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AS PRIMAVERAS

DO

SNR. CASIMIRO DE ABREU

Nos dias de prosaico positivismo em que vivemos, acabam as letras brazileiras de receber mais um mimo.

O snr. Casimiro d'Abreu acaba de publicar as suas Primaveras. Cumpre ser moço, na verdade, para no meio da indifferença que enregela a sociedade, no meio do borborinho metallico que sôa a todos os ouvidos, levantar a voz sonora e dizer a essa sociedade egoista-Attendei-me!-vou cantar os segredos de ternura da alma humana; vou expôr-vos na lingua a mais doce e harmoniosa os sentimentos que estão nos vossos, como estão em todos os corações, mas de que tão accuradamente vos distrahis.-Cumpre ser moço para tental-o, e cumpre ter recebido do céo essa sublime inspiração, que constitue a verdadeira arte poetica, para conseguil-o. O snr. Casimiro d'Abreu o conseguiu; seus versos são fluentes, ricos de melodia, apropriados ao assumpto, doces como elle. Qual é o assumpto? Podeis perguntal-o? O que pode cantar um moço senão o que lhe transborda do peito?-0 amor.

A saudade da patria, a confiança nos destinos d'ella, a saudade da familia, a lembrança do affago materno, do berço do irmão, tudo isso inspira o poeta: tudo quanto é sentimento terno acha-se no seu thesouro. É porém o amor o que mais constante lhe faz vibrar o coração, e a menor leitura do livro basta para mostrar que é escripto com o coração.

Não lhe escaceando o devido tributo de louvor e d'animação, a nossa imprensa deve mostrar ao joven poeta que nem tudo está tão frio, nem tudo é tão indifferente como parece: aqui e alli ainda batem corações sympathicos a todos os sentimentos nobres, nobremente exprimidos, e não faltam espiritos que prezem e cultivem as bellas letras.

Se para esses quizer viver o snr. Casimiro d'Abreu, se tiver a coragem de dizer aos mais -Odi profanum vulgus et arceo,-animações lhe não hão-de faltar, é longe de retirar-se da liça, depois de tão bella estreia, accrescentará mais cordas á sua lyra, aproveitará o raro talento de metrificação que mostra possuir, em alguma composição de mais alento. Para então o aguardamos nós; que hoje com tanto prazer lêmos os seus versos e os acceitamos como um agouro ou uma promessa, para collocal-o na primeira linha dos nossos vates e mostrar com analyse de critico os seus titulos a essa gloria.

14 d'outubro de 1859.

DR. JUSTINIANO JOSÉ DA ROCHA.

CASIMIRO DE ABREU

PRIMAVERAS

Quereis por ventura vaguear livremente no meio de sonhos e flores, entre sorrisos e galas n'esse jardim sempre viçoso, que se chama mocidade? Quereis, pondo de parte o mundo e suas theorias positivas, embalar-vos por alguns momentos nos braços da phantasia ás melodias ternas e queixosas da lyra do coração? Quereis levar algumas horas pensativo e mudo, bebendo a vida em um raio ardente do sol dos tropicos, a esperança no anil do céo e o amor nas nuvens douradas que brincam no horisonte?

Com a mão no peito e a franqueza nos labios, ninguem. ousará dizer

não.

Moço ou velho, alma cheia de fogo ou coração enregelado, todos amam no fundo a natureza com suas festas, a vida com seus esplendores e a mocidade com seus devaneios. Se assim é, abri comigo as Primaveras de Casimiro d'Abreu.

Juvenilia! Juvenilia! dizia um poeta latino ao recordar-se das lastimosas apparições, que nos arrancam dos sonhos pueris da primeira idade, e das concepções fogosas que brotam do cerebro e do coração do mancebo. Juvenilia! Juvenilia! é a voz de todos.

Aquelle, no verdor dos annos, com o olhar illuminado pela esperança e tentando ávidamente rasgar o véo que lhe encobre o futuro, pronuncia essas palavras sagradas; bem como este, que, de cabeça encanecida e fronte sulcada de rugas, se volve com saudade para os destroços d'um passado morto e se lembra das flores que ha muito murcharam.

Hymno de enthusiasmo ou elegia funebre, o grito é o

mesmo.

Aquelle outro deixa escapar essas vozes sentidas na solidão da floresta ou no silencio de seu gabinete; para o mundo

seu rosto é calmo, sua falla firme, e a alma não se desenha na pupilla dos olhos.

Este não escreve a divisa na bandeira altiva, e não tem medo que o sol venha alumial-a.

Alli a concentração e o mysterio, aqui toda a expansão de uma alma virgem, porém sempre juvenilia! juvenilia!

No livro de Casimiro d'Abreu encontram-se bellas variações sobre esse thema universal. Folheai essas paginas singelas, vosso coração baterá, muitas e brandas imagens virão cercar-vos; Primaveras é uma obra escripta com toda a sinceridade d'um coração novo e ao fogo d'uma imaginação incendiada. Ao traçarmos estas linhas não temos em mira escrever uma critica: é mais modesta nossa aspiração.

Relatar puramente as ideias que nos suscitou a leitura d'esses versos é tudo que almejamos. É a confissão franca das differentes sensações que de nós se apoderaram quando seguimos o poeta no paiz encantado de suas Primaveras, confissão simples, é verdade, porém cordial.

As Primaveras formam uma collecção de harmonias singelas, como é singelo o coração, e ao mesmo tempo ardentes, como é ardente a febre: são cantos da mocidade.

Quando se abandona o collo de uma mãe querida, e se entra no mundo, scena grande, cheia de luzes e de bulicio, a commoção é violenta, a alma estremece e... e começam os sonhos. E como é bello sonhar!

A imaginação cria um mundo á parte, rodeado de horisontes todos novos atira-se por ahi além, rindo e folgando, seguindo seus caprichos de menina voluvel; na voz da brisa escuta harmonias do céo e vai trocando ternos olhares com alguma virgem que ella mesma ideou e que só ella vê.

A par dos sonhos, apparecem as primaveras d'essas scenas, que fazem esquecer as dores d'uin passado inteiro, cobrem de flôres o presente e tornam-se uma fonte inesgotavel de magoas para o futuro.

Scenas como todos almejam e como alguns apreciam. São lindas paizagens do Chanaan dos amores, os caminheiros do deserto as avistam de longe, e felizes aquelles que chegam at gosar as suas delicias!

Se tudo isso, porém, vive e palpita no bello livro de Casimiro d'Abreu, não faltam as cores sombrias. Que quereis? No sorrir do mancebo apparece ás vezes uma contracção ironica, um vislumbre de tristeza, fraco lampejo d'alguma dôr

secreta.

Nas primaveras ha flores sepulchraes ao lado de flores festivas.

No primeiro livro ha d'esses versos que brotam do coração, quando pelo cahir da tarde a doce virgem da melancholia nos vem enlaçar em seus braços. Derrama-se então muita lagrima; porém são lagrimas que alliviam e consolam; a melancholia é uma bella companheira.

Por isso tambem não é das harmonias que ella inspira, que fallamos presentemente, mas sim da ultima parte do volume, e sobretudo do Livro Negro, onde se percebe o cunho d'uma idéa grave e um espirito sob a impressão d'algum sentimento triste.

Leopoldo Roberto achava-se um dia entregue aos mais agradaveis sonhos de ventura, seu rosto era altivo, seu olhar brilhante; tomou o pincel e desenhou com effusão a linda scena-Le carnaval de Venise. Dias depois o artista esmoreceu, e sobre a mesma tela, mesmo em cima d'aquellas figuras alegres, pintou-Le depart des pecheurs.

Foi um sorriso suffocado por um soluço, diz Pelletan, o narrador d'esta scena. Casimiro d'Abreu, depois de cantos de vida e amor, escreveu o Livro Negro. São suas ultimas vozes, e por isso fecha-se o livro das Primaveras com o coração mergulhado em tristeza.

Porém não importa; iremos ouvindo as suas canções, embora depois os eccos funebres nos arranquem dos sonhos. O poeta colloca o ramilhete de suas flores sob o olhar terno e compassivo: esse olhar será seu talisman, seu palladium, e ao terminar, assim diz:

«Se entre as rosas das minhas primaveras
«Houver rosas gentis de espinhos nuas,
«Se o futuro atirar-me algumas flores,
«As palmas do cantor são todas tuas.>>

A prece já foi murmurada, agora póde a lyra entoar seus

cantos.

O livro primeiro das Primaveras tem um tom dominante, que é a saudade. A saudade não tem dous sentidos. Não é a tristeza que, desenhando-se no rosto d'aquelle que abandona o berço natal, desapparece quando desapparece a sombra do amigo, que da praia acena um adeus; não é a tristeza que some quando se somem as serranias nos confins do horisonte. A saudade é outra.

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