Pois vens ver os segredos escondidos Da natureza, e do humido elemento, A nenhum grande humano concedidos De nobre ou de immortal merecimento: Ouve os damnos de mi, que apercebidos Estão, a teu sobejo atrevimento, Por todo o largo mar, e pela terra,
Que inda has de sobjugar com dura guerra.
Sabe que quantas naos esta viagem Que tu fazes, fizerem de atrevidas, Inimiga terão esta paragem,
Com ventos, e tormentas desmedidas: E da primeira armada, que passagem Fizer por estas ondas insoffridas, Eu farei d'improviso tal castigo, Que seja mór o damno, que o perigo.
Aqui espero tomar, senão me engano, De quem me descobrio summa vingança; E não se acabará só nisto o dano De vossa pertinace confiança:
Antes em vossas naos vereis cada anno Se he verdade o que meu juizo alcança) Naufragios, perdições de toda sorte, Que o menor mal de todos seja a morte.
E do primeiro illustre, que a ventura Com fama alta fizer tocar os ceos, Serei eterna, e nova sepultura, Por juizos incognitos de Deos: Aqui porá da Turca armada dura Os soberbos e prosperos tropheos; Comigo de seus damnos o ameaça A destruida Quiloa com Mombaça.
Outro tambem virá de honrada fama, Liberal, cavalleiro, enamorado,
E comsigo trará a formosa dama,
Que Amor por grao merce lhe terá dado: Triste ventura, e negro fado os chama Neste terreno meu, que duro e irado, Os deixará d'hum cru naufragio vivos, Para verem trabalhos excessivos.
Verão morrer com fome os filhos charos, Em tanto amor gerados e nascidos; Verão os Cafres asperos e avaros Tirar á linda dama seus vestidos: Os crystallinos membros, e preclaros, A calma, ao frio, ao ar verão despidos; Despois de ter pizada longamente Co'os delicados pés a area ardente.
E verão mais os olhos que escaparem De tanto mal, de tanta desventura, Os dous amantes miseros ficarem Na fervida e implacabil espessura. Alli, despois que as pedras abrandarem Com lagrimas de dor, de magoa pura, Abraçados as almas soltarão
Da formosa e miserrima prisão.
Mais hia por diante o monstro horrendo Dizendo nossos fados, quando alçado Lhe disse eu: Quem es tu? que esse estupendo Corpo, certo me tem maravilhado.
A boca, e os olhos negros retorcendo, E dando hum espantoso e grande brado, Me respondeo com voz pezada e amara, Como quem da pergunta lhe pezara:
Eu sou aquelle occulto, e grande Cabo, A quem chamais vós outros Tormentorio; Que nunca a Ptolemeo, Pomponio, Estrabo, Plinio, e quantos passaram, fui notorio: Aqui toda a Africana costa acabo Neste meu nunca visto promontorio, Que para o polo Antarctico se estende, A quem vossa ousadia tanto offende.
Fui dos filhos asperrimos da terra, Qual Encelado, Egeo, e o Centimano; Chamei-me Adamastor, e fui na guerra Contra o que vibra os raios de Vulcano: Não que puzesse serra sobre serra, Mas conquistando as ondas do Oceano, Fui capitão do mar, por onde andava A armada de Neptuno, que eu buscava.
Amores da alta esposa de Peleo Me fizeram tomar tamanha empreza; Todas as deosas desprezei do ceo, Só por amar das aguas a princeza : Hum dia a vi, co' as filhas de Nereo, Sahir nua na praia; e logo preza
A vontade senti, de tal maneira,
Que inda não sinto cousa que mais queira.
Como fosse impossibil alcança-la Pela grandeza fea de meu gesto, Determinei por armas de toma-la, E a Doris este caso manifesto:
De medo a deosa então por mi lhe falla; Mas ella c'hum formoso riso honesto, Respondeo; qual será o amor bastante
De nympha que sustente o d'hum gigante?
Com tudo por livrarmos o Oceano
De tanta guerra, eu buscarei maneira, Com que com minha honra escuse o dano; Tal resposta me torna a mensageira. Eu que cahir não pude neste engano, (Que he grande dos amantes a cegueira) Encheram-me com grandes abondanças O peito de desejos, e esperanças.
Já nescio, já da guerra desistindo, Huma noite de Doris promettida, Me apparece de longe de longe o gesto lindo Da branca Thetis unica despida: Como doudo corri de longe, abrindo Os braços, para aquella que era vida Deste corpo, e começo os olhos bellos A lhe beijar, as faces, e os cabellos.
Oh que não sei de nojo como o conte! Que crendo ter nos braços quem amava, Abraçado me achei c'hum duro monte De aspero mato, e de espessura brava : Estando c'hum penedo fronte a fronte, Que eu pelo rosto angelico apertava, Não fiquei homem não, mas mudo e quedo, E junto d'hum penedo outro penedo.
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