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vedado; pelo que lhe rogamos queira acceitar este público testimunho da nossa gratidão.

Das obras do nosso poeta se fizerão, como dissemos, duas edições, ambas posthumas. A primeira foi feita em Lisboa na Imprensa de João Alvares, em 1562, fol., com o titulo seguinte: Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente, a qual se reparte em cinco livros. 0 primeiro he de todas suas obras de devaçam. O segundo as Comedias. O terceiro as Tragicomedias. O quarto as Farças. No quinto as obras meudas. O editor foi Luiz Vicente, filho do poeta, que nos diz que seu pae as andava ordenando para as dar á estampa, quando a morte o arrebatou em meio de sua tarefa. O alvará de privilegio, comtudo, foi concedido a Paula Vicente, igualmente filha do poeta, em 1561. Esta edição impressa com caracteres gothicos, á excepção dos argumentos, que são impressos em letra romana, argue incuria e pouco esmero do impressor, não so pelos erros typographicos de que abunda, mas pela frequente falta de espaços entre as palavras, o que muitas vezes offerece serios obstaculos á intelligencia do texto. Algumas gravuras em pau que adornão esta edição, não são inteiramente destituidas de merito e de interesse para a historia desta arte entre nós. A 2a edição foi igualmente feita em Lisboa na imprensa de André Lobato, 1585, 4 com o mesmo titulo da precedente, augmentado com a ominosa observação: Vam emendadas pelo Sancto Officio, como se manda

no Cathalogo deste Regno. O merecimento desta edição é infinitamente inferior ao da 1a Pois achando-se nella reproduzidos todos os erros typographicos e indecentes chocarrices da primeira, bem se póde conjecturar que qualidade de emendas temos a esperar do gosto e litteratura daquelle pio tribunal. Versos omittidos, outros rediculamente em todo ou em parte alterados, coplas cortadas, e finalmente paginas inteiras a eito supprimidas, E estes lugares mutilados, como é de suppor, não são dos menos interessantes de Gil Vicente. Como poderia, por exemplo, um inquisidor que aspirasse a bispar, ler sem se alterar, e sem fulminar immediatamente o formidavel veto a similhantes passagens:

E a gente religiosa

Mandae-lhes velas bispaes,

A cera de renda grossa,
Os pavios de casaes,

E logo não porão grosa.

Fecharemos estas noticias bibliographicas com advertir que ultimamente sahirão impressos alguns autos e comedias castelhanas do nosso poeta na interessante collecção intitulada: Teatro Español anterior á Lope de Vega. Gotha, 1833.

Em quanto ao plano que seguimos na presente edição, depois de devida reflexão, adoptamos o seguinte, que esperamos mereça a approvação do publico litterario. Corrigimos todo o logar onde nos parecco manifesto o erro typographico, sem nos deixarmos acanhar pela

cega predilecção que tanto voga entre nós pelas antigas edições, (*) (superstição que o atrazamento em que a arte typographica se achava então em Portugal, de maneira alguma authoriza) que faz com que muitos tenhão pelos logares claramente corrompidos, a mesma veneração que a misterios que não podem comprehender. Emquanto á ortographia, assentamos aproximar-nos da moderna, nunca porém de maneira que a pronúncia soffresse alteração, dando uma voz moderna pela antiga. Conservamos pois sam e som por sou, devação por devoção, concrusão por conclusão e outras similhantes.

No fim do 3 vol. encontrará o leitor uma taboa glossaria mostrando a significação conjectural de alguns termos antiquados e rusticos, portuguezes e castelhanos, que se não encontrão nos melhores diccionarios das duas linguas.

Finalmente assentamos nada omittir do que se achava impresso na 1a ed. E nesta parte não dissimularemos as objeções que contra si tem este systhema. Bem sentimos que nas obras do nosso poeta se encontrão passagens, que por ineptas e despidas de todo o

(*) Ainda não ha muito tempo appareceo em Lisboa uma edição da Peregrinação de Fernan Mendes Pinto, em que o editor se preza de ter seguido o texto da 12, regeitando a segunda, aindaque correcta e augmentada pelo Autor. Mas que muito, se a sumptuosa edição dos Lusiadas de Paris 1817, resuscitou e conservou como bellezas poeticas, os erros da corregidos por Camões na 2a !

alento poetico, que em outras partes o autor mostrou possuir em eminente grau, são summamente fastidiosas á leitura e prejudiciaes em certo modo á reputação do nosso poeta. Mas outras principalmente, por sua indecencia e por peccarem contra as leis do decoro, não estão em harmonia com os costumes e civilização do nosso seculo, supposto que aquellas indecentes bufonerias se representassem no Paço, muitas vezes na Igreja, e fizessem as delicias de duas brilhantes côrtes. Taes logares muitos estimarião ver inteiramente supprimidos ou modificados, e esse sería o nosso parecer, a não ser esta consideração. Obras como as de Gil Vicente (e assim é quasi todo o drama comico do seu tempo) não se imprimem hoje em dia com o mesmo fim que na epocha em que forão escriptas. Então Gil Vicente era lido, representava-se, gostava-se e talvez passagens bem reprehensiveis fossem as mais applaudidas; emfim depois de impresso, tornou-se propriedade do povo, que, nas horas de ocio, nelle achava um alegre passatempo e um rico thesouro de rifões e dictados para colorir e animar suas conversas, e que seus leitores de paes a filhos transmittirão á posteridade. Agora porém estas obras pertencem ao dominio da historia da historia da litteratura, dos costumes, e so nas mãos dos litteratos é que tem de andar. E quem não folgará de encontrar nestas antigualhas um painel verdadeiro dos tempos dos nossos maiores? O litterato passa por essas indecencias que encontra entre muita belleza verdadeira, e não culpa o

autor, que bem sabe defeito do seculo era e não seu; e he em similhantes quadros que o philosopho se apraz em contemplar as grandes revoluções que a civilização vai fazendo no modo de pensar e nos costumes dos homens. Assim preferimos olhar estas obras como um documento historico que se deve conservar intacto.

Emfim, julgamos ter feito um importante serviço á litteratura em geral, e em particular á Portugueza, restaurando as quasi perdidas obras de um de seus mais celebrados engenhos, satisfazendo tambem os desejos de muitos litteratos distinctos, tanto nacionaes como estrangeiros, e cumprindo o vaticinio de Garção, quando no seu drama intitulado O Theatro novo, assim apostrophava os manes dos nossos antigos poetas dramaticos:

Vós manes de Ferreira e de Miranda,

E tu, ó Gil Vicente, a quem as Musas
Embalárão o berço e te gravárão
Na honrada campa o nome de Terencio;
Esperae, esperae, qu'inda vingados
E soltos vos vereis do esquecimento.

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