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LXXXVII

Tomando-o pela mão, o leva, e guia
Para o cume d'hum monte alto e divino,
No qual hua rica fábrica se erguia
De crystal toda, e de ouro puro, e fino.
A maior parte aqui passam do dia
Em doces jogos, e em prazer contino:
Ella nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras entre as flores.

LXXXVIII

Assi a formosa, e a forte companhia
O dia quasi todo estão passando,
N'huma alma, doce, incognita alegria
Os trabalhos tão longos compensando:
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa o mundo está guardando
O premio lá no fim bem merecido
Com fama grande, e nome alto e subido;

LXXXIX

Que as nymphas do Oceano tão formosas,
Tethys, e a ilha angelica pintada,
Outra cousa não he, que as deleitosas
Honras, que a vida fazem sublimada:
Aquellas preeminencias gloriosas,
Os triumphos, a fronte coroada

qe palma e louro, a gloria e maravilha, Etess são os deleites desta ilha;

XC

Que as immortalidades, que fingia
A antiguidade, que os illustres ama,
Lá no estellante Olympo, a quem subia
Sobre as azas ínclytas da fama
Por obras valerosas, que fazia,
Pelo trabalho immenso, que se chama
Caminho da virtude alto e fragoso,
Mas no fim doce, alegre, e deleitoso;

XCI

Não eram senão premios, que reparte
Por feitos immortaes e soberanos

O mundo co'os barões, que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos;
Que Jupiter, Mercurio, Phebo, e Marte,
Eneas, e Quirino, e os dous Thebanos,
Ceres, Pallas, e Juno, com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.

XCII

Mas a fama, trombeta de obras tais,
Lhe deo no mundo nomes tão estranhos,
De Deoses, Semideoses immortais,
Indigetes, Heroicos, e de Magnos.
Por isso, ó vós, que as famas estimais,
Se quizerdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do somno do ocio ignavo,
Que o animo de livre faz escravo.

XCIII

E ponde na cubiça hum freio duro,
E na ambição tambem, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vicio da tyrannia infame, e urgente;
Porque essas honras vaas, esse ouro puro
Verdadeiro valor não dão á gente:
Melhor he merecel-os, sem os ter,
Que possuil-os, sem os merecer.

XCIV

Ou dai na paz as leis iguaes, constantes,
Que aos grandes não dem o dos pequenos,
Ou vos vesti nas armas rutilantes
Contra a lei dos imigos Sarracenos:
Fareis os reinos grandes e possantes,
E todos tereis mais, e nenhum menos,
Possuireis riquezas merecidas,

Com as honras, que illustram tanto as vidas.

XCV

E fareis claro o Rei, que tanto amais,
Agora co'os conselhos bem cuidados,
Agora co'as espadas, que immortais
Vos farão, como os vossos já passados:
Impossibilidades não façais;

Que, quem quiz, sempre pôde: e numerados
Sereis entre os Heroes esclarecidos,

E nesta ilha de Venus recebidos.

OS LUSIADAS

CANTO DECIMO

ARGUMENTO

Convite de Tethys aos navegantes: canção prophetica da Sirena, em que toca as principacs façanhas, e conquistas dos Vice-Reis, dos Governadores, e Capitães Portuguezes na India, até D. João de Castro: sobe Tethys com o Gama a hum monte, desde o qual the mostra a Esphera celeste, e terrestre: descripção do Orbe, especialmente da Asia, e Africa: sahem da Ilha os navegantes, e seguindo a sua viagem chegão felizmente a Lisboa.

OUTRO ARGUMENTO

Ás mesas de vivificos manjares,
Com as nymphas os Lusos valerosos,
Ouvem de seus vindouros singulares
Façanhas, em accentos numerosos:
Mostra-lhes Tethys tudo quanto os mares,
E quanto os ceos rodeam luminosos,
A pequeno volume reduzido,

E torna a frota ao Tejo tão querido.

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