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LXXXIV

Já o raio Apollineo visitava (155)
Os montes Nabatheos accendido,
Quando o Gama co'os seus determinava
De vir por agua a terra apercebido;
A gente nos bateis se concertava,
Como se fosse o engano já sabido;
Mas pôde suspeitar-se facilmente,
Que o coração presago nunca mente.

LXXXV

E mais tambem mandado tinha a terra (156)
De antes pelo piloto necessario;

E foi-lhe respondido em som de guerra,
Caso do que cuidava mui contrario;
Por isto, e porque sabe quanto erra,

Quem se crê de seu perfido adversario (157),
Apercebido vai, como podia,

Em tres bateis sómente, que trazia.

LXXXVI

Mas os Mouros, que andavam pela praia,
Por lhe defender a agua desejada,

Hum de escudo embraçado e de azagaia,
Outro de arco encurvado e setta ervada,
Esperam que a guerreira gente saia,
Outros muitos já postos em cilada;
E porque o caso leve se lhe faça,

Poem huns poucos diante por negaça (158).

(155) Ralo Apollineo, ou raio do sol; sol nascido. Montes Nabatheos, ou montes da India, do seu rei Nabath, filho d'Ismael. --(156) Um dos pilotos descobriu a Vasco da Gama o malevolo intento e o outro fugiu da nau.--(157) N'estas circunstancias, confiar no inimigo, era morrer-lhe ás mãos.-(158) Espe1avam que os nossos fossem fazer aguada; appareceram poucos, mas estavam escondidos uns 2:000.

LXXXVII

Andam pela ribeira alva, arenosa,
Os bellicosos Mouros acenando

Com a adarga, e co'a hastea perigosa,
Os fortes Portugueses incitando.
Não soffre muito a gente generosa
Andar-lhe os cães os dentes amostrando :
Qualquer em terra salta tão ligeiro,
Que nenhum dizer pode, que é primeiro.

LXXXVIII

Qual no corro sanguineo o ledo amante,
Vendo a formosa dama desejada,
O touro busca, e pondo-se diante,
Salta, corre, sibila, acena e brada:
Mas o animal atroce nesse instante,
Com a fronte cornigera inclinada,
Bramando duro corre, e os olhos cerra,
Derriba, fere, mata e põe por terra:

LXXXIX

Eis nos bateis o fogo se levanta
Na furiosa e dura artilheria;

A plumbea pella mata, o brado espanta (159),
Ferido o ar retumba, e assovia;

O coração dos Mouros se quebranta;

O temor grande o sangue lhes resfria:

Já foge o escondido de medroso,

E morre o descoberto aventuroso.

(159) A plumbea pella, pelouro, ou bala de chumbo, de que eram feitas.

XC

Não se contenta a gente Portuguesa (160).
Mas seguindo a victoria estrue e mata;
A povoação sem muro e sem defesa,
Esbombardea, accende e desbarata.
Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa,
Que bem cuidou comprál-a mais barata;
Já blasphema da guerra, e maldizia

O velho inerte, e a mãe que o filho cria (161).

XCI

Fugindo, a setta o Mouro vai tirando,
Sem força, de covarde e de apressado,
A pedra, o páo e o canto arremessando (162);
Dá-lhe armas o furor desatinado (163).
Já a ilha, e todo o mais desamparando,
A' terra firme foge amedrontado;
Passa, e corta do mar o estreito braço,
Que a ilha em torno cerca, em pouco espaço.

XCII

Huns vão nas almadias carregadas,
Hum corta o mar a nado diligente;
Quem se afoga nas ondas encurvadas;
Quem bebe o mar, e o deita juntamente;
Arrombam as muidas bombardadas
Os pangaios subtis da bruta gente (164):
Desta arte o Portugues em fim castiga
A vil malicia, perfida, inimiga.

(160) Começou por bombardear a praia e acabou pela povoação.-(161) Consta que os mouros, assim tratados, diziam mal dos paes e das mães.-(162) Canto, ou pedregulho, matacão.-(168) Imita aqui um verso do 1.o canto da Eneida, cuja traducção é: Tiram paus e pedras, a furia lhe dá armas. (164) Pangaios e almadias teem só a differença dos primeiros serem maiores e terem velas, tecidas com filamentos vegetaes.

XCIII

Tornam victoriosos para a armada (165)
Co'o despojo da guerra e rica presa,
E vão a seu prazer fazer aguada,
Sem achar resistencia, nem defesa.
Ficava a Maura gente magoada,

No odio antiguo, mais que nunca, accesa,
E vendo sem vingança tanto dano,
Sómente estriba no segundo engano.

XCIV

Pazes commetter manda arrependido (166)
O Regedor d'aquella iniqua terra,
Sem ser dos Lusitanos entendido,

Que em figura de paz lhe manda guerra;
Porque o piloto falso promettido,

Que toda a má tenção no peito encerra,
Para os guiar á morte lhe mandava,
Como em sinal das pazes, lhe tratava.

XCV

O Capitão, que já lhe então convinha (167)
Tornar a seu caminho acostumado,
Que tempo concertado e ventos tinha,
Para ir buscar o Indo desejado;
Recebendo o piloto, que lhe vinha,
Foi delle alegremente agasalhado,
E respondendo ao mensageiro attento,
As velas manda dar ao largo vento.

(165) Saquearam muitos e tomaram quatro pangaios aos mouros; depois, regressaram a bordo.-(166) Regedor, xeque ou governador, que, receando maior damno, mandou pedir pazes e enviou um piloto. - (167) Vasco da Gama acceitou o plloto.

XCVI

Desta arte despedida a forte armada,
As ondas de Amphitrite dividia (168),
Das filhas de Nereo acompanhada (169),
Fiel, alegre e doce companhia:

O Capitão, que não cahia em nada
Do enganoso ardil, que o Mouro urdia,
Delle mui largamente se informava
Da India toda, e costas que passava.

XCVII

Mas o Mouro instruido nos enganos (170)
Que o malevolo Baccho lhe ensinara,
De morte, ou captiveiro novos danos,
Antes que á India chegue, lhe prepara;
Dando razão dos portos Indianos,
Tambem tudo o que pede lhe declara;
Que havendo por verdade o que dizia,
De nada a forte gente se temia.

XCVIII

E diz-lhe mais, co'o falso pensamento
Com que Sinon os Phrygios enganou (171),
Que perto está huma ilha, cujo assento
Povo antigo Christão sempre habitou.
O Capitão, que a tudo estava attento,
Tanto com estas novas se alegrou,
Que com dadivas grandes lhe rogava,
Que o leve á terra onde esta gente estava.

(168) Por Amphitrite entende-se o mar, por ser mulher de Neptuno. Era filha do Oceano e de Doris. (169) Nereo, filho do Oceano e de Tethis, ou segundo alguns, do Oceano e da Terra. Foi casado com uma sua irmã, Doris, de quem teve muitas filhas, chamadas Nereidas. - (170) O mouro, era o piloto.-(171) Sinon, foi quem, fingindo-se perseguido pelos romanos, sendo romano, entrou em Troia, encarregado de abrir o celebre cavallo de madeira, onde se escondiam muitas forças troianas,

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