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Esta serra de mediana altura, que por se elevar de uma planicie parece mais elevada, fórma para a parte do mar, donde se descobre a embocadura do Téjo e bahia de Setubal, huma muralha de rocha, que parece alli collocada para servir de barreira ao mar que nella quebra enfurecido, do outro lado se estão vendo as ilhas Berlengas, Peniche, e mais terras adjacentes.

Plinio diz que este cabo se estendia sobre o mar por espaço de 60 milhas. Flores mais conhecedor dos abysmos do mar, pertende que se mette por elle até á Madeira, e vai formar aquella ilha; nós que somos mui fracos mergulhadores, não temos muito desejo de analysar a fundo a asserção do geographo. Pertence ao systema carpetano-vetonico, e tem na sua maior altura 1800 pés, e cinco leguas de circumferencia: corre entre as duas villas de Cintra e Collares pela parte do Norte, e a de Cascaes e seu termo pelo Meio-dia,

Em frente deste promontorio situa Ptolomeu huma ilha chamada Londobris, para onde se retirárão os Lusitanos depois de desalojados dos montes Herminics, onde forão finalmente vencidos por Cesar. Alli se defenderão tão encarniçadamente os nossos, attacando com tal impeto os seus adversarios, que ficarão estes todos mortos no campo, á excepção de Publio Scevola, que perdido o escudo e cuberto de feridas se deitou a nado, conseguindo por este modo chegar a terra firme.

Refere Damião de Goes que hum Fernão Alvares, Escrivão da Casa da India, lhe contára que pescando hum homem á canna nesta rocha, e lançando para traz de si, em hum pequeno areal, o peixe que pescava, o qual deixava a maré vazia descuberto entre os penedos, e examinando huma vez a quantidade que tinha pescado, viu que hum mancebo nú e desbarbado lho lançava ao mar, e entendendo ser algum nadador que lhe fazia aquella travessura, o quiz reprehender pedindo os peixes, e a resposta foi lançar-se ao mar, sem que mais apparecesse. Já Plinio tinha feito menção de hum Tritão e huma Nereida, que no tempo de Tiberio apparecêrão nas nossas praias, exhalando esta, no momento da sua morte, gemidos e suspiros que se ouvirão ao longe. Phenomeno que pela sua novidade pareceu aos nossos Lusitanos digno de se participar ao Imperador, para o que lhe mandárão huma solemne embaixada das pessoas mais qualificadas da terra.

A antiguidade desta villa parece ser mui grande, pois que no tempo dos Romanos era comprehendida nos campos Olisiponenses, e por isso gosava dos direitos do municipio romano collectivamente com os moradores da cidade de Lisboa, unica cidade da Lusitania que, segundo Plinio, gosava deste privilegio.

Passou do dominio destes ao dos povos do Norte, que no seculo 5.o alagárão as provincias de Hespanha, até que na fatal batalha de Gua

delete, perdendo El-Rei D. Rodrigo a Corôa, foi a Lusitania invadida do enxame de Mouros que a sensual culpa do rei Godo chamou á sua patria, e que, conforme Manuel de Faria e Soutanto trabalho e cinco mil batalhas custárão aos povos da Hespanha para os expulsar do seu solo.

sa,

Parece ter sido tomada e retomada varias vezes, durante o dominio dos Mouros, por D. Fernando o Magno, como assevera Fr. João Gil, dizendo: Que D. Fernando, pai d'ElRei, que ganhou a Toledo, tomou Coimbra, Lisboa, Santarem, Evora, e Cintra. Não sei com que fundamento o certifica; póde ser que possuisse alguma chronica, que hoje não exista, que dissesse ter aquelle Rei tomado aquellas cidades e villas; porém se a tomou foi novamente perdida, e recuperada por D. Affonso 6.o, não por combate, segundo a Monarchia Lusitana, mas porque os povos se lhe entregárão temendo as suas armas, e ficando por seus tributarios.

Rebellárão-se de novo os Mouros no governo do Conde D. Henrique, e posto que o Conde de novo recuperou a villa, não se pôde sustentar. Faz menção a Historia dos Godos desta rebellião, e tomada de Cintra, com estas palavras: «Et paulo post primo sequente circiter anno cum Cintra defecisset, audita morte regis Alfonsi, recuperata est a comite Henrico regis genero et patri Alfonsi primi regis Portugaliæ. »

Isto he, pouco depois da morte de El-Rei D. Affonso, no seguinte reinado, como Cintra se rebellasse, sabida a morte d'El-Rei, foi recuperada pelo Conde D. Henrique seu genro, e pai de D. Affonso, primeiro Rei de Portugal.

Estava Cintra, posto que á obediencia do Conde D. Henrique, povoada de Mouros, os quaes pagavão tributo, do tempo que El-Rei D. Affonso 6.° sugeitára aquella praça. Usava-se deste estilo nas terras conquistadas, porquanto faltava gente para as povoaçoens, e soldados para as defenderem, e daqui nasceu ganharemse, e em pouco tempo perderem-se as terras, como esta villa. Por isso se rebellárão os povos de Cintra nesta occasião, e o tornárão a repetir pouco depois, até que foi de todo conquistada por El-Rei D. Affonso Henriques, como conta a citada Chronica dos Godos no anno de 1147. Era 1185 capitur Santarena 8 idibus Majj, eodem anno capitur Olisipo, Octobri mense, feria sexta meridiano tempore, post quinque menses obsidionis. Per idem tempus cepit Cintra, Almada, Palmela. Na era de 1185 se tomou Santarem aos 8 de Maio; no anno seguinte se ganhou tambem Lisboa no mez de Outubro, Sexta feira ao meio dia, passados cinco mezes de cerco; neste mesmo tempo se conquistou Cintra, Almada, e Palmela.

Alguns pertendem que El-Rei D. Affonso Henriques ganhára Cintra antes da tomada de Lisboa, e dizem os que seguem esta opinião,

fundados em huma Memoria antiga que existe na Torre do Tombo, que estando El-Rei naquelle Castello consultando o modo como havia de tomar a cidade de Lisboa, cuja conquista tinha em peito, dilatando a vista pelo Occeano, cujas aguas banhão as faldas daquella serra, viu pelo mar vir huma grande armada de cento e cincoenta vellas, que demandavão terra junto á rocha de Cintra. Por este motivo lhe mandou quatro Cavalleiros a saber que gente erão, e sendo informado que erão de Alemanha, França, Inglaterra, e Estados de Flandres, que se tinhão ajuntado para servir na defeza da Fé contra os infieis, e que hião seu caminho para a guerra do Ultramár, lhe mandou recado, que, se a tenção que trazião era guerrear contra infieis, que em nenhum tempo e logar o podião melhor executar, ajudando-o na empreza que meditava da conquista de Lisboa. Concertárão-se os Cruzados com El-Rei, e Lisboa foi tomada a 20 de Outubro de 1147.

Outros, a cujo parecer me encosto, são de huma opinião contraria, e julgo que com algum fundamento. ¿Que vantagem tirava D. Affonso da simples acquisição desta villa? Não era a conquista de Cintra huma consequencia da de Lisboa? Era acaso de prudente capitão gastar gente em huma posição que a natureza tomou a seu cargo defender? Em que a fragosidade, e aspereza do logar defendido por poucos, era bastante para embotar o valor dos seus soldados?

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