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XCIX

O mesmo o falso Mouro determina (172),
Que o seguro Christão lhe manda e pede;
Que a ilha é possuida da malina

Gente, que segue o torpe Mafamede.
Aqui o engano e morte lhe imagina,
Porque em poder e forças muito excede
A Moçambique esta ilha, que se chama
Quíloa, mui conhecida pela fama.

C

Para lá se inclinava a leda frota :
Mas a deosa em Cythere celebrada (173),
Vendo como deixava a certa rota
Por ir buscar a morte não cuidada,
Não consente que em terra tão remota
Se perca a gente della tão amada,
E com ventos contrarios a desvia,
D'onde o piloto falso a leva e guia.

CI

Mas o malvado Mouro não podendo
Tal determinação levar ávante,
Outra maldade iniqua commettendo,
Ainda em seu proposito constante;
Lhe diz, que pois as aguas discorrendo,
Os levaram por força por diante,
Que outra ilha tem perto, cuja gente
Eram Christãos com Mouros juntamente.

(172) O Gama desejava ir a Quiloa, onde diziam haver chris tãos, e o piloto nisso consentiu por intentar perdel-o lá com os mouros.-(178) Cythere é Venus, a deusa dos Amores, que tinha um templo na cidade de Cythere, na ilha de Chypre. Dá a entender que foi ella que desviou a armada do rumo de Quiloa.

CII

Tambem nestas palavras lhe mentia,
Como por regimento em fim levava (174);
Que aqui gente de Christo não havia,
Mas a que a Mafamede celebrava.
O Capitão que em tudo o Mouro cria,
Virando as velas, a ilha demandava;
Mas não querendo a deosa guardadora,
Não entra pela barra, e surge fóra (175).

СІІІ

Estava a ilha á terra tão chegada,
Que um estreito pequeno a dividia;
Huma cidade n'ella situada,

Que na fronte do mar apparecia,

De nobres edificios fabricada,

Como por fóra ao longe descobria,

Regida por hum Rei de antigua idade;
Mombaça é o nome da ilha e da cidade (176).

CIV

E sendo a ella o Capitão chegado,
Estranhamente ledo, porque espera
De poder ver o povo baptizado,
Como o falso piloto lhe dissera,
Eis vem bateis da terra com recado
Do Rei, que já sabia a gente que era ;
Que Baccho muito de antes o avisara (177),
Na forma d'outro Mouro, que tomara.

(174) Regimento do xeque de Moçambique: de numa ou noutrà terra deitar a perder os Portugueses.-(175) O piloto queria metter os barcos barra dentro, mas o Gama não consentiu e ficou fóra.—(176) V. n. 120 da est, LIV, deste.—(177) Baccho, aqui, como em Moçambique, tambem se fingiu de mouro para egual fim.

CV

O recado que trazem é de amigos (178),
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Oh grandes e gravissimos perigos!
Oh caminho da vida nunca certo!
Que aonde a gente põe sua esperança
Tenha a vida tão pouca segurança !

CVI

No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida !

Onde pode acolher-se hum fraco humano?
Onde terá segura a curta vida,

Que não se arme e se indigne o Ceo sereno
Contra hum bicho da terra tão pequeno (179)?

(178) Logo que avistaram terra, vieram quatro magnates saber quem eram. Responderam que Portugueses necessitados de viveres. Ainda tornaram com recado do rei, que se dizia muito satisfeito pela chegada dos hospedes.-(179) Bicho da terra, os homens.

OS LUSIADAS

CANTO SEGUNDO

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