo Martines de Oviedo
Caudillo de los castellanos,

Todos lidiavan sin medo
Matando en los paganos.

St. 1326: Todos gran muy sin medo.
Para cumplir su perdon,

E Gonçalo Gomes de Azevedo
Levava el su pendon.

Eis a estrophe portugueza:

Gonçalo Gomes de Azevedo
Alferes de Portugal,

Entrava aos Mouros sem medo
Como fidalgo leal.

Se os fragmentos do poema portuguez fossem mais extensos, por ventura se achariam paradigmas mais carateristicos da imitação da Chronica de Jannes. Na tradição portugueza, que reapparece no seculo XVI nas prophecias de Bandarra, falla-se ainda no Leão dormente, e no Porco selvagem, com que pela occasião da batalha do Salado se representava a lucta do rei de Portugal na sua alliança com Affonso XI contra os Mouros. Na Chronica en coplas redondillas achamos o mesmo espirito das prophecias de Bandarra, mas com o seu sentido historico:

St. 1807: Merlin, sabidor sotil,

Dixo luego esta rrason:
Acabados los annos mill

E los tresientos de la Encarnacion.

Çinquenta e nueve conplirán
Los annos de esta fasanna
La mar fonda passarán

De besteas muy grand canpanna.

Muchas cosas acontecerán,
Maestro, creeldo çiertamente,

Fuertes batallas seran

En las tierras el Poniente.

Reynará un leon provado
En la provencia de Espanna,
Será fuerte e apoderado,

Sennor de muy grande canpanna.

Escontra el sol Poniente
En el tiempo d'este leon,
Reyna un Leon dormiente,
Muy manso del coraçon.

E el leon coronado
Que en este tienpo regnar,
El será desafiado

Del puerto de allen la mar.

Salir-se ha el Puerco espin,
Sennor de la grand espada,
De tierras de Benamarin,
Ayuntará grand albergada.

Con bestias bravas e perros marinos,
Las aguas fondas passaran,
Cobrirán montes e caminos
En la Espanna aportarán.

E todos se ayuntarán
Con el Puerco apoderado,
Estas nuevas llegarán
Luego al Leon coronado.

El leon temblar fará
Las tierras de Oriente
E com grand sanna saldrá
Por las terras del Poniente.

« VorigeDoorgaan »