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CV

O recado, que trazem, he de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Oh grandes, e gravissimos perigos!
Oh caminho de vida nunca certo!
Que, aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança !

CVI

No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!

Onde pode acolher-se hum fraco humano,
Onde terá segura a curta vida?

Que não se arme, e se indigne o Ceo sereno Contra hum bicho da terra tão pequeno?

OS LUSIADAS

CANTO SEGUNDO

ARGUMENTO

Instigado do demonio pretende El-rei de Mombaça destruir os navegantes: dispõe-lhes _traições sob capa de fingida amizade: apparece Venus a Jupiter, e intercede pelos Portuguezes: elle lhe promette favorecel-os, e lhe refere, como em prophecia, algumas façanhas dos mesmos no Oriente: em sonhos apparece Mercurio ao Gama, e lhe adverte, que evite o perigo de Mombaça: levão ancoras; chega a Melinde, cujo Rei o recebe e lhe dá benigna hospedagem.

OUTRO ARGUMENTO

Dar El-Rei de Mombaça o fim prepara
Ao Gama illustre, com mortal engano:
Desce Venus ao mar, a frota ampara,
E a fallar sobe ao Padre soberano:
Jove os casos futuros lhe declara:
Apparece Mercurio ao Lusitano:

Chega a frota a Melinde, e o Rei potente
Em seu porto a recebe alegremente.

OS LUSIADAS

CANTO SEGUNDO

Já neste tempo o lucido planeta,
Que as horas vai do dia distinguindo,
Chegava á desejada e lenta meta,
A luz celeste ás gentes encobrindo,
E da casa maritima secreta

Lhe estava o deos nocturno a porta abrindo;
Quando as infidas gentes se chegaram
A's naos, que pouco. havia que ancoraram.

II

D'entre elles hum, que traz encommendado O mortifero engano, assi dizia:

Ca itão valeroso, que cortado

Te s de Neptuno o reino, e salsa via,
O Rei, que manda esta ilha, alvoroçado
Da vinda tua, tem tanta alegria,
Que não deseja mais, que agasalhar-te,
Ver-te, e do necessario reformar-te.

III

E, porque está em extremo desejoso
De te ver, como cousa nomeada,
Te roga que, de nada receoso,
Entres a barra tu, com toda armada:
E porque do caminho trabalhoso
Trarás a gente debil, e cansada,
Diz, que na terra podes reformal-a;
Que a natureza obriga a desejal-a.

IV

E, se buscando vás mercadoria,
Que produze o aurifero Levante,
Canella, cravo, ardente especiaria,
Ou droga salutifera, e prestante:
Ou se queres luzente pedraria,
O rubi fino, o rigido dian ante:
Daqui levarás tudo tão sobejo,
Com que faças o fim a teu desejo.

V

Ao mensageiro o Capitão responde,
As palavras do Rei agradecendo:
E diz que, porque o Sol no mar se esconde,
Não entra para dentro, obedecendo:
Porem que, como a luz mostrar por onde
Vá sem perigo a frota, não temendo,
Cumprirá sem receio seu mandado;
Que a mais por tal senhor está obrigado.

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