Tomando-o pela mão, o leva, e guia Para o cume d'hum monte alto e divino, No qual hua rica fábrica se erguia De crystal toda, e de ouro puro, e fino. A maior parte aqui passam do dia Em doces jogos, e em prazer contino: Ella nos paços logra seus amores, As outras pelas sombras entre as flores.
Assi a formosa, e a forte companhia O dia quasi todo estão passando, N'huma alma, doce, incognita alegria Os trabalhos tão longos compensando: Porque dos feitos grandes, da ousadia Forte e famosa o mundo está guardando O premio lá no fim bem merecido Com fama grande, e nome alto e subido;
Que as nymphas do Oceano tão formosas, Tethys, e a ilha angelica pintada, Outra cousa não he, que as deleitosas Honras, que a vida fazem sublimada: Aquellas preeminencias gloriosas, Os triumphos, a fronte coroada
qe palma e louro, a gloria e maravilha, Etess são os deleites desta ilha;
Que as immortalidades, que fingia A antiguidade, que os illustres ama, Lá no estellante Olympo, a quem subia Sobre as azas ínclytas da fama Por obras valerosas, que fazia, Pelo trabalho immenso, que se chama Caminho da virtude alto e fragoso, Mas no fim doce, alegre, e deleitoso;
Não eram senão premios, que reparte Por feitos immortaes e soberanos
O mundo co'os barões, que esforço e arte Divinos os fizeram, sendo humanos; Que Jupiter, Mercurio, Phebo, e Marte, Eneas, e Quirino, e os dous Thebanos, Ceres, Pallas, e Juno, com Diana, Todos foram de fraca carne humana.
Mas a fama, trombeta de obras tais, Lhe deo no mundo nomes tão estranhos, De Deoses, Semideoses immortais, Indigetes, Heroicos, e de Magnos. Por isso, ó vós, que as famas estimais, Se quizerdes no mundo ser tamanhos, Despertai já do somno do ocio ignavo, Que o animo de livre faz escravo.
E ponde na cubiça hum freio duro, E na ambição tambem, que indignamente Tomais mil vezes, e no torpe e escuro Vicio da tyrannia infame, e urgente; Porque essas honras vaas, esse ouro puro Verdadeiro valor não dão á gente: Melhor he merecel-os, sem os ter, Que possuil-os, sem os merecer.
Ou dai na paz as leis iguaes, constantes, Que aos grandes não dem o dos pequenos, Ou vos vesti nas armas rutilantes Contra a lei dos imigos Sarracenos: Fareis os reinos grandes e possantes, E todos tereis mais, e nenhum menos, Possuireis riquezas merecidas,
Com as honras, que illustram tanto as vidas.
E fareis claro o Rei, que tanto amais, Agora co'os conselhos bem cuidados, Agora co'as espadas, que immortais Vos farão, como os vossos já passados: Impossibilidades não façais;
Que, quem quiz, sempre pôde: e numerados Sereis entre os Heroes esclarecidos,
E nesta ilha de Venus recebidos.
Convite de Tethys aos navegantes: canção prophetica da Sirena, em que toca as principacs façanhas, e conquistas dos Vice-Reis, dos Governadores, e Capitães Portuguezes na India, até D. João de Castro: sobe Tethys com o Gama a hum monte, desde o qual the mostra a Esphera celeste, e terrestre: descripção do Orbe, especialmente da Asia, e Africa: sahem da Ilha os navegantes, e seguindo a sua viagem chegão felizmente a Lisboa.
Ás mesas de vivificos manjares, Com as nymphas os Lusos valerosos, Ouvem de seus vindouros singulares Façanhas, em accentos numerosos: Mostra-lhes Tethys tudo quanto os mares, E quanto os ceos rodeam luminosos, A pequeno volume reduzido,
E torna a frota ao Tejo tão querido.
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