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pectro da morte, e com o bafo pestilencial murchou na fronte do cantor a rosea grinalda da juventude, quebrou com a mão descarnada as cordas do instrumento divino, e semi-apagou no livro d'oiro da immorialidade os nomes já alli inscriptos de tres grandes poetas.

Esses nomes eram os seguintes: Alvares d'Azevedo, Junqueira Freire, e Casimiro d'Abreu.

Não se supponha comtudo que eu desconheça a existencia d'uma pleiade notavel de poetas brasileiros. Eu que sigo todos os mezes com sympathia verdadeira o movimento litterario do Brazil, melhor do que ninguem posso dizer que referve um Etna de poesia no espirito d'esses portuguezes da America. Entre os poetas que enxameiam n'essa colmeia enorme que vai do Amazonas ao Plata, muitos ha que devem occupar um lugar distincto na litteratura universal. Mas, talentos cultivados, nutridos com o leite da civilisação européa, involtos no turbilhão que irrompendo de Paris percorre o mundo inteiro, e arrasta na sua attracção fascinadora os maiores espiritos. os mais sublimes pensadores, não correspondem tanto, como seria para desejar, ao que se espera dos poetas filhos d'essas regiões, onde suppomos que a phantasia deve esplender como prisma brilhantissimo, em que se refranjam, colorindo-se ardentemente, os raios d'um sol de fogo.

Estes tres poetas, por isso mesmo que eram talvez mais rebeldes as leis severas promulgadas pelos legisladores litterarios, menos conhecedores das litteraturas européas, que, possuidoras dos mais brilhantes exemplares, involuntariamente os incrustam no espirito d'aquelles que as estudam, por isso mesmo talvez o genio d'esses tres poetas, mortos em flor, tinha uma espontaneidade, um sabor nacional, que faita a outros que aliás occupam um lugar muito mais elevado na hierarchia da intelligencia. Gonçalves Dias e Magalhães, os dois grandes poetas de que o Brazil se ufana, attrahidos para a Europa pela fascinação que em todos os espiritos avidos de cultura exerce este grande foco civilisador, passando uma grande parte da sua vida nas capitaes européas, como podiam eximir-se ás seducções da grande poesia philosophica e scismadora de que Lamartine e Victor Hugo teem sido os corypheus? Alvares d'Azevedo, Junqueira Freire, e Casimiro d'Abreu, porque as circumstancias especiaes da sua curta existencia lhes não permittiram immergir-se tanto no estudo e na confrontação de modelos litterarios, porque não tiveram tempo senão de ouvir a brisa gemer nas florestas nataes, meneando as fo

O paiz estrangeiro mais bellezas,

Do que a patria, não tem;

E este mundo não val um só dos beijos Tão doces d'uma mãi!

Dá-me os sitios gentis onde eu brincava Lá na quadra infantil;

Dá que eu veja uma vez o céo da patria, O céo do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos annos,
Meu Deus! não seja já!

Eu quero ouvir na larangeira á tarde,
Cantar o sabiá!

Quero ver esse céo da minha terra
Tão lindo e tão azul!

E a nuvem côr de rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir á sombra dos coqueiros,
As folhas por docel;

E ver se apanho a borboleta branca,
Que vôa no vergel!

Quero sentar-me á beira do riacho,
Das tardes ao cahir,

E sósinho scismando no crepusculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos annos,
Meu Deus! não seja já!

Eu quero ouvir na larangeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
D'um clima tropical,

E sentir, expirando, as harmonias,
Do meu berço natal!

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Minha campa serà entre as mangueiras
Banhada do luar,

E eu contente dormirei tranquillo
Á sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,

E eu sonho no sepulchro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos annos,
Meu Deus! não seja já!

Eu quero ouvir na larangeira, á tarde,
Cantar o sabiá!

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Satisfez-lhe Deus o ardentissimo desejo! foi no Brazil que elle expirou, foi entre as mangueiras banhadas pelo luar que o tumulo se lhe abriu.

Este poeta goza no Brazil e em Portugal d'uma merecida popularidade, comprovada pela necessidade da republicação das suas poesias. A edição, a que estas pobres paginas servem de prefacio, é o mais completo monumento que se tem erguido à Casimiro d'Abreu. Contem não só as poesias e as prosas publicadas nas outras edições, a collecção dos juizos criticos que sobre elle se publicaram nos jornaes brazileiros, mas tambem o Camões e o Jáo, scena dramatica, que em Lisboa fez representar, e que foi coroada de applausos, e um fragmento d'um romance publicado na Illustração luso-brazileira, que a sua partida para o Brasil, e depois a morte interromperam. Este romance intitulava-se Camilla, Memorias d'uma viagem. É isto o que torna mais apreciavel esta edição e o que em parte compensa para os leitores o serem substituidas as formosas paginas do sr. Ramalho Ortigão por este modesto prologo que vai assignado por

M. PINHEIRO CHAGAS.

CASIMIRO DE ABREU

I

Vou reavivar em breves traços a memoria de um joven illustre. O Brasil, que tem visto desfolhar-se tantas esperanças em flôr, collocava-o entre os talentos de maior futuro. Não contava com o vento aspero e ardente do seculo, que secca e abraza todos os espiritos nobres, que os arroja, por desfastio, ao gozó immoderado, e após á doença e ao tumulo em idade prematura! Quantos poetas de vinte annos, almas illuminadas por um ideial impossivel, não têm passado por ante nós, que os excedemos tão pouco na idade! Alvares de Azevedo, Gonçalves Braga, Macedo Junior, Junqueira Freire, e outros companheiros d'armas, cedo tiverão a lage do tumulo por leito de campanha, a eternidade como realização de ideial, a gloria posthuma como consagração do merito!

Quereis a decifração do enigma d'esta tuberculisação do corpo social, que vê morrer tão cedo os seus pensadores mais distinctos? Procurai-a na ausencia das crenças moraes, que começa por tirar-nos do coração a religião da mulher, e acaba por enregelar-nos o leito funebre com a negação de Deus. Os utilitarios, profundos machinistas da sociedade, que a querem concertar com peças de sua invenção, esquecerãose de que, deixando a mão de Deus de ser o impulsor, era a dissolusão certa e inevitavel. Entendêrão que o dinheiro era uma base tão legitima como a abnegação, e derão-nos em troca da litteratura o jornal commercial, do amor desinteressado o casamento por conveniencia, do templo orthodoxo o palacio da Bolsa. E, quando uma cabeça altiva se ergue no meio d'esta sociedade atacada de anémia, perseguem-a os

motejos dos homens positivos, parvos inventados por este seculo de progresso material, que têm o privilegio, sobre os antigos parvos, de serem, não a excepção, mas a regra geral da sociedade.

Poesia! moeda que não tem curso nas bolsas bordadas das meninas de quinze annos, que os homens de estado, mercadores de consciencias, repellem com o pé, que os padres, adoptando o estado ecclesiastico como officio, proscrevem dos seus templos; onde irás achar um abrigo? Onde irás tu, fiIha querida dos seculos de crença, enxugar a tunica alagada pelos suores de tua longa peregrinação? Quem te dará o pão da compaixão, um céo que não tenha fu:no industrial, um gabinete litterario sem discussão de cotações mercantis?

Eras em tempos melhores a querida das damas. Davão-te o regaço por almofada, premiavão-te com doces beijos, querião-te para companheira da solidão. Os circulos azues em volta aos olhos, a languidez dos cilios, o desfallecimento dos passos, eras tu quem os causava. Agora as damas acordão á vida real ao tinir das moedas de ouro, têm o Potosi como retiro ideial, e um velho barão, rico de dinheiro e parvoice, como suspirado Amadis. Para ellas os romances francezes da escola degenerada do segundo imperio são os de maior attractivo. Não ha alli a perspectiva de immensos cabedaes, bem ou mal adquiridos; não se pintão alli ao vivo, sem véo, sem recatos inuteis os gozos venaes, complemento de uma educação sem ideialismo? Bobos de nova especie, os principes do talento, os queridos da phantasia, substituirão para estas damas os anões e insensatos da velha sociedade. Brincão com seus affectos extremosos, riem-se de suas crenças, e põem-lhes sobre a fronte, em vez da corôa de louros, o barrete ignobil do caturra. Quando passa um poeta, enigma para estas aimas pervertidas, apontão-o ao dedo como um ente curioso. De que planeta cahiu, em que familia zoologica se deve classificar, em que idade ante-diluviana forão creados os seus progenitores? Eis as perguntas que as meninas positivistas mutuamente se dirigem. Mas a curiosidade, qualidade opposta ao calculo utilitario, cessa em breve; tornão às suas contas de arithmetica, e so se lembrão do pobre poeta quando de passagem o encontrão, para dar-lhe, em troca dos olhares, um risiubo de mofa.

Pobre sociedade, pobres educadoras futuras das almas inexperientes!

É este o mal que tem consumido cedo todos os espiritos

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