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VIII

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Viyas faiscas me mostrou hum dia,
Donde hum puro crystal se derretia
Por entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que alli via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dôr ao soffrimento doce e leve.
Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro effeito; o pensamento
Endoudece, se cuida que he verdade.
Olhai como Amor gera, em hum momento,
De lagrimas de honesta piedade
Lagrimas de immortal contentamento.

IX

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa juntamente chóro e rio;

O mundo todo abarco, e nada apérto.

He tudo quanto sinto hum desconcerto:

Da alma hum fogo me sahe, da vista hum rio; Agora espero, agora desconfio;

Agora desvarío, agora acérto.

Estando em terra, chego ao Ceo voando;

N'hum' hora acho mil annos, e he de geito Que em mil annos não posso achar hum'hora. Se me pergunta alguem, porque assi ando, Respondo, que não sei: porém suspeito Que só porque vos vi, minha Senhora.

X

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar:
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nella está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente póde descansar,
Pois com elle tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semidea,

Que como o accidente em seu sojeito,
Assi com a alma minha se confórma;
Está no pensamento como idea;

E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a materia simples busca a fórma.

XI

Passo por meus trabalhos tão isento

De sentimento grande nem pequeno,
Que só por a vontade com que peno
Me fica Amor devendo mais tormento.

Mas vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga co'o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque não mo consente o soffrimento.
Porém se esta fineza o Amor sente

E

pagar-me meu mal com mal pretende, Torna-me com prazer como ao sol neve.

Mas se me vê co' os males tão contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me deve.

XII

Em flor vos arrancou, de então crescida,
(Ah Senhor Dom Antonio!) a dura sorte
Donde fazendo andava o braço forte
A fama dos antiguos esquecida.
Huma só razão tenho conhecida

Com que tamanha mágoa se conforte:
Que se no Mundo havia honrada morte,
Não podieis vós ter mais larga vida.

Se meus humildes versos podem tanto
Que co'o desejo meu se iguale a arte,
Especial materia me sereis.

E celebrado em triste e longo canto,
Se morrestes nas mãos do fero Marte,
Na memoria das gentes vivireis.

XIII

N'hum jardim adornado de verdura,
Que esmaltavão por cima várias flôres,
Entrou hum dia a deosa dos amores,
Com a deosa da caça e da espessura.

Diana tomou logo hua rosa pura,
Venus hum roxo lyrio, dos melhores;
Mas excedião muito ás outras flores
As violas na graça e formosura.

Perguntão a Cupido, que alli estava,
Qual de aquellas tres flores tomaria
Por mais suave e pura, e mais formosa.",

Sorrindo-se o menino lhes tornava:
Todas formosas são; mas eu queria

Viola antes que lyrio, nem que rosa.

XIV

Todo animal da calma repousava,

Só Liso o ardor della não sentia;

Que o repouso do fogo, em que elle ardia, Consistia na Nympha que buscava. Os montes parecia que abalava

O triste som das mágoas que dizia: Mas nada o duro peito commovia, Que na vontade de outro posto estava. Cansado ja de andar por a espessura, No tronco de huma faia, por lembrança, Escreve estas palavras de tristeza: Nunca ponha ninguem sua esperança Em peito feminil, que de natura Sómente em ser mudavel tee firmeza.

XV

Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não póde tirar-me as esperanças,
Pois mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vêde que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas com quanto não póde haver desgôsto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor hum mal, que mata e não se vê.
Que dias ha que na alma me tee posto
Hum não sei que, que nasce não sei onde;
Vem não sei como; e doe não sei porque.

XVI

Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos bellos,
Se não perder a vista só com vellos,
Ja não paga o que deve a vosso gesto.
Este me parecia preço honesto;

Assi

Mas eu, por de vantagem merecellos, Dei mais a vida e alma por querellos; Donde ja me não fica mais de resto. que alma, alma, que vida, que esperança, E que quanto for meu, he tudo vosso: Mas de tudo o interêsse eu só o levo. Porque he tamanha bem-aventurança O dar-vos quanto tenho, e quanto posso, Que quanto mais vos pago, mais vos devo.

XVI

Quando da bella vista e doce riso

Tomando estão meus olhos mantimento,

Tão elevado sinto o pensamento,
Que me faz vêr na terra o Paraiso.

Tanto do bem humano estou diviso,

Que qualquer outro bem julgo por vento: Assi que em termo tal, segundo sento, Pouco vem a fazer quem perde o siso. Em louvar-vos, Senhora, não me fundo; Porque quem vossas graças claro sente, Sentirá que não póde conhecellas.

Pois de tanta estranheza sois ao mundo,

Que não he de estranhar, Dama excellente,
Que quem vos fez, fizesse Ceo e Estrellas.

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