Vem o moço, e assenta-se na cadeira Filodemo e diz avante
FILODEMO. Ora quero praticar Só comigo hum pouco aqui; Que despois que me perdi, Desejo de me tomar Estreita conta de mi. Vae para fóra, Vilardo. Torna cá: vae-me saber Se se quer ja lá erguer O Senhor Dom Lusidardo, E vem-mo logo dizer.
Vai-se o moço. Ora bem, minha ousadia, Sem azas, pouco segura, Quem vos deo tanta valia, Que subais a phantasia Onde não sobe a ventura? Por ventura eu não nasci No mato, sem mais valer, Que o gado ao pasto trazer? Pois donde me veio a mi Saber-me tão bem perder? Eu, nascido entre pastores, Fui trazido dos currais, E d'entre meus naturais Para casa dos Senhores, Donde vim a valer mais. E agora logo tão cedo Quiz mostrar a condição De rustico de villão! Dando-me ventura o dedo,
Lhe quero tornar a mão! Mas oh! qu'isto não he assi, Nem são villãos meus cuidados, Como eu delles entendi; Mas antes, de sublimados, Os não posso crer de mi. Porque como hei eu de crer Que me faça ininha estrella Tão alta pena soffrer, Que somente pola ter Mereço a gloria della? Senão se amor, d'attentado, Porque me não queixe delle, Tee por ventura ordenado Que mereça o meu cuidado, Só por ter cuidado nelle.
VILARDO. O Senhor Dom Lusidardo Dorme com todo o convento; E elle com o pensamento Quer estar fazendo alardo De castellinhos de vento! Pois tão cedo se vestio, Com seu dainno se conforme, Pezar de quem me pario; Que ainda o sol não sahio:
Se vem à mão, tambem dorme. Elle quer-se levantar Assi pela manhãzinha! Pois quero-o desenganar: Nem por muito madrugar Amanhece mais asinha.
FILODEMO. Traze-me a viola cá.
VILARDO. (Voto a tal que ine vou rindo.) Senhor, tambem dormirá.
FILODEMO. Traze-a, moço.
VILARDO.
Si, virá, Se não estiver dormindo.
FILODEMO. Ora hi polo que vos mando: Não gracejeis.
VILARDO.
Eis-me you: Pois, pezar de São Fernando! Por ventura sou eu grou? Sempre hei d'estar vigiando?
FILODEMO. Ah Senhora, que podeis Ser remedio do que peno, Quão mal ora cuidareis Que viveis e que cabeis N’hum coração tão pequeno! Se vos fosse apresentado
Este tormento em que vivo, Crerieis que foi ousado Este vosso, de criado Tornar-se vosso captivo?
Ora eu creio, se he verdade
Qu'estou de todo acordado, Que meu amo he namorado; E a mi dá-me na vontade Que anda hum pouco abalado. E se tal he, eu daria
Por conhecer a donzella A ração d'hoje este dia; Porque a desenganaria, Somente por ter dó della. Havia-lhe perguntar: Senhora, de que comeis? Se comeis d'ouvir cantar, De fallar bem, de trovar, Em boa hora casareis. Porém se vós comeis pão, Tende, Senhora, resguardo; Qu'eis-aqui está Vilardo, Qu'he como hum camaleão, Por isso, bus, fazei fardo. E se vós sois das gamenhas,
E houverdes d'attentar Por mais que por manducar, Mi cama son duras peñas, Mi dormir siempre es velar. A viola, Senhor, vein Sem primas, nem derradeiras: Mas sabe o que lhe convem? Se quer, Senhor, tanger bem, Ha de haver mister terceiras. E se estas cantigas vossas Não forem para escutar, E quizerdes espirar; Ha mister cordas mais grossas, Porque não possão quebrar.
FILODEMO. Vae para fóra.
VILARDO.
Ja venho.
FILODEMO. Qu'eu só desta phantasia Me sostenho e me inantenho.
VILARDO. Quamanha vista que tenho, Que vejo a estrella do dia! Sahe.
CE NA IV.
FILODEMO, cantando. Adó sube el pensamiento, Seria una gloria ininensa Si alla fuese quien lo piensa.
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