Concertam-se que o negro mande dar Embarcações idoneas com que venha; Que os seus bateis não quer aventurar Onde lhos tome o imigo, ou lhos detenha: Partem as almadias a buscar
Mercadoria Hispana, que convenha: Escreve a seu irmão que lhe mandasse A fazenda, com que se resgatasse.
Vem a fazenda a terra, aonde logo
A agasalhou o infame Catual:
Com ella ficam Alvaro e Diogo,
Que a podessem vender pelo que val. Se mais que obrigação, que mando e rogo No peito vil, o premio pode e val,
Bem o mostra o Gentio a quem o entenda, Pois o Gama soltou pela fazenda.
Por ella o solta, crendo que alli tinha Penhor bastante, donde recebesse Interesse maior do que lhe vinha, Se o Capitão mais tempo detivesse. Elle vendo que já lhe não convinha Tornar a terra, porque não podesse Ser mais retido, sendo ás naos chegado Nellas estar se deixa descansado.
Nas naos estar se deixa vagaroso,
Até ver o que o tempo lhe descobre; Que não se fia já do cobiçoso
Regedor corrompido, e pouco nobre. Veja agora o juizo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre, Pode o vil interesse, e sede imiga Do dinheiro, que a tudo nos obriga.
A Polydoro mata o Rei Threïcio, Só por ficar senhor do grão thesouro: Entra pelo fortissimo edificio
Com a filha de Acrisio a chuva d'ouro: Pode tanto em Tarpeia avaro vicio, Que a troco do metal luzente, e louro, Entrega aos inimigos a alta torre,
Do qual quasi affogada em pago morre.
Este rende munidas fortalezas,
Faz traidores, e falsos os amigos: Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega capitaes aos inimigos:
Este corrompe virginaes purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos. Este deprava ás vezes as sciencias,
Os juizos cegando, e as consciencias.
Este interpreta mais que subtilmente Os textos: este faz, e desfaz leis: Este causa os perjurios entre a gente: E mil vezes tyrannos torna os Reis. Até os que só a Deos Omnipotente Se dedicam, mil vezes ouvireis, Que corrompe este encantador, e illude; Mas não sem cor, com tudo, de virtude.
IVERAM longamente na cidade
Sem vender-se a fazenda os dous feitores, Que os infieis por manha, e falsidade, Fazem que não lha comprem mercadores: Que todo seu proposito, e vontade, Era deter alli os descobridores
Da India, tanto tempo, que viessem De Meca as naos, que as suas desfizessem.
Lá no seio Erythreo, onde fundada Arsinoe foi do Egyptio Ptolemeo, Do nome da irmaa sua assi chamada, Que despois em Suez se converteo; Não longe o porto jaz da nomeada Cidade Meca, que se engrandeceo Com a superstição falsa, e profana, Da religiosa agua Ma'ometana.
Gidá se chama o porto, aonde o trato De todo o Roxo mar mais florecia, De que tinha proveito grande, e grato, O Soldão, que esse reino possuïa. Daqui aos Malabares, por contrato Dos infieis, formosa companhia
De grandes naos, pelo Indico Oceano, Especiaria vem buscar cada anno.
Por estas naos os Mouros esperavam, Que como fossem grandes e possantes, Aquellas, que o commercio lhe tomavam, Com flammas abrazassem crepitantes. Neste soccorro tanto confiavam,
Que já não querem mais dos navegantes, Senão que tanto tempo alli tardassem, Que da famosa Meca as naos chegassem.
Mas o Governador dos ceos, e gentes, Que para quanto tem determinado, De longe os meios dá convenientes, Por onde vem a effeito o fim fadado; Influio piedosos accidentes
De affeição em Monçaide; que guardado Estava para dar ao Gama aviso, E merecer por isso o Paraiso.
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