371 B. CAMIES 4/6 LIVRO II OS POETAS EPICOS CAPITULO I Primeiras tentativas de uma Epopêa nacional Assim como na primeira Renascença as Gestas se converteram em Chronicas, na segunda Renascença do seculo xvı as Chro- A inscripção sybilina de 1508. -d) João de Barros, e os rudimentos de uma Epopêa portugueza: ainda a fórma da outava castelhana ou de lamentação: reminiscencias da tentativa de Barros no canto 1 dos Lusiadas. —e) Luiz Anriques, e o poema da Tomada de Azamor. O syncretismo historico do ideal patrio no noine Luzitania. — Allusão a Virgilio. — Camões nas estancias supprimidas dos Lusiadas fallando de Azainor, excede em belleza o poeta do Cancioneiro. - A necessidade de uma epopêa revelada com a maior clareza em 1564.- Como a Eneida tinha de ser fatalmente o modello da Epopêa. zes. As Canções de Gesta da edade media, que foram a expressão epica do mundo moderno, sob o regimen da erudição da primeira Renascença do seculo XIII affectaram um caracter historico, tornaram-se Chronicas rimadas, como as escreviam Benoit de Sainte More, Phi 1-TOMO II. a lippe de Mouskes ou Rodrigo Jannes. (1) No seculo XVI a fórte Renascença classica levou pelo servilismo da imitação grega e romana a traduzir-se outra vez a chronica em epopêas academicas. Assim, se no seculo XIII um Affonso o Sabio basêa a Chronica general de España sobre os romances tradicionaes do povo diluindo-os em prosa, no seculo xvi um Lorenzo de Segura traduz e retalha a prosa dos Chronicons em versos de redondilha. (2) São dois actos que se ligam e completam mutuamente, filhos do mesmo syncretismo que se deu em toda a Europa. Vejamos como a Epopêa do seculo xvi nasce d’esta segunda corrente. Antes do poema dos Lusiadas, a litteratura portugueza apresenta algumas tentativas de epopêa; como lhe faltava esse nucleo vital de toda a concepção epica, o mytho obliterado na tradição, serviu-se dos successos historicos na sua exposição menos poetica, pela ordem chronologica. Faltavanos tambem esse respeito pelas grandes Gestas da edade media, que nós parodiamos ironicamente, como se vê na Gesta de mal dizer, de Affonso Lopes Baião. O poema de Affonso Giraldes á batalha do Salado é uma imitação das fórmas metricas usadas na côrte de Affonso XI; o poema de Diogo Brandão á morte de D. João II enumera os feitos de D. João 1, Dom Duarte, Dom Affonso v e Dom João II, imitando o antigo metro de arte maior, chamado na poetica hespanhola estylo de lamentação, que o marquez de Santillana constituia em ge (1) Formação do Amadis de Gaula, cap. I. a nero litterario; as Coplas de Diogo Velho á Descoberta da India dão-nos o fio da tradição prophetica do Leão dormente com que, tanto o poema de Rodrigo Jannes como o popular Bandarra, symbolisam o rei de Portugal. João de Barros é o primeiro que, presentindo a unidade nacional, reconhece a necessidade de uma epopêa que seja a expressão d'essa consciencia; e o chronista esboça com difficuldade o quadro de uma epopêa em fórmas archaicas do verso de arte maior. Luiz Anriques conhece já o symbolo da unidade politica de Portugal representado pela identificação imaginaria dos Lusitanos com os Portuguezes; estuda Virgilio e cita o canto sexto; tira a invocação poetica dos sentimentos christãos; assiste como heroe á victoria de Azamor, mas faltava-lhe a elle e a todos os outros o genio, essa qualidade moral que leva o homem, como diz Carlyle, a firmar-se nas cousas e não nas apparencias das cousas. Camões sentiu intimamente a realidade d'isto que eram apenas sonhos e vagas aspirações. Porque é que as tentativas de uma epopêa nacional começaram em Portugal pelas chronicas rimadas até chegarem ao poema historico? Portugal constituiu a sua independencia em uma epoca em que a fecundidade profunda das creações da edade media estava terminada; foi por isso que entramos logo em uma actividade historica, e já não era tempo nem de crear nem de elaborar essas tradições fundamentaes d'onde se derivam as epopêas, e que produzem as litteraturas. N'este ponto Portugal teve uma certa analogia com o povo romano, a |