sanish
Garcia
3-19-84
19384
Sôbolos rios que vão Por Babylonia, me achei, Onde sentado chorei As lembranças de Sião, E quanto nella passei. Alli o rio corrente De meus olhos foi manado; E tudo bem comparado, Babylonia ao mal presente, Sião ao tempo passado.
Alli lembranças contentes N'alma se representárão; E minhas cousas ausentes Se fizerão tão presentes, Como se nunca passárão. Alli, despois d'acordado, Co'o rosto banhado em ágoa, Deste sonho imaginado, Vi que todo o bem passado Não he gosto, mas he mágoa.
E vi que todos os danos Se causavão das mudanças, E as mudanças dos anos; Onde vi quantos enganos Faz o tempo ás esperanças. Alli vi o maior bem
Quão pouco espaço que dura; O mal quão depressa vem; E quão triste estado tem Quem se fia da ventura.
Vi aquillo que mais val Qu'então s'entende melhor, Quando mais perdido for: Vi ao bem succeder mal, E ao mal muito peor. E vi com muito trabalho Comprar arrependimento: Vi nenhum contentamento; E vejo-me a mi, qu'espalho Tristes palavras ao vento. Bem são rios estas ágoas Com que banho este papel: Bem parece ser cruel Variedade de mágoas, E confusão de Babel. Como homem, que por exemplo Dos trances em que se achou, Despois que a guerra deixou, Pelas paredes do templo Suas armas pendurou:
Assi, despois qu'assentei
Que tudo o tempo gastava, Da tristeza que tomei, Nos salgueiros pendurei Os orgãos com que cantava. Aquelle instrumento ledo Deixei da vida passada, Dizendo: Musica amada, Deixo-vos neste arvoredo Á memoria consagrada.
Frauta minha, que tangendo Os montes fazieis vir Par'onde estaveis, correndo; E as ágoas, que hião descendo, Tornavão logo a subir; Jamais vos não ouvirão Os tigres, que s'amansavão; E as ovelhas, que pastavão, Das hervas se fartarão, Que por vos ouvir deixavão.
Ja não fareis docemente Em rosas tornar abrolhos Na ribeira florecente; Nem poreis freio á corrente, E mais se for dos meus olhos. Não movereis a espessura, Nem podereis ja trazer Atraz vós a fonte pura; Pois não pudestes mover Desconcertos da ventura. Ficareis offerecida Á Fama, que sempre vela,
Frauta de mi tão querida; Porque mudando-se a vida, Se mudão os gostos della. Acha a tenra mocidade Prazeres accommodados; E logo a maior idade Ja sente por pouquidade Aquelles gostos passados. Hum gôsto, que hoje s'alcança, Á manhãa ja o não vejo: Assi nos traz a mudança D'esperança em esperança, E de desejo em desejo. Mas em vida tão escassa Qu'esperança será forte? Fraqueza da humana sorte, Que quanto da vida passa Está recitando a morte!
Mas deixar nesta espessura O canto da mocidade: Não cuide a gente futura Que será obra da idade O que he força da ventura. Qu'idade, tempo, e espanto De ver quão ligeiro passe, Nunca em mi puderão tanto, Que, postoque deixo o canto, A causa delle deixasse.
Mas em tristezas e nojos, Em gôsto e contentamento; Por sol, por neve, por vento,
Tendré presente á los ojos Por quien muero tan contento. Orgãos e frauta deixava, Despôjo meu tão querido, No salgueiro que alli 'stava, Que para tropheo ficava De quem me tinha vencido. Mas lembranças da affeição Que alli captivo me tinha, Me perguntárão então, Qu'era da musica minha, Que eu cantava em Sião? Que foi daquelle cantar, Das gentes tão celebrado? Porque o deixava de usar, Pois sempre ajuda a passar Qualquer trabalho passado? Canta o caminhante ledo No caminho trabalhoso Por entre o espêsso arvoredo; E de noite o temeroso Cantando refreia o medo. Canta o preso docemente, Os duros grilhões tocando; Canta o segador contente; E o trabalhador, cantando, O trabalho menos sente.
Eu qu'estas cousas senti N'alma de mágoas tão cheia, Como dirá, respondi, Quem alheio está de si
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