O recado, que trazem, he de amigos, Mas debaixo o veneno vem coberto; Que os pensamentos eram de inimigos, Segundo foi o engano descoberto. Oh grandes, e gravissimos perigos! Oh caminho de vida nunca certo! Que, aonde a gente põe sua esperança, Tenha a vida tão pouca segurança !
No mar tanta tormenta, e tanto dano, Tantas vezes a morte apercebida! Na terra tanta guerra, tanto engano, Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se hum fraco humano, Onde terá segura a curta vida?
Que não se arme, e se indigne o Ceo sereno Contra hum bicho da terra tão pequeno?
Instigado do demonio pretende El-rei de Mombaça destruir os navegantes: dispõe-lhes _traições sob capa de fingida amizade: apparece Venus a Jupiter, e intercede pelos Portuguezes: elle lhe promette favorecel-os, e lhe refere, como em prophecia, algumas façanhas dos mesmos no Oriente: em sonhos apparece Mercurio ao Gama, e lhe adverte, que evite o perigo de Mombaça: levão ancoras; chega a Melinde, cujo Rei o recebe e lhe dá benigna hospedagem.
Dar El-Rei de Mombaça o fim prepara Ao Gama illustre, com mortal engano: Desce Venus ao mar, a frota ampara, E a fallar sobe ao Padre soberano: Jove os casos futuros lhe declara: Apparece Mercurio ao Lusitano:
Chega a frota a Melinde, e o Rei potente Em seu porto a recebe alegremente.
Já neste tempo o lucido planeta, Que as horas vai do dia distinguindo, Chegava á desejada e lenta meta, A luz celeste ás gentes encobrindo, E da casa maritima secreta
Lhe estava o deos nocturno a porta abrindo; Quando as infidas gentes se chegaram A's naos, que pouco. havia que ancoraram.
D'entre elles hum, que traz encommendado O mortifero engano, assi dizia:
Ca itão valeroso, que cortado
Te s de Neptuno o reino, e salsa via, O Rei, que manda esta ilha, alvoroçado Da vinda tua, tem tanta alegria, Que não deseja mais, que agasalhar-te, Ver-te, e do necessario reformar-te.
E, porque está em extremo desejoso De te ver, como cousa nomeada, Te roga que, de nada receoso, Entres a barra tu, com toda armada: E porque do caminho trabalhoso Trarás a gente debil, e cansada, Diz, que na terra podes reformal-a; Que a natureza obriga a desejal-a.
E, se buscando vás mercadoria, Que produze o aurifero Levante, Canella, cravo, ardente especiaria, Ou droga salutifera, e prestante: Ou se queres luzente pedraria, O rubi fino, o rigido dian ante: Daqui levarás tudo tão sobejo, Com que faças o fim a teu desejo.
Ao mensageiro o Capitão responde, As palavras do Rei agradecendo: E diz que, porque o Sol no mar se esconde, Não entra para dentro, obedecendo: Porem que, como a luz mostrar por onde Vá sem perigo a frota, não temendo, Cumprirá sem receio seu mandado; Que a mais por tal senhor está obrigado.
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