Mas já o claro amador da Larissea Adúltera inclinava os animaes Lá para o grande lago, que rodea Temistitão nos fins Occidentaes:
O grande ardor do Sol Favonio enfrea Co'o sôpro, que nos tanques naturaes Encrespa a agua serena, e despertava Os lirios e jasmins, que a calma aggrava
Quando as formosas nymphas, co'os amantes Pela mão já conformes e contents, Subiam para os paços radiantes, E de metaes ornados reluzentes, Mandados da Rainha, que abundantes Mesas d'altos manjares excellentes Lhe tinha apparelhadas, que a fraqueza Restaurem da cansada natureza.
Alli em cadeiras ricas, crystallinas Se assentam dous e dous, amante, e dama : N'outras á cabeceira, d'ouro finas, Está co'a bella déosa o claro Gama De iguarias suaves e divinas,
A quem não chega a Egypcia antigua fama, Se accumulam os pratos de fulvo ouro, Trazidos lá do Atlantico thesouro.
Os vinhos odoriferos, que acima Estão, não só do Italico Falerno, Mas da Ambrósia, que Jove tanto estima, Com todo o ajuntamento sempiterno, Nos vasos, onde em vão trabalha a lima, Crespas escumas erguem, que no interno Coração movem subita alegria, Saltando co'a mistura d'agua fria.
Mil praticas alegres se tocavam, Risos doces, subtis, e argútos ditos, Que entre hum, e outro manjar se alevantavam, Despertando os alegres appetitos:
Musicos instrumentos não faltavam,
Quaes no profundo reino os nus espritos Fizeram descansar da eterna pena,
C'huma voz d'uma angelica Sirena.
Cantava a bella nympha, e co'os accentos, Que pelos altos paços vão soando, Em consonancia igual os instrumentos Suaves vem a hum tempo conformando: Hum subito silencio enfrea os ventos, E faz ir docemente murmurando As aguas, e nas casas naturaes Adormecer os brutos animaes.
Com doce voz está subindo ao ceo Altos barões, que estão por vir ao mundo, Cujas claras ideas vio Proteo
N'um globo vão, diáphano, rotundo; Que Jupiter em dom lho concedeo Em sonhos, e despois no reino fundo Vaticinando o disse, e na memoria Recolheo logo a nympha a clara historia.
Materia he de cothurno, e não de socco, A, que a nympha aprendeo no immenso lago, Qual Iopas não soube, ou Demodoco, Entre os Pheaces hum, outro em Carthago. Aqui, minha Calliope, te invoco
Neste trabalho extremo; porque em pago Me tornes, do que escrevo, e em vão pretendo, O gosto de escrever, que vou perdendo.
Vão os annos descendo, e já do estio pouco que passar até o outono: A fortuna me faz o engenho frio,
Do qual jà não me jacto, nem me abono: Os desgostos me vão levando ao rio. Do negro esquecimento, e eterno sono: Mas, tu me dá, que cumpra, ó grão Rainha Das Musas, co'o que quero á nação minha!
Cantava a bella deosa, que viriam Do Tejo pelo mar, que o Gama abrira, Armadas, que as ribeiras venceriam, Por onde o Oceano Indico suspira: E que os gentios Reis, que não dariam A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira Provariam do braço duro e forte, Até render-se a elle, ou logo á morte:
Cantava d'hum, que tem nos Malabares Do summo sacerdocio a dignidade, Que, só por não quebrar co'os singulares Barões os nós, que dera, d'amizade, Soffrerá suas cidades, e lugares, Com ferro, incendios, ira, e crueldade, Vêr destruir do Samorim potente, Que taes odios terá co'a nova gente.
E canta, como lá se embarcaria Em Belem o remedio d'este dano, Sem saber o que em si ao mar traria, O grão Pacheco, Achilles Lusitano: O pezo sentirão, quando entraria, O curvo lenho, e o férvido Oceano, Quando mais n'agua os troncos, que gemerem, Contra sua natureza se metterem.
Mas já chegado aos fins Orientaes, E deixado em ajuda do gentio Rei de Cochim com poucos naturaes Nos braços do salgado e curvo rio, Desbaratará os Naires infernaes No passo Cambalão, tornando frio De espanto o ardor immenso do Oriente, Que verá tanto obrar tão pouca gente.
Chamará o Samorim mais gente nova: Virão Reis de Bipur, e de Tanor, Das serras de Narsinga, que alta Estarão promettendo a seu senhor:
Fará, que todo o Naire em fim se mova, Que entre Calecut jaz, e Cananor, D'ambas as leis imigas, para a guerra, Mouros por mar, Gentios pela terra.
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