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tro e outro beijo. Ainda um confundirem-se n'um só os dois anhelitos. Agora as lagrymas precipitam-se em torrentes; embarga-se aos dois amantes a voz entre soluços. É forçosa a triste separação. Illumina-se o horizonte e arreia-se a natureza com os matizes de um céo vernal e matutino. Travesseando já de ramo em ramo redobram os garrulos passarinhos o seu canto, seu canto, modulando talvez a elegia de seus amores. Tudo o que vive no seio da natureza póde amar e eleger o que seja unisono e conforme ao seu affecto. Mas ao Camões, menos feliz que a flor silvestre esquecida á beira de um vallado, não lhe consente o mundo que a sua alma se expanda e transfigure nas delicias do seu affecto. O seu amor é maldição. O seu coração, que a natureza povoou de ternissimos affectos, será em nome do mundo e da desdita, um ermo agreste e inhospito. Da mulher, que tanto o fascinou, só lhe consentem a memoria e a saudade. Eil-o que desapparece correndo pressuroso á náo S. Bento, e deixando immersa em dor inconsolavel a amante formosa e lastimada.

Eis-ahi deixamos esboçado mais um trecho do sentimental romance do Camões. Das tepidas e ridentes regiões da phantasia, volvamos pressu

rosos ás frigidas paragens, onde a historia engeita por importuna a imaginação do romancista. Deixemos o amante desditoso e sigamos o soldado aventureiro.

CAPITULO IX

A PARTIDA PARA A INDIA

Já no largo Oceano navegavam
As inquietas ondas apartando.
Lusiadas, 1, 19.

A 24 de março de 1553 sarpava a náo S. Bento,
em que o poeta ia navegando. As outras náos,
que compunham a armada, eram a Santa Cruz,
de que ia por capitão Belchior de Sousa, a Ro-
sario, ao mando de D. Paio de Noronha, e ou-
tra, cuja capitania se commetera a Ruy Pereira
da Camara. De conserva com os demais navios
da armada, foi singrando a capitania, mas ao cabo
de alguns dias os ventos recresceram tão desabri-
dos e ponteiros, e os mares tão cavados e inhos-
pitos, que foi forçado aos baixeis o separarem-se,
buscando cada qual sulcar nas ondas o caminho,
que menos precario lhe promettia o salvamento.
A náo que levava no seu bojo a triste fortuna do

Camões, e a maior gloria intellectual da sua patria, logrou dobrar sem notaveis avarias o Cabo da Boa Esperança, e engolfando-se ao mar largo ao oriente da ilha de S. Lourenço, ou Madagascar, alcançou lançar o ferro na barra de Goa, no mesmo anno em que partira de Portugal. Ao contemplar pela vez primeira o cabo tormentoso, do qual as perseverantes e.arrojadas tentativas dos navegantes portuguezes tinham feito, na phantasia popular, quasi um vulto mythologico, cercado de terrores e de ameaças, o estro do Camões certamente se inflammou e talvez então esboçou na phantasia os contornos indecisos do seu giganteo Adamastor.

Affirma o poeta na sua primeira carta que ao despedir-se da patria, ou antes ao execral-a, pɔrque, mãe desnaturada, o engeitava, lhe comminara aquella pena, quasi infamia, com que Scipião tivera a Roma por indigna de possuir a ossada gloriosa do invencivel capitão.

Se acaso é authentica e merecedora de inteira fé a carta do Camões, não ha duvida que elle diz ter de novo proferido a sentença do romano. «E assi posto em este estado, escreve o poeta, que me não via senão por entre lusco e fusco, as derradeiras palavras que na náo disse, foram

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