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XXXIX

Que se aqui a razão se não mostrasse (95)
Vencida do temor demasiado,

Bem fôra que aqui Baccho os sustentasse,
Pois que de Luso vem, seu tão privado (96';
Mas esta tenção sua agora passe,

Porque em fim vem de estomago damnado;
Que nunca tirará alheia inveja

O bem que outrem merece, e o Ceo deseja.

XL

E tu, Padre de grande fortaleza,
Da determinação que tens tomada,
Não tornes por detraz; pois é fraqueza
Desistir-se da cousa começada.
Mercurio, pois excede em ligeireza
Ao vento leve, e á setta bem talhada,
Lhe vá mostrar a terra, onde se informe
Da India, e onde a gente se reforme.>>

XLI

Como isto disse, o Padre poderoso,
A cabeça inclinando, consentio
No que disse Mavorte valeroso (97),
E nectar sobre todos esparzio (98'.
Pelo caminho Lacteo glorioso
Logo cada hum dos deoses se partio,
Fazendo seus reaes acatamentos,
Para os determinados aposentos.

(95) Baccho, por apaixonado, não podia ter rasão.--(96) Nem era justo que este fosse contra os Portugueses, por procederem de Luso, de que era privado e muito favorecido, ou filho, como se affirma que fosse.-(97) De Mavorte V. n. 90 deste.(98) Nectar e Ambrosia, do grego: immortalidade - era a comida e a bebida dos falsos deuses.

XLII

Em quanto isto se passa na formosa
Casa etherea do Olympo omnipotente (99),
Cortava o mar a gente bellicosa,

Já lá da banda do Austro, e do Oriente,
Entre a costa Ethiopica, e a famosa (100)
Ilha de S. Lourenço; e o Sol ardente (101)
Queimava então os deoses, que Typheo (102)
C'o temor grande em peixes converteo.

XLIII

Tão brandamente os ventos os levavam,
Como quem o Ceo tinha por amigo;
Sereno o ar, e os tempos se mostravam
Sem nuvens, sem receio de perigo.
O promontorio Prasso já passavam (103)
Na costa da Ethiopia, nome antigo (104),
Quando o mar descobrindo lhe mostrava
Novas ilhas, que em torno cerca e lava.
XLIV

Vasco da Gama, o forte capitão,
Que a tamanhas emprezas se offerece,
De soberbo e de altivo coração,
A quem fortuna sempre favorece,
Para se aqui deter não vê razão,
Que inhabitada a terra lhe parece :
Por diante passar determinava,
Mas não lhe succedeo como cuidava.

(99) Casa etherea, toma-sc aqui por Jupiter.-(100) Costa Ethiopica, a que se chama costa de Moçambique.-(101) Ilha de Madagascar.-(102) Typheo, filho de Titano e da Terra. Como inimigo de Jupiter e dos outros falsos deuses, determinou dar cabo delles com o auxilio dos gigantes seus irmãos.(108) Este promontorio é o cabo das Correntes. — (104) V. n. 100 supra,

XLV

Eis apparecem logo em companhia (105)
Huns pequenos bateis, que vem d'aquella,
Que mais chegada á terra parecia,
Cortando o longo mar com larga vela ;
A gente se alvoroça, e de alegria
Não sabe mais que olhar a causa d'ella.
Que gente será esta? em si diziam,
Que costumes, que lei, que rei teriam ?

XLVI

As embarcações eram na maneira (106)
Mui veloces, estreitas e compridas;
As velas, com que vem, eram de esteira
D'humas folhas de palma bem tecidas;
A gente da côr era verdadeira,

Que Phaeton nas terras accendidas (107)
Ao mundo deo, de ousado, e não prudente;
O Pado o sabe, e Lampetusa o sente (108).

XLVII

De pannos de algodão vinham vestidos,
De varias côres, brancos e listrados;
Huns trazem derredor de si cingidos,
Outros em modo airoso sobraçados;
Das cintas para cima vem despidos;
Por armas tem adargas e terçados,
Com toucas na cabeça, e navegando,
Anafis sonorosos vão tocando.

(105) Sairam bateis de Moçambique a reconhecer a armada do Gama.-(106) Pangaios ou almadias.-(107) Phaeton, filho de Climene e do Sol. Uma vez, o paè consentiu que elle guiasse o seu carro; mas, tão mal o fez, que incendiou muitos montes. Daqui proveio ficarem os naturaes da Ethiopia negros.--(108) Pado, ou Pó, rio da Italia em que Phaeton cahiu do carro. Lampetusa era irmã delle, e, com as irmãs, choraram muito a queda do irmão e foram por isso convertidas em arvores.

XLVIII

Co'os pannos, e co'os braços acenavam (109)
A's gentes Lusitanas, que esperassem;
Mas já as proas ligeiras se inclinavam
Para que junto ás ilhas amainassem.
A gente e marinheiros trabalhavam,
Como se aqui os trabalhos s'acabassem;
Tomam velas; amaina-se a verga alta;
Da ancora o mar ferido em cima salta.

XLIX

Não eram ancorados, quando a gente
Estranha pelas cordas já subia.
No gesto ledos vem, e humanamente
O Capitão sublime os recebia :
As mesas manda pôr em continente;
Do licôr, que Lyeo prantado havia (110),
Enchem vasos de vidro; e do que deitam
Os de Phaeton queimados nada engeitam (111).

L

Comendo alegremente perguntavam

Pela Arabica lingua, d'onde vinham ? (112)
Quem eram ? de que terra? que buscavam?
Ou que partes do mar corrido tinham ?
Os fortes Lusitanos lhe tornavam
As discretas respostas, que convinham :
«Os Portugueses somos; do Occidente
Imos buscando as terras do Oriente.

(109) Os de Moçambique acenavam aos nossos para que não fossem ávante. -(110) Lyco é palavra grega, que significa: desatar, é nome porque Baccho era conhecido; porque bebedo é dissoluto, desatado.-(111) V. n. 107 deste.-(112) Arabica, ou arabe, lingua que se fala na Africa e na Asia. Mais propriamente Arabia, especie de dialecto.

LI

Do mar temos corrido e navegado
Toda a parte do Antarctico, e Callisto (113),
Toda a costa Africana rodeado ;

Diversos ceos e terras temos visto ;
D'hum rei potente somos tão amado,
Tão querido de todos, e bemquisto,
Que não no largo mar, com leda fronte,
Mas no lago entraremos de Acheronte (114).

LII

E por mandado seu buscando andamos
A terra Oriental que o Indo regà (115),
Por elle o mar remoto navegamos,
Que só dos feios phocas se navega (116).
Mas já razão parece, que saibamos,
Se entre vós a verdade não se nega,
Quem sois ? que terra é esta que habitaes?
Ou se tendes da India alguns sinaes ?»

LIII

«Somos, hum dos das ilhas lhe tornou (117),
Estrangeiros na terra, lei e nação;

Que os proprios são aquelles, que criou
A natura sem lei e sem razão.

Nós temos a lei certa, que ensinou
O claro descendente de Abrahão (118),
Que agora tem do mundo o senhorio;
A mãe Hebrea teve, e o pai Gentio (119).

(113) Entende-se norte e sul.-(114) Rio do inferno, de duas palavras gregas: sem praser. (115) V: n. 81, est. XXXII deste.-(116) Phocas, ou lobos marinhos; mares só navegados por peixes até ali.—(117) Que eram mouros, e não naturaes daquella terra.- -(118) O descendente, era Mafamede, ou Mafoma.(119) Que teve por pae o gentio Abdelá, e mãe, a hebrea Emina. Tambem se chama Mahomet, fundador do Islamismo.

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