Torna para detras a não forçada (27),
Apesar dos que leva, que gritando Maream velas, ferve a gente irada,
Oleme a hum bordo e a outro atravessando : O mestre astuto em vão da popa brada,
Vendo como diante ameaçando
Os estava hum maritimo penedo (28), Que de quebrar-lhe a não lhe mette medo.
A celeuma medonha se alevanta No rudo marinheiro que trabalha ;
O grande estrondo a Maura gente espanta, Como se vissem horrida batalha. Não sabem a razão de furia tanta; Não sabem nesta pressa quem lhe valha; Cuidam que seus enganos são sabidos, E que hão de ser por isso aqui punidos.
Ei-los subitamente se lançavam A seus bateis veloces que traziam ; Outros em cima o mar alevantavam, Saltando n'agua, a nado se acolhiam : De hum bordo e d'outro subito saltavam, Que o medo os compellia do que viam ; Que antes querem ao mar aventurar-se, Que nas mãos inimigas entregar-se.
(27) Dando a nau almirante no baixo, houve grande grita e halburdia da marinhagem para safal-a; e os mouros, que nella iam, cuidaram descoberta a sua trama e lançaram-se ao mar. -(28) Penedo, ou rocha, onde o barco podia dar e abrir agua.
Assi como em selvatica alagoa
As rãs, no tempo antiguo Lycia gente (29), Se sentem por ventura vir pessoa, Estando fóra da agua incautamente, D'aqui e d'ali saltando, o charco soa, Por fugir do perigo que se sente;
E acolhendo-se ao couto que conhecem, Sós as cabeças na agua lhe apparecem : XXVIII
Assi fogem os Mouros; e o piloto, Que ao perigo grande as náos guiara, Crendo que seu engano estava noto, Tambem foge, saltando na agua amara. Mas por não darem no penedo immoto (30), Onde percam a vida doce e cara,
A ancora solta logo a capitaina,
Qualquer das outras junto d'ella amaina.
Vendo o Gama, attentado, a estranheza Dos Mouros, não cuidada, e juntamente O piloto fugir-lhe com presteza,
Entende o que ordenava a bruta gente; E vendo sem contraste, e sem braveza Dos ventos, ou das aguas sem corrente,. Que a náo passar avante não podia, Havendo-o por milagre, assi dizia :
(29) Em Lycia, terra da Asia, recusaram os naturaes agua a Latona, mãe d'Apollo. Esta pediu a Jupiter que os castigasse, e por isso foram convertidos em rãs. O poeta compara os mouros a nadar com a gente da Lycia.—(30) Immoto, ou immovel, seguro.
Oh caso grande, estranho e não cuidado (31)! Oh milagre clarissimo e evidente! Oh descoberto engano inopinado (32)! Oh perfida, inimiga e falsa gente! Quem poderá do mal apparelhado Livrar-se sem perigo sabiamente, Se lá de cima a Guarda soberana Não accudir á fraca força humana ?
Bem nos mostra a divina Providencia D'estes portos a pouca segurança; Bem claro temos visto na apparencia, Que era enganada a nossa confiança; Mas pois saber humano, nem prudencia Enganos tão fingidos não alcança, O'tu, Guarda divina, tem cuidado De quem sem ti não pode ser guardado.
E se te move tanto a piedade D'esta misera gente peregrina, Que só por tua altissima bondade Da gente a salvas perfida e malina; N'algum porto seguro de verdade Conduzir-nos já agora determina;
Ou nos amostra a terra que buscamos (33), Pois só por teu serviço navegamos.
(81) A marinhagem tomou por milagre salvar-se a nau e salvarem-se elles dos mouros. - (32) Inopinado, ou não presumido.-(83) A India,
Ouvio-lhe estas palavras piedosas A formosa Dione; e commovida, D'entre as nymphas se vai, que saudosas Ficaram d'esta subita partida.
Já penetra as estrellas luminosas; Já na terceira esphera recebida (34), Avante passa; e, lá no sexto ceo, Para onde estava o Padre, se moveo (35). XXXIV
E como ia afrontada do caminho, Tão formosa no gesto se mostrava, Que as estrellas, e o Ceo, e o ar vizinho, E tudo quanto a via, namorava;
Dos olhos, onde faz seu filho o ninho (36), Huns espiritos vivos inspirava,
Com que os povos gelados accendia (37), E tornava do fogo a esphera fria.
E por mais namorar o soberano
Padre, de quem foi sempre amada e cara, Se lh'apresenta assi, como ao Troiano (38), Na selva Idêa já se apresentara (39).
Se a vira o caçador, que o corpo humano (40) Perdeo, vendo Diana na agua clara,
Nunca os famintos galgos o mataram, Que primeiro desejos o acabaram.
(84) Esphera, por céo. Céos, pela ordem dos planetas, são: Lua, Mercurio, Venus.-3.o Sol, Marte, Jupiter e Saturno. (85) Céo, residencia do Padre Eterno.-(86) O filho de Venus é Cupido, deus do amor. (87) Norte e Sul. (88) Hecuba, mulher de Priamo, rei de Troia, sonhou ter no ventre uma chamma, que queimaria a cidade. (89) Idea, bosque junto de Troia. (40) E' Acteon, filho de Aristeo e Antonoe. Foi transformado em veado, por ter visto Diana a banhar-se, e devorado pelos seus proprios cães.
Os crespos fios d'ouro se esparziam (41) Pelo colo, que a neve escurecia; Andando as lacteas tetas lhe tremiam, Com quem amor brincava, e não se via; Da alva petrina flammas lhe sahiam, Onde o Menino as almas accendia; Pelas lisas columnas lhe trepavam Desejos, que como hera se enrolavam.
C'hum delgado cendal as partes cobre De quem vergonha é natural reparo: Porém nem tudo esconde, nem descobre O veo, dos roxos lirios pouco avaro; Mas para que o desejo accenda e dobre, Lhe põe diante aquelle objecto raro. Já se sentem no Ceo, por toda a parte, Ciumes em Vulcano, amor em Marte (42).
E mostrando no angelico semblante Co'o riso huma tristeza misturada,
Como dama, que foi do incauto amante Em brincos amorosos maltratada,
Que se aqueixa, e se ri n'hum mesmo instante, E se torna entre alegre magoada;
Desta arte a deosa, a quem nenhuma iguala, Mais mimosa que triste ao Padre falla (43):
(41) Descreve como Venus appareceu a seu pae.—(42) Vulcano, era esposo de Venus, e Marte seu amante.-(48) O Padre, é Jupiter, a quem Venus pede auxilio em favor dos Portugueses.
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