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uso, que se vai perdendo; André de Resende, Gaspar Estaço, Duarte Nunes de Leão, entre outros, investigárão as antiguidades da sua patria, que nos deixárão transmittidas. A Academia de Historia Portugueza, organisada debaixo da protecção d'El-Rei D. João 5.o, trabalhou muito, ainda que sem gosto, para huma chorographia do paiz: a das Sciencias, dando por programma a descripção topographica de huma comarca, cidade, ou villa do reino, promettia dar-nos huma Historia Estatistica mais bem organisada; porém, forçoso he confessa-lo, he lastima que esta assembléa de litteratos parasse em huma carreira, que tinha com tanta gloria encetado.

De Cintra, deste paiz encantador, não ha huma descripção: debalde o estrangeiro pede hum guia para o iniciar nas bellezas de seus arredores, na origem de seus monumentos, neste paiz das fadas, de que podemos dizer com Claudiano, que não ha hum rochedo que não tenha hum nome (nullum est sine nomine saxum). Com vergonha o dizemos, elle não encontra mais que o estupido burriqueiro, que n'huma linguagem rude apenas lhe sabe dizer os nomes dos logares que visita.

Não tem faltado comtudo a Cintra poetas que tenhão levado o seu nome á posteridade; Camoens aqui modulou alguns dos seus versos os mais melodiosos; a celebre Luiza Segêa escreveu hum poema na lingua latina que offere

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ceu ao Papa Paulo 3.o; o tétrico Byron não pôde ser indifferente a tão sublime variedade de bellezas; a sua musa arrebatada lançou flores, ainda que com espinhos, sobre este novo paraiso; o auctor do Camoens immortalisou em lindos versos a mysteriosa habitação da lua. Faltava quem methodicamente lhe descrevesse as bellezas huma descripção existia desta serra, escripta no anno de 1748, por Francisco d'Almeida Jordão; porém essa não a podémos ver pela sua raridade, apezar das nossas mais constantes investigaçoens: o Visconde de Balsemão se dispunha a dar ao publico huma Memoria desta villa; como porém não sahisse á luz a reputâmos como se não existira: Ricardo Raymundo Nogueira escreveu huma succinta descripção em verso; porém he obra mui mesquinha hum homem de tantos talentos, e que nada satisfaz.

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Conhecendo desde a infancia este sitio moveu-nos o desejo de lhe revelar as bellezas: tinhamos recolhido algumas clarezas para uso proprio, pouco a pouco fomos descubrindo manuscriptos e memorias pouco conhecidas: lembrounos que, se coordenassemos hum trabalho destes elementos, podia servir como de guia de viajante ao estrangeiro, que visitasse esta parte romantica do nosso paiz, ou antes ao Portuguez, algumas vezes mais hospede das cousas patrias do que o mesmo estrangeiro. Além dos livros que consultámos visitámos minuciosamente os loga

res que descrevemos, procurámos esclarecimentos de algumas pessoas que os podião ministrar, buscámos, em fim, tudo quanto estava ao nosso alcance para fazer este trabalho regular e exacto, qual o permittião os nossos fracos meios e a deficiencia de materiaes: era nosso proposito dar mais extensão a esta obra; varias circumstancias, com tudo, nos obrigárão a reduzi-la á fórma porque vai estampada.

Desejariamos satisfazer plenamente os nossos leitores, dando-lhe noticia a mais antiga e detalhada desta villa; porém a ignorancia dos primeiros povos que habitárão o nosso solo nos tolhe de preencher este empenho.

Poucas memorias nos ficárão dos Romanos 9 pelo excessivo orgulho com que olhavão todos os outros povos da terra; aproveitâmos todavia essas que nos ficárão, assim como aquellas que a terra por algum tempo occultou no seu seio.

Os Godos, como he bem notorio, escrevêrão mais com a espada do que com a penna: exemplo que seguírão os Arabes primitivos, chegando a tanto excesso a sua ignorancia no primeiro periodo do seu dominio, que sepultárão nos alicerces e muralhas de suas fortificaçoens esses arremedos que conservavamos da grandeza romana. Do Nubiense nada pudémos colher mais do que conservar esta villa o mesmo nome (Sentra ou Chentra) no tempo do seu dominio: quando começavão a amar as sciencias sobreveio a reacção dos christãos.

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Então começou essa renhida luta, que abarcou o reinado de nossos primeiros reis, tão gloriosa para as nossas armas, mas por isso mesmo tão esteril para as sciencias. Por toda a parte retinião armas, tudo respirava guerra, apenas hum ou outro monge retirado no claustro se occupava naquellas taes ou quaes sciencias que a rudeza dos tempos permittia, e conservava com cuidadoso recato as doaçoens que a piedade dos Soberanos outorgára aos seus mosteiros, documentos preciosos donde derivamos não pequena parte da nossa Memoria.

Do que fica dito o leitor verá, que destituidos quasi de memorias de tempos tão antigos, escrevendo da villa de Cintra, aliàs antiquissima, pouco podemos dizer de huma epocha tão remota. Se quizessemos conjecturar podiamos acreditar com o auctor da Corographia Portugueza ter sido habitação dos Gregos e dos Turdulos; se quizessemos fabulizar a julgariamos valhacouto dos mysteriosos amores da casta Diana com o seu Endymião, mas amigos da verdade nos limitaremos áquellas Memorias que nos ficárão escriptas.

A cinco leguas a Oes-Noroeste da cidade. de Lisboa, em hum terreno pouco plano, posto que aprasivel, está situada esta romantica serra, tão decantada pela belleza de seus bosques, e amenidade do seu clima. Prolonga-se até ao mar, onde termina, no Cabo da Roca, ou Rocha de Cintra, que os antigos geographos

apelidárão de varios nomes. Promontorio Magno, Olisiponense, Artabro, cujos moradores, segundo diz Silio Italico, acompanharão Annibal nas suas victorias de Trasimeno e Cannas.

Jamque Ebussius Phenicia movit Artabrus arma. Tagro reputão alguns ter-lhe chamado Varrão, quando fallando das eguas que na antiga Lusitania concebião do vento, diz: «Que era cousa incrivel, porém verdadeira, que na antiga Lusitania, junto ao Occeano, naquella parte onde está situada Lisboa, no monte Tagro, concebem algumas eguas do vento em certo tempo. Porém julgo que com errado fundamento, tomando o Monte-Junto pela Serra de Cintra. Hierna lhe chamou Strabão. Finalmente Cynthio, ou Promontorio da Lua, pelo templo que embaixo na praia, junto á rocha, se via, dedicado ao Sol e á Lua, como provão os cipos alli achados, que adiante mencionaremos, cujos letreiros e ruinas existião em tempo de André de Resende. Este mesmo nome conservava no principio do duodecimo seculo, como se deduz da Epistola de Hugo, bispo do Porto, o qual fallando das peregrinações de S. Pedro de Rates, diz: - Inde digressus Tyde Iriaque predicat et per totam maritimam oram ad promontorium usque Cynthium sive et Ulisseum. Donde disse o nosso poeta

E nas serras da Lua conhecidas
Subjuga a fria Cintra o duro braço,
Cintra, donde as Naiadas escondidas
Nas fontes vão fugindo ao duro laço.

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