CAPITULO IX A PARTIDA PARA A INDIA Já no largo Oceano navegavam Lusiadas, 1, 19. A 24 de março de 1553 sarpava a náo S. Bento, Affirma o poeta na sua primeira carta que ao despedir-se da patria, ou antes ao execral-a, porque, mãe desnaturada, o engeitava, lhe comminara aquella pena, quasi infamia, com que Scipião tivera a Roma por indigna de possuir a ossada gloriosa do invencivel capitão. Se acaso é authentica e merecedora de inteira fé a carta do Camões, não ha duvida que elle diz ter de novo proferido a sentença do romano. «E assi posto em este estado, escreve o poeta, que me não via senão por entre lusco e fusco, as derradeiras palavras, que na náo disse, foram as de Scipião africano: Ingrata patria, non possidebis ossa mea). É singular o dizer o Camões que estas foram as derradeiras vozes que soltou, já prestes á partida, quando antes parece natural que fossem as primeiras. Porque não havemos de suppor que na longa e trabalhosa navegação tão silencioso se fizesse, que nunca mais a bôca se descerrasse a quem era, por communicativo temperamento, mais para gracioso interlocutor, que para intratavel e mudo pythagorico. Cumpre advertir que o poeta repetindo as palavras de Scipião, em termos facetos e joviaes, refere este passo e alguns mais da sua vida, -segundo era seu pendor, quando em prosa ou em poemas de chiste e de donaire, allude ás grandes miserias da sua vida. Se elle do chapiteo da náo, olhando entre saudoso e irritado para a cidade de Lisboa, que espreguiçada no amphitheatro das suas collinas pittorescas, sorria ironicamente ás desventuras do grande portuguez, soltou ao vento aquellas vozes memoraveis, não seria de certo com a tragica solemnidade, com que saindo dos labios do romano, estamparam na envilecida fronte da sua patria o stygma de ingrata e deshonrada. que do O poeta sabemos durante a viagem está na elegia ii compendiado. N'ella o Camões, refere-se ao poeta Simonides, o inventor da arte mnemonica, e a Themistocles, tão mimoso da victoria, quão maltratado de ingratos concidadãos. Figura o famoso capitão, lastimando que descobrisse o grego malavisado e engenhoso uma arte de conservar lembranças do passado, e julgando-se feliz se podesse alguem industrial-o na sciencia de esquecer: Se me désses huma arte, qu'em meus dias, De que serve as pessoas o lembrar-se E prosegue o poeta maldizendo quasi a sua estrella, porque o não criara Selvatico no mundo, e habitante Ou no Caucaso horrendo fraco infante Sempre as lembranças do malfadado amor lhe traziam turbado o pensamento. Quizera esquecer-se d'elle, mas não pode acabar comsigo desterral-o da memoria. E aqui, imitando um triste pensamento do poeta florentino, ou encontrando-se com elle na igualdade e rigor das suas dores, exclama o Camões sentidamente: Já, Senhor, cahirá como a lembrança, O que o Dante no canto v do seu Inferno exprimiu com o sombrio laconismo do seu estro n'estas palavras, onde ressumbra a mais amarga desesperação da amantissima Francesca : Nessun maggior dolore Na formosa elegia vae o poeta narrando a sua viagem, e como durante o seu decurso o iam ma |