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XCIX

Nos de sua companhia se mostrava
Da tinta, que dá o murice excellente (123),
A varia cor que os olhos alegrava,

E a maneira do trajo differente;
Tal o formoso esmalte se notava
Dos vestidos olhados juntamente,
Qual apparece o arco rutilante

Da bella nympha, filha de Thaumante (124).

C

Sonorosas trombetas incitavam

Os animos alegres, resoando;

Dos Mouros os bateis o mar coalhavam,
Os toldos pelas agoas arrojando.

As bombardas horrisonas bramavam,

Com nuvens de fumo o sol tomando,

Ameudam-se os brados accendidos,

Tapam co'as mãos os Mouros os ouvidos (125).

CI

Já no batel entrou do Capitão

O Rei, que nos seus braços o levava;
Elle co'a cortezia, que a razão
(Por ser Rei) requeria, lhe fallava.
C'humas mostras de espanto e admiração,
O Mouro o gesto e o modo lhe notava,
Como quem em mui grande estima tinha
Gente, que de tão longe á India vinha.

(123) Côres varias, especialmente vermelha, tiradas de um molusco murice, que tambem se chama Conchillium, do feitio de busio. (124) Īris, – arco-iris- filha de Thaumante e Electra. Vem do grego iro, que significa nuncio, mensageira. (125) Porque os de Melinde ainda não tinham ouvido tiros daquelles e estavam espantados do seu estrondo,

CII

E com grandes palavras lhe offerece
Tudo o que de seus reinos lhe cumprisse;
E que se mantimento lhe fallece,
Como se proprio fosse lho pedisse;
Diz-lhe mais, que por fama bem conhece
A gente Lusitana, sem que a visse;
Que já ouvio dizer, que noutra terra
Com gente de sua lei tivesse guerra (126).

СІІІ

E como por toda a Africa se soa,
Lhe diz os grandes feitos que fizeram,
Quando nella ganharam a coroa

Do reino, onde as Hesperidas viveram (127):
E com muitas palavras apregoa

O menos, que os de Luso mereceram,
E o mais, que pela fama o Rei sabia;
Mas d'esta sorte o Gama respondia :

CIV

«O' tu, que só tiveste piedade, Rei benigno, da gente Lusitana,

Que com tanta miseria e adversidade

Dos mares exp'rimenta a furia insana (128);
Aquella alta e divina Eternidade,

Que o Ceo revolve, e rege a gente humana,
Pois que de ti taes obras recebemos,

Te pague o que nós outros não podemos.

(126) Com mouros, da seita de Mahomet.-(127) Egle, Arethusa e Hesperansa eram filhas de Atlas e de Hesperis. O seu reino foi o de Fez e Marrocos, onde reinou Hespeo, irmão de Atlas. Tinham um pomar, guardado por um dragão, que produzia pomos de ouro.- (128) Não se conhece nenhuma mais desenfreada e para temer que a do mar.

CV

Tu só, de todos quantos queima Apollo (129),
Nos recebes em paz, do mar profundo;
Em ti, dos ventos horridos de Eolo (130),
Refugio achamos bom, fido e jucundo.
Em quanto apascentar do largo polo (131)
As estrellas, e o sol der lume ao mundo,
Onde quer que eu viver, com fama e gloria
Viverão teus louvores em memoria.»>

CVI

Isto dizendo, os barcos vão remando
Para a frota, que o Mouro ver deseja ;
Vão as náos huma e huma rodeando,
Porque de todas tudo note e veja.
Mas para o ceo Vulcano fuzilando (132),
A frota co'as bombardas o festeja,
E as trombetas canoras lhe tangiam;
Co'os anafis os Mouros respondiam.

CVII

Mas despois de ser tudo já notado
Do generoso Mouro, que pasmava,
Ouvindo o instrumento inusitado. (133),
Que tamanho terror em si mostrava,
Mandava estar quieto e ancorado
N'agua o batel ligeiro, que os levava,
Por fallar devagar co'o forte Gama,
Nas cousas de que tem noticia e fama.

(129) Refere-se aos habitantes da costa d'Africa. - (180) Eolo, rei dos ventos. V. n. 126, est. xxi, canto 1.0-(181) Outra vez quer dizer: emquanto houver mundo.-(182) Vulcano, deus do fogo, por tiros de bombarda.-(188) Artilharia, nunca ouvida por elles até alli.

CVIII

Em praticas o Mouro differentes
Se deleitava, perguntando agora
Pelas guerras famosas e excellentes

Co'o povo havidas, que a Mafoma adora (134);
Agora lhe pergunta pelas gentes

De toda a Hesperia ultima, onde mora (135);
Agora pelos povos seus vizinhos,

Agora pelos humidos caminhos.

CIX

<<Mas antes, valeroso Capitão,
Nos conta, lhe dizia, diligente
Da terra tua o clima, e região
Do mundo onde morais, distinctamente;
E assi de vossa antigua geração,
E o principio do reino tão potente,
Co'os sucessos das guerras do começo,
Que, sem sabê-las, sei que são de preço:

CX

E assi tambem nos conta dos rodeios
Longos, em que te traz o mar irado,
Vendo os costumes barbaros, alheios,
Que a nossa Africa ruda tem criado.
Conta; que agora vem co'os aureos freios (136)
Os cavallos, que o carro marchetado
Do novo sol, da fria Aurora trazem:
O vento dorme, o mar e as ondas jazem.

-

(134) Fala dos mouros. -(135) Hespanha de Hespero, estrella occidental, ou Venus, primeira estrella que se avista depois do sol posto. A Italia tambem assim foi chamada.. Hesperia, em grego é poente, mas só a Hespanha denominavam assim a final. - -(136) Cuidavam os antigos que o sol, desapparecendo d'este hemispherio, recolhia a casa de Aurora

-o mar.

CXI

E não menos co'o tempo se parece
O desejo de ouvir-te o que contares;
Que quem ha, que por fama não conhece
As obras portuguesas singulares?
Não tanto desviado resplandece (137)
De nós o claro sol, para julgares
Que os Melindanos tem tão rudo peito,
Que não estimem muito hum grande feito.

CXII

Commetteram soberbos os Gigantes (138)
Com guerra va o Olympo claro e puro;
Tentou Pirithoo e Théseo, de ignorantes (139),
O reino de Plutão horrendo e escuro:
Se houve feitos no mundo tão possantes,
Não menos he trabalho illustre e duro,
Quanto foi commetter inferno, e ceo,
Que outrem commetta furia de Nereo.

CXIII

Queimou o sagrado templo de Diana,
Do subtil Ctesiphonio fabricado,
Herostrato, por ser da gente humana (140)
Conhecido no mundo e nomeado :

Se tambem com taes obras nos engana
O desejo de hum nome avantajado,
Mais razão ha, que queira eterna gloria,
Quem faz obras tão dignas de memoria.»

(187) Diz que os não julguem tão rudes e barbaros. - (138) Gigantes, filhos da Terra, que tentaram escalar o céo, para de lá deitar fóra Jupiter. - (139) Pirithóo e Theseo desceram ao Inferno para roubar Proserpina ao marido, Plutão. O primeiro foi morto, e o segundo, preso, solto depois por Hercules.

(140) Herostrato, homem despresivel, d'Epheso, quiz tornar-se celebre lançando fogo a um templo de Diana, na sua terra natal, edificada por Tesiphonio.

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