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XLII.

Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza, e do humido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de immortal merecimento:
Ouve os damnos de mi, que apercebidos
Estão, a teu sobejo atrevimento,
Por todo o largo mar, e pela terra,

Que inda has de sobjugar com dura guerra.

XLIII.

Sabe que quantas naos esta viagem
Que tu fazes, fizerem de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,

Com ventos, e tormentas desmedidas:
E da primeira armada, que passagem
Fizer por estas ondas insoffridas,
Eu farei d'improviso tal castigo,
Que seja mór o damno, que o perigo.

XLIV.

Aqui espero tomar, senão me engano,
De quem me descobrio summa vingança;
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança:

Antes em vossas naos vereis cada anno
Se he verdade o que meu juizo alcança)
Naufragios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte.

XLV.

E do primeiro illustre, que a ventura
Com fama alta fizer tocar os ceos,
Serei eterna, e nova sepultura,
Por juizos incognitos de Deos:
Aqui porá da Turca armada dura
Os soberbos e prosperos tropheos;
Comigo de seus damnos o ameaça
A destruida Quiloa com Mombaça.

XLVI.

Outro tambem virá de honrada fama,
Liberal, cavalleiro, enamorado,

E comsigo trará a formosa dama,

Que Amor por grao merce lhe terá dado:
Triste ventura, e negro fado os chama
Neste terreno meu, que duro e irado,
Os deixará d'hum cru naufragio vivos,
Para verem trabalhos excessivos.

XLVII.

Verão morrer com fome os filhos charos,
Em tanto amor gerados e nascidos;
Verão os Cafres asperos e avaros
Tirar á linda dama seus vestidos:
Os crystallinos membros, e preclaros,
A calma, ao frio, ao ar verão despidos;
Despois de ter pizada longamente
Co'os delicados pés a area ardente.

XLVIII.

E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dous amantes miseros ficarem
Na fervida e implacabil espessura.
Alli, despois que as pedras abrandarem
Com lagrimas de dor, de magoa pura,
Abraçados as almas soltarão

Da formosa e miserrima prisão.

XLIX.

Mais hia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando alçado
Lhe disse eu: Quem es tu? que esse estupendo
Corpo, certo me tem maravilhado.

A boca, e os olhos negros retorcendo,
E dando hum espantoso e grande brado,
Me respondeo com voz pezada e amara,
Como quem da pergunta lhe pezara:

L.

Eu sou aquelle occulto, e grande Cabo,
A quem
chamais vós outros Tormentorio;
Que nunca a Ptolemeo, Pomponio, Estrabo,
Plinio, e quantos passaram, fui notorio:
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto promontorio,
Que para o polo Antarctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto offende.

LI.

Fui dos filhos asperrimos da terra,
Qual Encelado, Egeo, e o Centimano;
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano:
Não que puzesse serra sobre serra,
Mas conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.

LII.

Amores da alta esposa de Peleo
Me fizeram tomar tamanha empreza;
Todas as deosas desprezei do ceo,
Só por amar das aguas a princeza :
Hum dia a vi, co' as filhas de Nereo,
Sahir nua na praia; e logo preza

A vontade senti, de tal maneira,

Que inda não sinto cousa que mais queira.

LIII.

Como fosse impossibil alcança-la
Pela grandeza fea de meu gesto,
Determinei por armas de toma-la,
E a Doris este caso manifesto:

De medo a deosa então por mi lhe falla;
Mas ella c'hum formoso riso honesto,
Respondeo; qual será o amor bastante

De nympha que sustente o d'hum gigante?

LIV.

Com tudo por livrarmos o Oceano

De tanta guerra, eu buscarei maneira,
Com que com minha honra escuse o dano;
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu que cahir não pude neste engano,
(Que he grande dos amantes a cegueira)
Encheram-me com grandes abondanças
O peito de desejos, e esperanças.

LV.

Já nescio, já da guerra desistindo,
Huma noite de Doris promettida,
Me apparece de longe
de longe o gesto lindo
Da branca Thetis unica despida:
Como doudo corri de longe, abrindo
Os braços, para aquella que era vida
Deste corpo, e começo os olhos bellos
A lhe beijar, as faces, e os cabellos.

LVI.

Oh que não sei de nojo como o conte!
Que crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei c'hum duro monte
De aspero mato, e de espessura brava :
Estando c'hum penedo fronte a fronte,
Que eu pelo rosto angelico apertava,
Não fiquei homem não, mas mudo e quedo,
E junto d'hum penedo outro penedo.

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