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XCIII.

Concertam-se que o negro mande dar
Embarcações idoneas com que venha;
Que os seus bateis não quer aventurar
Onde lhos tome o imigo, ou lhos detenha:
Partem as almadias a buscar

Mercadoria Hispana, que convenha:
Escreve a seu irmão que lhe mandasse
A fazenda, com que se resgatasse.

XCIV.

Vem a fazenda a terra, aonde logo

A agasalhou o infame Catual:

Com ella ficam Alvaro e Diogo,

Que a podessem vender pelo que val.
Se mais que obrigação, que mando e rogo
No peito vil, o premio pode e val,

Bem o mostra o Gentio a quem o entenda,
Pois o Gama soltou pela fazenda.

XCV.

Por ella o solta, crendo que alli tinha
Penhor bastante, donde recebesse
Interesse maior do que lhe vinha,
Se o Capitão mais tempo detivesse.
Elle vendo que já lhe não convinha
Tornar a terra, porque não podesse
Ser mais retido, sendo ás naos chegado
Nellas estar se deixa descansado.

XCVI.

Nas naos estar se deixa vagaroso,

Até ver o que o tempo lhe descobre;
Que não se fia já do cobiçoso

Regedor corrompido, e pouco nobre.
Veja agora o juizo curioso

Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse, e sede imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

XCVII.

A Polydoro mata o Rei Threïcio,
Só por ficar senhor do grão thesouro:
Entra pelo fortissimo edificio

Com a filha de Acrisio a chuva d'ouro:
Pode tanto em Tarpeia avaro vicio,
Que a troco do metal luzente, e louro,
Entrega aos inimigos a alta torre,

Do qual quasi affogada em pago morre.

XCVIII.

Este rende munidas fortalezas,

Faz traidores, e falsos os amigos:
Este a mais nobres faz fazer vilezas,

E entrega capitaes aos inimigos:

Este corrompe virginaes purezas,

Sem temer de honra ou fama alguns perigos. Este deprava ás vezes as sciencias,

Os juizos cegando, e as consciencias.

XCIX.

Este interpreta mais que subtilmente
Os textos: este faz, e desfaz leis:
Este causa os perjurios entre a gente:
E mil vezes tyrannos torna os Reis.
Até os que só a Deos Omnipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis,
Que corrompe este encantador, e illude;
Mas não sem cor, com tudo, de virtude.

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OS LUSIADAS.

CANTO NONO.

TIVERAM

I.

IVERAM longamente na cidade

Sem vender-se a fazenda os dous feitores,
Que os infieis por manha, e falsidade,
Fazem que não lha comprem mercadores:
Que todo seu proposito, e vontade,
Era deter alli os descobridores

Da India, tanto tempo, que viessem
De Meca as naos, que as suas desfizessem.

II.

Lá no seio Erythreo, onde fundada
Arsinoe foi do Egyptio Ptolemeo,
Do nome da irmaa sua assi chamada,
Que despois em Suez se converteo;
Não longe o porto jaz da nomeada
Cidade Meca, que se engrandeceo
Com a superstição falsa, e profana,
Da religiosa agua Ma'ometana.

III.

Gidá se chama o porto, aonde o trato
De todo o Roxo mar mais florecia,
De que tinha proveito grande, e grato,
O Soldão, que esse reino possuïa.
Daqui aos Malabares, por contrato
Dos infieis, formosa companhia

De grandes naos, pelo Indico Oceano,
Especiaria vem buscar cada anno.

IV.

Por estas naos os Mouros esperavam,
Que como fossem grandes e possantes,
Aquellas, que o commercio lhe tomavam,
Com flammas abrazassem crepitantes.
Neste soccorro tanto confiavam,

Que já não querem mais dos navegantes,
Senão que tanto tempo alli tardassem,
Que da famosa Meca as naos chegassem.

V.

Mas o Governador dos ceos, e gentes,
Que para quanto tem determinado,
De longe os meios dá convenientes,
Por onde vem a effeito o fim fadado;
Influio piedosos accidentes

De affeição em Monçaide; que guardado
Estava para dar ao Gama aviso,
E merecer por isso o Paraiso.

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