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XXXIX

<<Sempre eu cuidei, ó Padre poderoso (44),
Que para as cousas, que eu do peito amasse,
Te achasse brando, affabil e amoroso,
Posto que a algum contrario lhe pezasse;
Mas pois que contra mi te vejo iroso,
Sem que t'o merecesse, nem te errasse,
Faça-se como Baccho determina :
Assentarei em fim que fui mofina.

XL

Este povo, que é meu, por quem derramo
As lagrimas, que em vão cahidas vejo,
Que assaz de mal lhe quero, pois que o amo,
Sendo tu tanto contra meu desejo.

Por elle a ti, rogando, choro e bramo,
E contra minha dita em fim pelejo,
Ora, pois, porque o amo é mal tratado,
Quero-lhe querer mal, será guardado.

XLI

Mas moura em fim nas mãos das brutas gentes,
Que pois eu fui...» E nisto, de mimosa (45),
O rosto banha em lagrimas ardentes,
Como co'o orvalho fica a fresca rosa;
Calada hum pouco, como se entre os dentes
Se lhe impedira a falla piedosa ;

Torna a segui-la; e indo por diante

Lhe atalha o poderoso e grão Tonante (46).

(44) Imita Virgilio, quando, na Eneida, pôs na boca de Ve¬ nus semelhante discurso em favor d'Eneas. - (45) Ainda lembra o: Quos ego... do mesmo auctor, que supprimiu o verbo castigarei, por uma figura chamada reticencia. Neste caso, completa-se a proposição com a palavra mofina.-(46) Grão Tonante, é Jupiter.

XLII

E destas brandas mostras commovido,
Que moveram de hum tigre o peito duro,
Co'o vulto alegre, qual do ceo subido
Torna sereno e claro o ar escuro (47),
As lagrimas lhe alimpa, e accendido
Na face a beija, e abraça o collo puro;
De modo que d'ali, se só se achara,
Outro novo Cupido se gerara.

XLIII

E co'o seu apertando o rosto amado,
Que os soluços e lagrimas augmenta,
Como menino da ama castigado,

Que quem no affaga, o choro lhe acrescenta,
Por lhe pôr em socego o peito irado,
Muitos casos futuros lhe apresenta;
Dos fados as entranhas revolvendo (48),
Desta maneira em fim lhe está dizendo:

XLIV

<«<Formosa filha minha, não temais (49)
Perigo algum nos vossos Lusitanos;
Nem que ninguem commigo possa mais,
Que esses chorosos olhos soberanos;
Que eu vos prometto, filha, que vejais
Esquecerem-se Gregos e Romanos
Pelos illustres feitos, que esta gente
Ha de fazer nas partes do Oriente.

(47) E' o verso da Eneida: Vultu quo colum tempestatesque serenat. Mais vezes o nosso poeta imita Virgilio e com isso parece honrar-se, a ponto do começo dos Lusiadas -As armas e os barões.... ser tal qual o da Eneida - Arma virumque cano.- (48) V. n. 61, est. xxiv, canto 1.o (49) Jupiter conta á filha Venus o que ha de acontecer na India aos Portugueses.

-

XLV

Que se o facundo Ulysses escapou (50)
De ser na Ogygia ilha eterno escravo (51),
E se Antenor os seios penetrou (52)
Illyricos, e a fonte de Timavo (53);

E se o piedoso Eneas navegou

De Scylla e de Charybdis o mar bravo (54);
Os vossos, mores cousas attentando,
Novos mundos ao mundo irão mostrando.

XLVI

Fortalezas, cidades e altos muros
Por elles vereis, filha, edificados;
Os Turcos bellacissimos e duros,
Delles sempre vereis desbaratados;
Os Reis da dia, livres e seguros,
Vereis ao potente subjugados,
E por el, de tudo em fim senhores,
Serão dadas na terra leis melhores.

XLVII

Vereis este, que agora pressuroso (55),
Por tantos medos o Indo vai buscando,
Tremer d'elle Neptuno, de medroso,
Sem vento suas aguas encrespando.
Oh caso nunca visto e milagroso,

Que trema e ferva o mar, em calma estando!
Oh gente forte e de altos pensamentos,

Que tambem della hão medo os elementos (56) !

(50) Ulysses obrou feitos memoraveis na conquista de Troia. -(51) Ogygia, morada de Calipso, onde Ulysses aportou, e lá ficaria, se Pallas não pedisse a Jupiter que o tirasse de lá. — (52) Antenor, Troiano, que vendeu a patria aos Gregos. (53) Timavo, rio da Austria-Trieste.-(54) Eneas, filho d'Anquises e Venus, soffreu muitas tormentas no mar, sendo a maior entre Scylla e Charybdis, cachopos do estreito de Messina. (55) Vasco da Gama. - (56) que, sentindo um tremor de terra, disse; o mar treme de nós.>>

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XLVIII

Vereis a terra, que a agua lhe tolhia (57),
Que inda ha de ser hum porto mui decente,
Em que vão descansar da longa via
As náos que navegarem do Occidente.
Toda esta costa em fim, que agora urdia
O mortifero engano, obediente

Lhe pagará tributos, conhecendo (58)
Não poder resistir ao Luso horrendo.

XLIX

E vereis o mar Roxo tão famoso (59)
Tornar-se-lhe amarello e enfiado:
Vereis de Ormuz o reino poderoso (60)
Duas vezes tomado e subjugado;
Ali vereis o Mouro furioso

De suas mesmas settas traspassado;
Que quem vai contra os vossos claro veja,
Que se resiste, contra si peleja.

L

Vereis a inexpugnabil Dio forte (61),
Que dous cercos terá, dos vossos sendo;
Ali se mostrará seu preço e sorte,
Feitos de armas grandissimos fazendo:
Invejoso vereis o grão Mavorte
Do peito Lusitano fero e horrendo.
Do Mouro ali verão, que a voz extrema
Do falso Mafamede ao Ceo blasfema.

(57) Moçambique, cidade de escala para a India.-(58) Em 1502, voltando o Gama á India, fez Quiloa tributaria de Portugal. (59) Roxo, ou vermelho, pcr uma alga microscopica -a Trichodesmium erythræum.—(60) Ormuz, ilha á entrada do golpho Persico. Foi tomada em 1507.-(61) Diu, ilha no golpho d'Oman, ao sul da peninsula de Gudjerat. Soffreu dois çerços 1538-1547.

--

LI

Goa vereis aos Mouros ser tomada, (62)
A qual virá despois a ser senhora
De todo o Oriente e sublimada
Co'os triumphos da gente vencedora :
Ali soberba, altiva e exalçada,
Ao gentio, que os idolos adora (63),
Duro freio porá, e a toda a terra,
Que cuidar de fazer aos vossos guerra.

LII

Vereis a fortaleza sustentar-se

De Cananor, com pouca força e gente (64);
E vereis Calecut desbaratar-se (65),
Cidade populosa, e tão potente;

E vereis em Cochim assinalar-se (66)
Tanto hum peito soberbo e insolente (67),
Que cithara jamais cantou victoria
Que assi mereça eterno amor e gloria.

LIII

Nunca com Marte instructo e furioso,
Se vio ferver Leucate, quando Augusto (68)
Nas civis Actias guerras animoso,

O Capitão venceo Romano injusto,
Que dos povos da Aurora, e do famoso
Nilo, e do Bactra Scythico e robusto (69),
A victoria trazia e presa rica,

Preso da Egypcia linda e não pudica (70);

(62) Goa, no Industão, tomada em 1510 por Affonso d'Albuquerque.(68) De Goa iam armadas de Mouros á India. (64) Cananor, no Malabar entre Goa e Cochim. (65) Calecut, a mais rica cidade do Malabar.- (66) Cochim, na costa do Malabar.-(67) Foi o peito de Duarte Pacheco.-(68) Uma peninsula no Egypto, onde houve batalha naval entre Augusto e Marco Antonio-romano injusto.-(69) Bactro rio da Scithia.-(70) E' Cleopatra, rainha do Egypto.

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