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XCVI

Com hum redondo amparo alto de seda,
N'huma alta e dourada hastea enxerido,
Hum ministro á solar quentura veda,
Que não offenda, e queime o Rei subido.
Musica traz na prôa, estranha e leda,
De aspero som, horrissimo ao ouvido,
De trombetas arcadas em redondo,
Que sem concerto fazem rudo estrondo.

XCVII

Não menos guarnecido o Lusitano.
Nos seus bateis da frota se partia,
A receber no mar o Melindano,
Com lustrosa e honrada companhia :
Vestido o Gama vem ao modo Hispano
(Mas Franceza era a roupa, que vestia)
De setim da Adriatica Veneza
Carmesi, côr que a gente tanto preza:

XCVIII

De botões d'ouro as mangas vem tomadas,
Onde o Sol reluzindo a vista cega:
As calças soldadescas recamadas
Do metal, que fortuna a tantos nega:
E com pontas do mesmo delicadas
Os golpes do gibão ajunta, e achega:
Ao Italico modo a aurea espada:
Pluma na gôrra, hum pouco declinada.

XCIX

Nos de sua companhia se mostrava
Da tinta, que dá o murice excellente,
A varia côr, que os olhos alegrava,
E a maneira do trajo differente.
Tal o formoso esmalte se notava
Dos vestidos olhados juntamente,
Qual apparece o arco rutilante
Da bella nympha, filha de Thaumante.

C

Sonorosas trombetas incitavam
Os animos alegres, resoando:

Dos mouros os bateis o mar coalhavam,
Os tôldos pelas aguas arrojando:
As bombardas horrisonas bramavam,
Com as nuvens de fumo o Sol tomando,
Amiudam-se os brados accendidos,
Tapam co'as mãos os Mouros os ouvidos.

CI

Já no batel entrou do Capitão
O Rei, que nos seus braços o levava :
Elle co'a cortezia, que a razão
(Por ser Rei) requeria, lhe fallava.
C'humas mostras de espanto, e admiração,
O Mouro o gesto, e o modo lhe notava,
Como quem em mui grande estima tinha
Gente, que de tão longe á India vinha.

CII

E com grandes palavras lhe offerece
Tudo o, que de seus reinos lhe cumprisse,
E que, se mantimento lhe fallece,
Como se proprio fosse, lho pedisse:
Diz-lhe mais, que por fama bem conhece
A gente Lusitana, sem que a visse:
Que já ouvio dizer, que noutra terra
Com gente de sua lei tivesse guerra.

CIII

E, como por toda Africa se soa,
Lhe diz os grandes feitos, que fizeram,
Quando n'ella ganharam a coroa
Do reino, onde as Hesperidas viveram :
E com muitas palavras apregoa
O menos, que os de Luso mereceram,
E o mais, que pela fama o Rei sabia:
Mas desta sorte o Gama respondia.

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CIV

tu, que só tiveste piedade,
Rei benigno, da gente Lusitana,
Que com tanta miseria, e adversidade
Dos mares exprimenta a furia insana;
Aquella alta, e divina Eternidade,

Que o ceo revolve, e rege a gente humana;
Pois que de ti taes obras recebemos,
Te pague o, que nós outros não podemos.

CV

Tu só, de todos, quantos queima Apollo,
Nos recebes em paz, do uar profundo:
Em ti dos ventos horridos de Eolo
Refugio achâmos bom, fido, e jucundo:
Em quanto apascentar o largo polo
As estrellas, e o Sol der lume ao mundo,
Onde quer que eu viver, com fama e gloria
Viverão teus louvores em memoria.

CVI

Isto dizendo, os barcos vão remando
Para a frota, que o Mouro ver deseja :
Vão as naos huma e hu na rodeando;
Porque de todas tudo note, e veja:
Mas para o ceo Vulcano fuzilando,
A frota co'as bombardas o festeja,
E as trombetas canoras lhe tangiam,
Co'os anafis os Mouros respondiam.

CVII

Mas, depois de ser tudo já notado
Do generoso Mouro, que pasmava,
Ouvindo o instrumento inusitado,
Que tamanho terror em si mostrava;
Mandava estar quieto, e ancorado
N'agua o batel ligeiro, que os levava;
Por fallar de vagar co'o forte Gama
Nas cousas, de que tem noticia, e fama.

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CVIII

Em praticas o Mouro differentes
Se deleitava, perguntando agora
Pelas guerras famosas e excellentes
Co'o povo havidas, que a Mafoma adora:
Agora lhe pergunta pelas gentes
De toda a Hesperia ultima, onde mora:
Agora pelos povos seus visinhos,
Agora pelos humidos caminhos.

CIX

Mas antes, valeroso Capitão,
Nos conta, lhe dizia, diligente
Da terra tua o clima, e região

Do Mundo, onde morais, distinctamente;
E assi de vossa antigua geração,
E o principio do reino tão potente,
Co'os successos das guerras do começo;
Que, sem sabel-as, sei que são de preço:

CX

E assi tambem nos conta dos rodeios
Longos, om que te traz o mar irado,
Vendo os costumes barbaros alheios,
Que a nossa Africa ruda tem criado:
Conta; que agora vem co'os aureos freios
Os cavallos, que o carro marchetado

Do novo Sol, da fria Aurora trazem;
O vento dorme, o mar, e as ondas jazem.

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