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no meio do seu fervor pedagogico, reconheceram esta impotencia radical, modificando o caracter da Companhia segundo a corrente politica. Comte formúla com a maxima clareza este caracter da segunda geração jesuitica: «Posto que os fundadores do Jesuitismo não podessem por modo algum apreciar uma tal fatalidade, os seus successores não tardaram a sentir a impossibilidade de regenerar o catholicismo, e limitaram-se desde então a systematisar a sua resistencia retrograda. Assim se achou desnaturado o plano destinado primitivamente a dirigir uma reconstrucção primitiva. O successo d'esta opposição assentou immediatamente sobre uma vasta hypocrisia, segundo a qual todos os espiritos emancipados, então concentrados nas classes cultivadas, deviam secundar os esforços dos Jesuitas contra a emancipação popular, em nome da sua commum dominação. Mediante uma tal participação, os livre-pensadores eram plenamente tolerados, e a sua propria conducta permanecia secretamente entregue aos seus impulsos pessoaes, por falta de convicções publicas que podessem regulal-a.- Eis aqui como um plano chimerico de reorganisação espiritual se achou transformado, desde a segunda geração, em um systema bem real de resistencia hypocrita, que desenvolveu a corrupção moral para paralysar a anarchia mental. Sem recorrer ás provas equivocas indicadas por um odio cego, esta tendencia contradictoria poderia ser bastante caracterisada segundo o funesto desenvolvimento que os Jesuitas deram por toda a parte á instituição de Collegios, não menos desusada na Edade média como na Antiguidade. Ainda que o seu celibato lhes impedia de apreciar bem a vida de familia, elles sabiam que o principal merito do catholicismo tinha consistido realmente em a desenvolver dignamente durante todo o curso da transição affectiva. Comtudo, preoccupados no seu destino retrogrado, os Jesuitas não tiveram nenhum escrupulo em comprometterem o seu dasenvolvimento moral, privando a infancia das relações domesticas para melhor a subtraír, pela claustração escholastica, ao movimento geral de emancipação. Um tal isolamento não podia effectuar-se sem o assentimento das familias, o que mostra a que ponto a anarchia mental tinha então reagido, mesmo nas mães, sobre a dissolução moral.»1 O advento do Jesuitismo era evidentemente uma transformação operada no seio do Catholicismo e fóra do Papado. Ranke, na sua Historia do Papado nos seculos XVI e XVII, reconhece-o: «Nós o vêmos, constituiu-se no meio do catholicismo, em Roma, junto do

1 Système de Politique positive, t. 1, p. 555.

Papa, uma direcção nova, opposta aos progressos da Reforma, cada dia estendia mais longe as suas conquistas.» Comte formulou com mais clareza esta comprehensão historica.

A religião adoptada pelas diversas nações da Europa tem um nome generico e abstracto de Monotheismo occidental; e, segundo esse caracter monotheico, contrapõe-se a esse outro Monotheismo oriental, ou o islamismo, com o qual andou em conflicto na época das cruzadas, repellindo-o e embargando o seu estabelecimento na Europa. Jesus e Allah eram absolutos no unitarismo religioso, e os seus crentes estrangularam-se piedosamente emquanto não fizeram a partilha do dominio espiritual como se acha desde o fim das cruzadas. O Monotheismo occidental, na sua larga historia de dezenove seculos em um continente civilisado, soffreu varias transformações, devidas á exigencia da civilisação, e, como na nomenclatura chimica, essas transformações achamse implicitas nos nomes por onde tem sido conhecida a religião.

O primeiro nome com que a religião monotheica do occidente foi conhecida é o de Christianismo; este nome designa o desenvolvimento da crença no meio da simplicidadde popular, a phase cultual da religião universalista apropriando-se dos mythos áricos da Natividade, e dos mythos irânicos da Paixão, e comprehende o passado da formação lendaria dos Evangelhos, até ao ponto de se constituirem as Egrejas nacionaes. O nome de Christianismo tornou-se para os crentes a expressão da pura espiritualidade, da piedade simples e poetica, e todas as vezes que no seio d'este Monotheismo occidental se deu qualquer abalo ou perturbação os crentes sinceros procuravam fazer renascer o primitivo Christianismo, como se viu n'essas varias fórmas de regressão à época evangelica dos protestantes, e ainda modernamente dos velhos catholicos. Esta phase do Christianismo durou até ao momento em que, sob Constantino, se tornou religião do estado, com um deliberado caracter politico e de absorpção do Poder temporal.

Seguiu-se a segunda crise monotheica, conhecida pelo nome de Catholicismo; tal é o periodo dogmatico da Egreja, fazendo a escolha dos seus evangelhos, e em que se estabelece a supremacia da Egreja de Roma sobre todas as Egrejas nacionaes, e em que os Papas estabelecem pouco a pouco o seu poder temporal. No Catholicismo o plano politico prevalece sobre o espirito religioso, e por isso esta phase religiosa apresenta duas grandes épocas historicas: uma, em que se cria o

1 Op. cit., t. 1, p. 236.

Poder temporal dos Papas, que visam a uma theocracia que chegou na Edade média á sua plena constituição nos seculos XI e XII; e outra, de dissolução do regimen catholico-fendal, que se manifesta de uma fórma espontanea nos seculos XIII e XIV (Albigenses, secularisação do ensino nas Universidades reaes), de uma fórma systematica nos seculos XV e XVI (Reforma na Allemanha, Inglaterra, França e independencia das Monarchias), e finalmente de uma fórma revolucionaria nos seculos XVII e XVIII (estabelecimento do criterio experimental e negativismo encyclopedista).

O Catholicismo, como religião servindo de instrumento á ambição temporal do papado, não corresponde á organisação civil da sociedade europêa, e, como um systema de doutrinas, está abaixo do estado de consciencia da civilisação actual. N'este momento critico como luctar, como resistir, como adaptar-se á marcha dos acontecimentos? Assim como o Christianismo se transformou em Catholicismo, n'esta phase de resistencia o Catholicismo deixa de ser o que foi durante a Edade média, e pela auctoridade do proprio Papa é transformado em Jesuitismo.

É portanto o Jesuitismo alguma coisa mais do que essa instituição nascida na primeira metade do seculo XVI, no periodo mais activo da dissolução catholico-feudal; representa a phase da resistencia da Egreja para a recuperação do poder temporal sobre a esphera civil, do ensino theologico sobre a livre-critica scientifica, e da intriga politica pela exploração dos sophismas liberaes do parlamentarismo.

O grande philosopho Augusto Comte previu este phenomeno historico, hoje reconhecido por uma bulla de Leão XIII, quando disse: «o Jesuitismo deve ser sociologicamente julgado como a ultima fórma do Monotheismo occidental, de maneira a não poder cessar senão com o theologismo, apesar das apparencias resultantes da sua suppressão official. Reservando o titulo de Catholicismo ao estado normal da Edade média, um nome que recorda um ficticio fundador, convém melhor á degeneração final do systema sobrenatural do que a classificação de papismo, pois que a decadencia do papado precedeu por toda a parte á fé christã.> 1

Muitos nomes foram apresentados para designarem esta transfor mação que se passava no Catholicismo; basta lembrar os de Ultramontanismo, de Syllabismo, de Infallibilismo, de Marianismo, que apenas significavam de um modo restricto as fórmas de resistencia, e não a

1 Système de Politique positive, t. 1, p. 556.

concentração retrograda syntheti sada na palavra Jesuitismo, que é a bandeira que agremia ainda hoje todos aquelles que estão no atrazo mental das concepções theologicas, e mesmo aquelles que não se emanciparam de um phantasioso deismo. 1

Na acção da Companhia de Jesus, para sustentar a preponderancia da egreja sobre o espirito secular, ella não se esqueceu de si propria, como corporação independente, que visa a assegurar a estabilidade da sua existencia. E assim como, ao apoderar-se do ensino, não só procurava imprimir nas intelligencias uma direcção retrograda, mas monopolisava para o seu instituto todos os talentos revelados no tirocinio escholar, tambem nas relações do papado com os estados politicos a Companhia empregou sempre a intriga para pôr em evidencia o seu alto valimento e assegurar a protecção incondicional dos potentados. Estribou-se sobre esta duplicidade. O favor crescente que lhe concedeu Paulo III e a protecção absoluta prestada por D. João III á nascente Companhia não se explicam por condições normaes. Paulo III, discipulo de Pomponio Laeto, e de uma diplomacia extremamente cautelosa, comprehendendo as correntes desencontradas do seculo que ameaçavam o papado, não era homem para se deixar seduzir pelos planos de missão apostolica da Companhia, nem pelas preoccupações pedagogicas dos seus Collegios. Pela sua parte D. João III andava absorvido pelo pensamento do estabelecimento da Inquisição em Portugal, e na côrte a fanatisação era exercida pelos dominicanos, que difficilmente

1 A imprensa europêa foi surprehendida com a bulla do papa Leão XIII, reintegrando a Companhia de Jesus em todos os privilegios adquiridos desde Paulo m até á época da sua extincção; os liberaes viram n'esse acto um repto lançado contra a sociedade civil, que tende á mais completa secularisação; os catholicos sinceros lamentam esse acto de caducidade do pontifice illaqueado pela absorpção da nefasta corporação politica e religiosa. Esta bulla tem a mais alta importancia historica, porque é a consequencia de uma crise latente que soffreu a Egreja, e no momento actual significa que essa crise, tornada patente aos olhos da Europa, é nada menos que a transformação fundamental do Catholicismo, reconhecida e confirmada por aquelle que dizem manter a sua immutabilidade. Convém archivar as palavras de Leão xш, como o documento authentico da transformação operada na Egreja, e de que o proprio papa não teve plena consciencia, obedecendo automaticamente á logica da corrente historica. Diz Leão xi na bulla de rehabilitação dos Jesuitas:

«Mas, para mais claramente mostrarmos a nossa affeição á Companhia de Jesus, confirmamos por nossa apostolica auctoridade todas as letras presentes e passadas dos nossos antecessores, desde Paulo ш, de saudosissima memoria, até aos nossos dias, em favor da Companhia, quer sejam Bullas ou Breves.

•Confirmamos e restabelecemos tudo o que em taes letras se contém, como

deixariam outros religiosos apoderarem-se do animo do monarcha. A Companhia aproveitou-se habilmente de um conflicto que surgira entre Paulo III e D. João III por effeito da nomeação do bispo de Vizeu, D. Miguel da Silva, para o cardinalato; e tornando-se o mantenedor da supremacia do papa sobre os concilios, encaminhou as deliberações para a intransigencia com a Reforma, assegurando assim o seu predominio na Egreja. É esta meada que importa desinvencilhar.

Quando Paulo III subiu ao pontificado estava decaído o poder politico dos papas, e Carlos v não só dominava na Italia, como, a pretexto de harmonisar as dissidencias que quebravam a unidade catholica, usurpava em parte o poder espiritual, exigindo que se fizesse um concilio eucumenico para decretar as reformas de que carecia a Egreja. Foi diante d'esta pressão imperial que Paulo III teve de sanccionar a convocação do concilio; caminhando para o desconhecido, obedecendo á pressão hespanhola que o forçava a abandonar o seu espirito de transigencia para com a Reforma, elle tratava de se acercar de homens. importantes, nomeando-os cardeaes, sem conhecimento do sacro collegio e dos proprios dignificados. Por esta fórma se acharam investidos com a purpura cardinalicia Contarini, Simoneta, Caraffa e D. Miguel da Silva. O papa conhecia o valor politico do bispo portuguez, antigo embaixador de D. Manuel perante a curia, e a sua nomeação in petto não era um favor pessoal, obedecia a um plano superior, em que o papa buscava segurança e apoio no sacro collegio. Em uma carta de Antonio Ribeiro, de 2 de dezembro de 1541, ao conde de Portalegre, noticiando-lhe a nomeação do bispo seu irmão para o cardinalato, vêm

privilegios, immunidades, isenções, indulgencias, tudo o que á Companhia tem sido concedido e que a não prejudique, ou não esteja revogado pelo Concilio de Trento e outras Constituições da Santa Sé.

«Decretamos tambem que estas letras tenham força e efficacia não só actualmente como para o futuro.

«Quanto ao breve Dominus ac Redemptor, do papa Clemente XIV, de 21 de julho de 1773, e outros documentos em contrario, havemos por bem revogal-os. «Este breve é uma demonstração do nosso affecto á gloriosa Companhia, a unica que no meio de tantas perseguições não cessou de trabalhar jámais na obra do Senhor.>»>

O primeiro pensamento que occorreu a todos os que lêram essa bulla é que se tratava de um documeuto apocrypho, de uma simulação habilidosa dos proprios Jesuitas, para apagarem a sua antinomia com o clero catholico dos varios estados. Depois repetiu-se que a bulla era authentica, mas ninguem discutiu o sentido historico e social do facto. Encaramol-o sob este aspecto, o unico que interessa á marcha da civilisação, e que nos pode esclarecer na reacção politica.

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