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ARGUMENTO

DO

CANTO PRIMEIRO

Navegam os portugueses pelos mares Orientaes: fazem os deoses seu concilio: oppõe-se Baccho a esta navegação; favorecem Venus e Marte aos navegantes; chegam a Moçambique, cujo governador pretende destruil-os. Encontro e primeira acção militar dos nossos contra os Gentios: levantam ferro, e passando por Quiloa, surgem em Mombaça.

OUTRO ARGUMENTO

Fazem concilio os deuses na alta côrte,
Oppõe-se Baccho á Lusitana gente,
Favorecem-a Venus, e Mavorte,

E em Moçambique lança o ferreo dente:
Depois de aqui mostrar seu braço forte,
Destruindo, e matando juntamente,
Torna as partes buscar da roxa 'Aurora,
E chegando a Mombaça surge fóra.

2

OS LUSIADAS

CANTO PRIMEIRO

I

As armas e os Barões assignalados,
Que da Occidental praia Lusitana (1),
Por mares nunca d'antes navegados (2),
Passaram ainda além da Taprobana (3),
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que promettia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino que tanto sublimaram;

II

E tambem as memorias gloriosas (4)
D'aquelles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Imperio, e as terras viciosas
De Africa e de Asia andaram devastando;
E aquelles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando
Cantando espalharei por tod'a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

*O poeta, opinando com André de Rezende, chama aos Portugueses Lusiadas, de Luso, filho de Bacchó, servindo-se do suffixo adas - collectividade.

(1) Praia do Restello, em Belem.-8-7.°-1497.-Quando o sol mergulha no occidente, Portugal é a ultima terra da Europa por elle alumiada.-(2) Ainda não era conhecido o caminho maritimo para a India.-(3) Hoje, Ceilão, ilha do mar das Indias, e tambem se chamou Gelenaruz. Descoberta portuguesa em 1507. E' inglesa desde 1656.-(4) Refere-se aos nossos reis propagandistas da fé christã e conquistadores de terras aos mouros.

III

Cessem do sabio Grego e do Troiano (5)
As navegações grandes, que fizeram ;
Cale-se d'Alexandro e de Trajano (6)
A fama das victorias, que tiveram ;
Que eu canto o peito illustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram ́(7);
Cesse tudo o que a Musa antigua canta — (8)
Que outro valor mais alto se alevanta.

IV

E vós, Tagides minhas, pois creado (9)
Tendes em mi hum novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente;

Dai-me agora hum som alto e sublimado,
Hum estylo grandiloquo e corrente;

Porque de vossas aguas Phebo ordene (10),
Que não tenham inveja ás de Hippocrene (11).

V

Dai-me huma furia grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e bellicosa, (12)

Que o peito accende, e a côr ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, a que Marte tanto ajuda (13);
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.

(5) O 1.o, é Ulysses, fundador de Lisboa e senhor d'Itaca, ilha do mar jonico. V. Odisséa de Homero. O 2.o, Eneas, filho de Anchises e Venus. V. Eneida de Virgilio.-(6) Alexandre Magno, filho de Philippo, rei da Macedonia. Trajano, imperador romano.-(7) O 1o, deus do mar, filho de Saturno. Ô 2.o, deus da guerra, filho de Jupiter e Juno. - (8) Refere-se a poetas e historiadores antigos.-(9) Nymphas do Tejo, que em la. tim é Tagus.-(10) Tambem chamado Apollo, deus da poesia. -(11) Fonte, cuja agua fazia poetas.-(12) Tuba, por estylo heroico.-(13) Marte, filho de Jupiter e de Juno; deus da guerra.

VI

E vós, ó bem nascida segurança (14)
Da Lusitana antigua liberdade,

E não menos certissima esperança
De augmento da pequena Christandade;
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade (15),

Dada ao mundo por Deos, que todo o mande,
Para do mundo a Deos dar parte grande;

VII

Vós, tenro e novo ramo florecente
D'huma arvore de Christo mais amada,
"Que nenhuma nascida do Occidente,
Cesarea ou Christianissima chamada (16):
Vêde-o no vosso escudo, que presente (17)
Vos amostra a victoria já passada,

Na qual vos deo por armas, e deixou (18)
As que elle para si na Cruz tomou ;

VIII

Vós, poderoso Rei, cujo alto imperio
O Sol logo em nascendo vê primeiro (19),
Vê-o tambem no meio do hemispherio,
E quando desce o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vituperio
Do torpe Ismaelita cavalleiro (20),
Do Turco oriental, e do Gentio (21),
Que inda bebe o licor do sancto rio (22);

(14) Invoca D. Sebastião, até á est. XVIII.-(15) Desejaram muito o seu nascimento e prantearam muitissimo a sua desastrada morte. (16) Refere-se aos reinantes da Allemanha e França. (17) As quinas portuguesas, em louvor das cinco chagas de Christo, apparecido a D. Affonso Henriques na batalha de Campo de Ourique.-(18) Diz que foi Nosso Senhor o auctor das armas de Portugal.-(19) O nosso dominio no oriente, poente e meio dia.-(20) Os mouros, descendentes d'Ismael, filho d'Agar e neto d'Abrahão.-(21) O turco, senhor de grande parte do oriente. (22) Rio, que atravessa Bengala, na India.

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