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XXIV

Torna para detras a não forçada (27),

Apesar dos que leva, que gritando
Maream velas, ferve a gente irada,

Oleme a hum bordo e a outro atravessando :
O mestre astuto em vão da popa brada,

Vendo como diante ameaçando

Os estava hum maritimo penedo (28),
Que de quebrar-lhe a não lhe mette medo.

XXV

A celeuma medonha se alevanta
No rudo marinheiro que trabalha ;

O grande estrondo a Maura gente espanta,
Como se vissem horrida batalha.
Não sabem a razão de furia tanta;
Não sabem nesta pressa quem lhe valha;
Cuidam que seus enganos são sabidos,
E que hão de ser por isso aqui punidos.

XXVI

Ei-los subitamente se lançavam
A seus bateis veloces que traziam ;
Outros em cima o mar alevantavam,
Saltando n'agua, a nado se acolhiam :
De hum bordo e d'outro subito saltavam,
Que o medo os compellia do que viam ;
Que antes querem ao mar aventurar-se,
Que nas mãos inimigas entregar-se.

(27) Dando a nau almirante no baixo, houve grande grita e halburdia da marinhagem para safal-a; e os mouros, que nella iam, cuidaram descoberta a sua trama e lançaram-se ao mar. -(28) Penedo, ou rocha, onde o barco podia dar e abrir agua.

XXVII

Assi como em selvatica alagoa

As rãs, no tempo antiguo Lycia gente (29),
Se sentem por ventura vir pessoa,
Estando fóra da agua incautamente,
D'aqui e d'ali saltando, o charco soa,
Por fugir do perigo que se sente;

E acolhendo-se ao couto que conhecem,
Sós as cabeças na agua lhe apparecem :
XXVIII

Assi fogem os Mouros; e o piloto,
Que ao perigo grande as náos guiara,
Crendo que seu engano estava noto,
Tambem foge, saltando na agua amara.
Mas por não darem no penedo immoto (30),
Onde percam a vida doce e cara,

A ancora solta logo a capitaina,

Qualquer das outras junto d'ella amaina.

XXIX

Vendo o Gama, attentado, a estranheza
Dos Mouros, não cuidada, e juntamente
O piloto fugir-lhe com presteza,

Entende o que ordenava a bruta gente;
E vendo sem contraste, e sem braveza
Dos ventos, ou das aguas sem corrente,.
Que a náo passar avante não podia,
Havendo-o por milagre, assi dizia :

(29) Em Lycia, terra da Asia, recusaram os naturaes agua a Latona, mãe d'Apollo. Esta pediu a Jupiter que os castigasse, e por isso foram convertidos em rãs. O poeta compara os mouros a nadar com a gente da Lycia.—(30) Immoto, ou immovel, seguro.

XXX

Oh caso grande, estranho e não cuidado (31)!
Oh milagre clarissimo e evidente!
Oh descoberto engano inopinado (32)!
Oh perfida, inimiga e falsa gente!
Quem poderá do mal apparelhado
Livrar-se sem perigo sabiamente,
Se lá de cima a Guarda soberana
Não accudir á fraca força humana ?

XXXI

Bem nos mostra a divina Providencia
D'estes portos a pouca segurança;
Bem claro temos visto na apparencia,
Que era enganada a nossa confiança;
Mas pois saber humano, nem prudencia
Enganos tão fingidos não alcança,
O'tu, Guarda divina, tem cuidado
De quem sem ti não pode ser guardado.

XXXII

E se te move tanto a piedade
D'esta misera gente peregrina,
Que só por tua altissima bondade
Da gente a salvas perfida e malina;
N'algum porto seguro de verdade
Conduzir-nos já agora determina;

Ou nos amostra a terra que buscamos (33),
Pois só por teu serviço navegamos.

(81) A marinhagem tomou por milagre salvar-se a nau e salvarem-se elles dos mouros. - (32) Inopinado, ou não presumido.-(83) A India,

XXXIII

Ouvio-lhe estas palavras piedosas
A formosa Dione; e commovida,
D'entre as nymphas se vai, que saudosas
Ficaram d'esta subita partida.

Já penetra as estrellas luminosas;
Já na terceira esphera recebida (34),
Avante passa; e, lá no sexto ceo,
Para onde estava o Padre, se moveo (35).
XXXIV

E como ia afrontada do caminho,
Tão formosa no gesto se mostrava,
Que as estrellas, e o Ceo, e o ar vizinho,
E tudo quanto a via, namorava;

Dos olhos, onde faz seu filho o ninho (36),
Huns espiritos vivos inspirava,

Com que os povos gelados accendia (37),
E tornava do fogo a esphera fria.

XXXV

E por mais namorar o soberano

Padre, de quem foi sempre amada e cara,
Se lh'apresenta assi, como ao Troiano (38),
Na selva Idêa já se apresentara (39).

Se a vira o caçador, que o corpo humano (40)
Perdeo, vendo Diana na agua clara,

Nunca os famintos galgos o mataram,
Que primeiro desejos o acabaram.

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(84) Esphera, por céo. Céos, pela ordem dos planetas, são: Lua, Mercurio, Venus.-3.o Sol, Marte, Jupiter e Saturno. (85) Céo, residencia do Padre Eterno.-(86) O filho de Venus é Cupido, deus do amor. (87) Norte e Sul. (88) Hecuba, mulher de Priamo, rei de Troia, sonhou ter no ventre uma chamma, que queimaria a cidade. (89) Idea, bosque junto de Troia. (40) E' Acteon, filho de Aristeo e Antonoe. Foi transformado em veado, por ter visto Diana a banhar-se, e devorado pelos seus proprios cães.

XXXVI

Os crespos fios d'ouro se esparziam (41)
Pelo colo, que a neve escurecia;
Andando as lacteas tetas lhe tremiam,
Com quem amor brincava, e não se via;
Da alva petrina flammas lhe sahiam,
Onde o Menino as almas accendia;
Pelas lisas columnas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.

XXXVII

C'hum delgado cendal as partes cobre
De quem vergonha é natural reparo:
Porém nem tudo esconde, nem descobre
O veo, dos roxos lirios pouco avaro;
Mas para que o desejo accenda e dobre,
Lhe põe diante aquelle objecto raro.
Já se sentem no Ceo, por toda a parte,
Ciumes em Vulcano, amor em Marte (42).

XXXVIII

E mostrando no angelico semblante
Co'o riso huma tristeza misturada,

Como dama, que foi do incauto amante
Em brincos amorosos maltratada,

Que se aqueixa, e se ri n'hum mesmo instante,
E se torna entre alegre magoada;

Desta arte a deosa, a quem nenhuma iguala,
Mais mimosa que triste ao Padre falla (43):

(41) Descreve como Venus appareceu a seu pae.—(42) Vulcano, era esposo de Venus, e Marte seu amante.-(48) O Padre, é Jupiter, a quem Venus pede auxilio em favor dos Portugueses.

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