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S E X T I N A

III.

Oh triste, oh tenebroso, oh cruel dia,
Amanhecido só para meu damno!
Pudeste-me apartar daquella vista
Por quem vivia com meu mal contente?
Ah se o supremo fòras desta vida,
Qu'em ti se começára a minha glória!

Mas como eu não nasci para ter glória,
Senão pena que cresça cada dia,
O ceo m'está negando o fim da vida,
Porque não tenha fim com ella o damno:
Para que nunca possa ser contente,
Da vista me tirou aquella vista.

Suave, deleitosa, alegre vista,
Donde pendia toda a minha gloria,
Por quem na mor tristeza fui contente;
Quando será que veja aquelle dia
Em que deixe de ver tão grave damno,
E em que me deixe tão penosa vida?

Como desejarei humana vida,
Ausente d'hũa mais que humana vista,
Que tão glorioso me fazia o damno!
Vejo o meu damno sem a sua glória;
Á minha noite falta ja seu dia:
Triste tudo se vê, nada contente.

Pois sem ti ja não posso ser contentc,
Mal posso desejar sem ti a vida;
Sem ti ja ver não posso claro dia,

Não posso sem te ver desejar vista;
Na tua vista só se via a glória,

Não ver a glória tua he ver meu damno.
Não via maior glória que meu damno,
Qnando do damno meu eras contente:
Agora me he tormento a maior glória,
Que póde prometter-me Amor na vida,
Pois tornar-te não póde á minha vista,
Que só na tua achava a luz do dia.

E pois de dia em dia cresce o damno, Nem posso sem tal vista ser contente, Só com perder a vida acharei glória.

SEX TINA IV.

Sempre me queixarei desta crueza
Que Amor usou comigo quando o tempo,
A pezar de meu duro e triste fado,
A meus males queria dar remedio,
Em apartar de mi aquella vista,
Por quem me contentava a triste vida.
Levára-me, oxalá, traz ella a vida,
Para que não sentira esta crueza
De me ver apartado de tal vista!

E praza a Deos não veja o proprio tempo
Em mi, sem esperança de remedio,
A desesperação d'hum triste fado!

Porém ja acabe o triste e duro fado!

Acabe o tempo ja tão triste vida,
Qu'em sua morte só tee seu remedio.
O deixar-me viver he mor crueza,
Pois desespéro ja d'em algum tempo
Tornar a ver aquella doce vista.

Duro Amor! se pagava só tal vista
Todo o mal que por ti me fez meu fado,
Porque quizeste que a levasse o tempo?
E se o assi quizeste, porque a vida
Me deixas para ver tanta crueza,
Quando em não vê-la só vejo o remedio?
Tu só de minha dor eras remedio,
Suave, deleitosa e bella vista.

Sem ti, que posso eu ver senão crueza? Sem ti, qual bem me póde dar o fado, Se não he consentir que acabe a vida? Mas elle della me dilata o tempo.

Azas para voar vejo no tempo, Que com voar a muitos foi remedio; E só não vôa para a minha vida. Para que a quero eu sem tua vista? Para que quer tambem o triste fado Que não acabe o tempo tal crueza?

Não poderão fazer crueza, ou tempo, Fòrça de fado, ou falta de remedio, Qu'essa vista m'esqueça em toda a vida.

E L E G I A S.

E L E G I A I.

0 sulmonense Ovidio desterrado Na aspereza do Ponto, imaginando Ver-se de seus Penates apartado;

Sua chara mulher desamparando, Seus doces filhos, seu contentamento, De sua Patria os olhos apartando;

Não podendo encobrir o sentimento, Aos montes ja, ja aos rios se queixava De seu escuro e triste nascimento.

O curso das estrellas contemplava, E aquella ordem com que discorria O ceo e o ar, e a terra adonde estaya.

Os peixes por o mar nadando via,
As feras por o monte procedendo
Como o seu natural lhes permittia.

De suas fontes via estar nascendo
Os saudosos rios de crystal,
Á sua natureza obedecendo.

Assi só, de seu proprio natural
Apartado, se via em terra estranha,
A cuja triste dor não acha igual.

Só sua doce Musa o acompanha
Nos soidosos versos qu’escrevia,
E nos lamentos com que o campo banha.

Dest'arte me figura a phantasia
A vida com que morro, desterrado
Do bem qu'em outro tempo possuia.

Aqui contemplo o gôsto ja passado,
Que nunca passará por a memoria
De quem o traz na mente debuxado.

Aqui vejo caduca e debil glória
Desenganar meu erro co’a mudança
Que faz a fragil vida transitoria.

Aqui me representa esta lembrança Quão pouca culpa tenho; e m'entristece Ver sem razão a pena que m'alcança.

Que a pena que com causa se padece, A causa tira o sentimento della; Mas muito doe a que se não merece.

Quando a roxa manhãa, dourada e bella, Abre as portas ao sol e cahe o orvalho, E torna a seus queixumes Philomela;

Este cuidado, que co'o somno atalho, Em sonhos me parece; que o que a gente Por seu descanso tēe me dá trabalho.

E despois de acordado cegamente, (Ou, por melhor dizer, desacordado, Que pouco acórdo logra hum descontente)

Daqui me vou, com passo carregado, A hum outeiro erguido, e alli m'assento, Soltando toda a redea a meu cuidado.

Despois de farto ja de meu tormento,

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