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CXXIX.

Poem-me onde se use toda a feridade,
Entre leoes e tigres, e verei

Se nelles achar posso a piedade

Que entre peitos humanos não achei:
Alli co'o amor intrinseco, e vontade,
Naquelle por quem mouro, criarei
Estas reliquias suas que aqui viste,
Que refrigerio sejam da mai triste.

CXXX.

Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo, e seu destino
(Que desta sorte o quiz) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino,

Os que por bom tal feito alli apregoam.
Contra huma dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos mostraïs, e cavalleiros?

CXXXI.

Qual contra a linda moça Polyxena,
Consolação extrema da mai velha,
Porque a sombra de Achilles a condena,
Co'o ferro o duro Pyrrho se apparelha :
Mas ella os olhos, com que o ar serena,
(Bem como paciente, e mansa ovelha
Na misera mai postos, que endoudece,
Ao duro sacrificio se offerece:

CXXXII.

Taes contra Ignez os brutos matadores,
No collo de alabastro, que sostinha
As obras com que amor matou de amores
Aquelle que despois a fez Rainha,

As espadas banhando, e as brancas flores,
Que ella dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, fervidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.

CXXXIII.

Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquelle dia,

Como da seva mesa de Thyestes,
Quando os filhos por mão de Atreo comia!
Vós, ó concavos valles, que pudestes

A voz extrema ouvir da boca fria,

O nome do seu Pedro que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes!

CXXXIV.

Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, candida e bella,
Sendo das mãos lascivas maltratada
Da menina, que a trouxe na capella,
O cheiro traz perdido, e a cor murchada;
Tal está morta a pallida donzella,
Seccas do rosto as rosas, e perdida

A branca e viva cor, co'a doce vida.

Jaisy

CXXXV.

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram;
E por memoria eterna, em fonte pura
As lagrimas choradas transformaram :
O nome lhe puzeram, que inda dura,
Dos amores de Ignez, que alli passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,

Que lagrimas são a agua, e o nome amores.

CXXXVI.

Não correo muito tempo que a vingança
Não visse Pedro das mortaes feridas;
Que em tomando do Reino a governança,
A tomou dos fugidos homicidas :
Do outro Pedro cruissimo os alcança;
Que ambos imigos das humanas vidas,
O concerto fizeram duro e injusto,
Que com Lepido, e Antonio fez Augusto.

CXXXVII.

Este, castigador foi rigoroso

De latrocinios, mortes, e adulterios
Fazer nos maos cruezas, fero e iroso,
Eram os seus mais certos refrigerios.
As cidades guardando justiçoso,
De todos os soberbos vituperios,
Mais ladrões castigando á morte deo,
Que o vagabundo Alcides, ou Theseo.

CXXXVIII.

Do justo, e duro Pedro nasce o brando, (Vede da natureza o desconcerto!)

Remisso, e sem cuidado algum, Fernando,
Que todo o reino poz em muito aperto:
Que vindo o Castelhano devastando
As terras sem defeza, esteve perto
De destruir-se o Reino totalmente;
Que hum fraco Rei faz fraca a forte gente.

CXXXIX.

Ou foi castigo claro do peccado
De tirar Leonor a seu marido,
E casar-se com ella, de enlevado,
N'hum falso parecer mal entendido;
Ou foi que o coração sujeito e dado
Ao vicio vil, de quem se vio rendido,
Molle se fez, e fraco; e bem parece,
Que hum baixo amor os fortes enfraquece.

CXL.

Do peccado tiveram sempre a pena
Muitos,
, que Deos o quiz, e permittio;
Os que foram roubar a bella Helena;
E com Apio tambem Tarquino o vio:
Pois por quem David sancto se condena?
Ou quem o Tribu illustre destruïo
De Benjamin? Bem claro no-lo ensina
Por Sara Pharaó, Sichem por Dina.

CXLI.

E pois se os peitos fortes enfraquece
Hum inconcesso amor desatinado,
Bem no filho de Alcmena se parece,
Quando em Omphale andava transformado.
De Marco Antonio a fama se escurece
Com ser tanto a Cleopatra affeiçoado.
Tu tambem Poeno prospero o sentiste,
Despois que hu'a moça vil na Apulia viste!

CXLII.

Mas quem pode livrar-se por ventura
Dos laços que Amor arma brandamente
Entre as rosas, e a neve humana pura,
O ouro, e o alabastro transparente?
Quem de huma peregrina formosura,
De hum vulto de Medusa propriamente,
Que o coração converte que tem preso,
Em pedra não; mas em desejo acceso?

CXLIII.

Quem vio hum olhar seguro, hum gesto brando,
Huma suave, e angelica excellencia,

Que em si está sempre as almas transformando,
Que tivesse contra ella resistencia?
Desculpado por certo está Fernando,
Para quem tem de amor experiencia :
Mas antes tendo livre a phantasia,
Por muito mais culpado o julgaria.

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