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«na terra dos Pacajarés da banda do Pará duas pedras, huma «como hum ovo de pomba, outra menor: pela qual dizem, que «dá El-Rei de Inglaterra vinte mil libras sterlings; huns dizem ser balaias, outros lhe dão differentes nomes.

«As aves, e animaes silvestres desta terra são innumeraveis, e «estranhos, de que se toma grande abundancia para sustento das «gentes; e assim no mar, e nos rios são infinitas as sortes, e «quantidades de peixes, os quaes se tomão ás mãos muitas vezes, «e ás pancadas, e de peixes bois, cuja carne he como de vacca, «da mesma côr, sabor, e cheiro, e ho tão abundante este sitio, «que só de hum rio tinhão os francezes tirado duzentos e cincoenta; e com estas, e outras coisas que vio, e entendeo o dito «Diogo de Campos se partio do forte S. Luiz a 4 de janeiro de «mile seiscentos e quinze, trazendo comsigo ao capitão Matheu Maillart francez, com o oval para refem, e testemunho do que dito fica, se apresentou diante do Senhor Arcebispo Vice-Rei «de Portugal em 5 de março do dito anno, sendo o primeiro «portuguez, que do Maranhão em direitura veio a Lisboa de «tantos, quantos intentarão aquella empreza, do que a Deos «sejão dados eternos louvores.»>

NOTA C-PAGS. 189 E 247

Nem por isso são muito vulgares na nossa provincia as noticias sobre a origem, conformação physica, indole, e costumes dos antigos habitadores do Brazil; pelo que julgamos fazer algum serviço vertendo em portuguez não só o interessante trabalho de Fernão Denis, a que nos referimos no texto, senão a carta que Pero Vaz de Caminha, companheiro de Pedr'alves Cabral, escreveu a el-rei D. Manoel, dando-lhe noticia do descobrimento da terra de Sancta Cruz.

Empregamos o termo traduzir, mesmo em relação a esta

carta, porque está escripta em um portuguez tam antigo, e a orthographia é tal, que ao commum dos leitores não seria hoje facil a sua intelligencia, se não procurassemos remoça-la, mediante a traducção que fizemos. Este documento rarissimo, posto que já publicado em quatro diversas edições, só o temos visto, sob essa fórma obsoleta e difficil, na Corographia Brazilica do padre Ayres do Casal, e em uma traducção de Fernão Denis que, buscando principalmente servir á clareza, estragou e desbotou as fórmas originaes e coloridas do auctor, e tornouse muitas vezes frouxo e diffuso, sem que todavia nem sempre acertasse com a verdadeira intelligencia do texto.

O padre Ayres, transcrevendo-o, nota o seguinte: «Havendo <relatado o descobrimento do Brazil com Barros, Góes, e Ozorio á vista, communicando-se-me depois no archivo da Real Marinha do Rio de Janeiro a copia de uma carta escripta em Porto-Seguro, pelo mencionado Pedro Vaz de Caminha, com<panheiro de Pedr'alves, que refere o caso em contrario <daquell'outros, não só com miudeza, mas até com veracidade palpavel, me vi obrigado a dar-lhe preferencia; e estimei tanto este encontro, que escrupuliso faria injustiça aos meus leitores, não lhes dando aqui a copia della.»

Fernão Denis observa tambem acerca della com muito aviso que nestas notas assim tomadas pelos viajantes nos proprios logares, se introduzem, é certo, alguns erros e inexactidões, mas que os factos são descriptos com muito mais sinceridade e singeleza, e nem se acham alterados pelas idéas do tempo.

Daremos em primeiro logar este documento antigo, apoz virá o opusculo moderno. Poderão ser assim facilmente comparados, no que forem susceptiveis de comparação, o trabalho singelo e ingenuo, com o trabalho erudita e sabiamente elaborado. Ficamos que ninguem perderá com a sua leitura, na qual hãode uns achar instrucção, e outros pelo menos um honesto desenfado.

Indoeti discant, ament meminisse periti.

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«Senhor.-Posto que o capitão-mór desta vossa armada, e os «mais capitães escrevam a V. A. a nova da achada desta vossa «nova terra, que se ora nesta navegação achou, não deixarei <tambem de dar conta deste caso a V. A. como melhor poder, «ainda que pera o bem contar, seja eu de todos o menos proprio; mas releve-me V. A. a ignorancia pela boa vontade, e «crêa bem que pera enfeitar ou afear as cousas, não hei de <pôr aqui mais que aquillo que vi, e segundo me pareceu.

«Da marinhagem e singraduras da navegação nada direi a «V. A., porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse «cuidado; e portanto, senhor, do que hei de fallar começo ẹ «digo que a partida de Belem, como V. A. sabe, foi segundafeira 9 de março; e sabbado, 14 do dito mez, entre ás oito e «nove horas nos achamos diante das Canarias, porém mais «proximos da Grã-Canaria, e ali andamos todo aquelle dia em «calma á vista dellas obra de tres a quatro leguas de distancia. «Domingo, 22 do dito mez ás dez horas pouco mais ou menos, «houvemos vista das ilhas de Cabo-Verde, a saber, da ilha de «S. Nicolau, segundo dizia o piloto Pero Escobar. Ao amanhecer de segunda-feira viu-se que a náu de Vasco d'Atayde se havia desgarrado do resto da frota durante a noite, sem que <tivesse havido máu tempo pera isso. Diligenciou o capitão«mór descobri-la, aproando a um e outro lado, porém não appareceu mais. E assim seguimos nosso caminho por esse mar «em fóra até terça-feira oitava de paschoa, que foi a 21 de abril, «em que começamos a topar alguns signaes de terra visinha, os «quaes eram muita quantidade de hervas compridas, a que «os mareantes chamam botelho, e mais outras a que tambem «chamam rabo d'asno.

«Segundo o computo dos pilotos, estavamos então a seiscen«tas e sessenta, ou seiscentas e setenta leguas da dita ilha de >> S. Nicolau. Na quarta-feira seguinte pela manhã topamos

«d'umas aves a que chamam fura-buchos; e neste mesmo dia, á hora de vespera, houvemos vista de terra, a saber: primei<ramente de um grande monte, mui alto e redondo, e de outras «serras mais baixas, ao sul delle, e de terra chã com grandes <arvoredos: ao qual monte poz nome o capitão-Monte Pas<choal-e á terra o de-Terra da Vera-Cruz. Mandou lançar «o prumo, e acharam-se vinte e cinco braças, e ao sol posto, Cobra de seis leguas de terra, largamos ancora em dezenove braças, ancoragem limpa. Ali passamos a noite, e quinta-feira «pela manhã fizemo-nos á vela, guiando direitos à terra, e navegando sempre, os navios pequenos em dezesete a nove <braças d'agua até distancia de meia legua de terra, onde todos demos fundo, ante a embocadura de um rio, ás dez horas pouco mais ou menos, e dali houvemos vista de alguns homens que discorriam pela praia, e que seriam sete ou oito, segundo dis, seram os dos navios menores que primeiro se aproximaram, Lançamos os bateis e esquifes fóra, e vieram todos os capitães <a esta nau do capitão-mór, onde consultaram entre si, mandando em seguida o capitão-mór a Nicolau Coelho que sahisse «em terra n'um batel para explorar aquelle rio. E tanto que elle indireitou para ali, entraram a acudir alguns homens á «praia, aos dous e aos tres, por maneira que quando o batel chegou á boca do rio, já eram ali dezoito ou vinte homens pardos, todos nus, sem cousa alguma que lhes cobrisse suas «vergonhas. Traziam arcos e setas nas mãos, e guiavam apressados pera o batel, mas fazendo-lhes Nicolau Coelho signal pera que depozessem os arcos, promptamente obedeceram. <<Entretanto não foi possivel haver delles falla ou entendimento «que aproveitasse, pelo mar quebrar com força na costa; apenas «lhes pôde dar um barrete vermelho, uma carapuça de linho «que levava na cabeça, e um sombreiro preto; dando um delles «em retorno un sombreiro de pennas compridas d'aves, com «seu topetezinho de pennas vermelhas e pardas como de pa, «pagaio; e outro, um ramal grande de continhas alvas e miudas,

<semelhando a marfim, as quaes peças creio que o capitão manda a V. A.

«Å noite seguinte ventou tanto sueste com aguaceiros, que as <naus deram de si, principalmente a Capitánia; pelo que, sexta«feira pela manhã, cerca das oito horas, por conselho dos pi«lotos, mandou o capitão levar ancoras, e nos fizemos á vela ao longo da costa, dando a popa ao norte, em busca de alguma abrigada onde podessemos fazer aguada e lenha. Ao desferrarmos, ficavam já na praia, assentados junto á boca do rió, «obra de sessenta a setenta homens, que se haviam ali juntado poucos. Os navios maiores velejavam ao largo, os pequenos «mais chegados á terra, e andando assim obra de dez leguas, «deparamos com um arrecife, com um porto dentro muito bom «e seguro, e de larga entrada, onde ancoramos. E mettendo-se «Affonso Lopes, nosso piloto, e homem vivo e esperto, em um «esquife pera sondar o interior do porto, tomou em uma alma<dia dous daquelles homens da terra, mancebos bem apessoados, um dos quaes trazia o seu arco com seis ou sete frechas. Pela praia discorriam outros muitos, armados da mesma ma«neira, mas sem fazerem uso das armas. Trouxe os logo Affonso «Lopes ao capitão, já de noite, onde foram recebidos com muito prazer e festa.

A feição delles é serem pardos, tirando a vermelhos, de «bons rostos, bons narizes, bem feitos. Andam nus sem nenhu«ma cobertura, pouco se lhes dá de cobrir ou deixar á mostra «suas vergonhas; e acerca disto vivem em tanta innocencia «como em mostrar o rosto. Traziam ambos os beiços debaixo «furados, e mettido em cada um delles um pedaço de osso, do tamanho de uma mão travéssa de comprido, e da grossura de «um fuso de algodão, e agudo na ponta, á feição de um furador. Mettem-n'o pela parte de dentro do beiço, e a parte que lhe <fica entre o beiço e os dentes, tem a fórma de roque de xadrez «e de tal maneira o trazem ali encaixado, que os não molesta, «nem lhes estorva o comer, beber, ou fallar. Os seus cabellos

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