Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

«Tudo me roubam meus crueis tyrannos:
«Familia, amor, felicidade, tudo!

«Palmas da gloria, meus laureis do estudo,

«Fogo do genio, aspirações dos annos!...>>

É formoso e doe esse grito d'uma grande alma, que não póde voar aonde aspira, por medo de abandonar de todo aquelle corpo debil e já vergado, como a palmeira do deserto ao sopro do simoum.

Casimiro, o author das Primaveras, entrou hontem no mundo com as mãos cheias de flôres, que hoje, ainda verdes e perfumosas, lhe servem a adornar a campa.

Como Alvares d'Azevedo, a victima de si propria, como Junqueira Freire, o martyr do claustro, como Dutra e Mello, como Macedo Junior, a creança de quinze annos, que sahiu do berço para entrar no tumulo, espalhando assucenas no caminho,-Casimiro é uma gloria roubada ás letras brazileiras e a todos que fallam a lingua de Camões.

Lamenta-se que a rapidez com que passou na terra o não deixasse perpetuar o seu nome. André Chénier morreu em 1794; e 1819, á frente da 1.a edição das suas poesias, escrevia Henri de Latouche: «André Chénier deixára apenas, na memoria d'alguns amigos das letras, um nome promettido à celebridade. A sua gloria era menos fundada sobre titulos do que sobre esperanças.. Para que, pois, entregaremos os fructos imperfeitos d'esta musa ao risco das nossas preoccupações!»

Mais tarde porém, nas seguintes edições, lê-se: «Hoje temos a certificar immenso successo do seu livro, e a influencia d'um talento, completamente regenerador, sobre o futuro da poesia em França.» Sainte-Beuve o caracterisou; e o desgraçado author da Invention e do Aveugle, o. mimoso e desventurado poeta da Jeune captive, é um dos maiores ornamentos da moderna litteratura franceza, e com Gilbert e Malfilatre forma, no firm do seculo xvii, a trindade dos astros, cujos dous horisontes quasi se tocaram-oriente e occidente. Quem sabe pois se mais tarde, quando a critica se der ao trabalho de ler e meditar os livros de Azevedo, Freire e Abreu não achará muito de bom, que certamente fará mais sintida ás letras a morte prematura d'esses talentos, mas (que-tambem lhes trocará em aureo véo de gloria o manto verde-pallido de esperanças mortas, com que lhes envolvem os versos? Esperemos.

Para mim,-e d'esta vez, pobre exigente, me não contento com pouco,-para mim a musa, que inspirou o Amor e Medo, merece bem as attenções da litteratura patria. E pois que o meu livro buscou protecção no tumalo, fechado apenas, de Casimiro d'Abreu, permittam-me que aquella sua mimosa e doce poesia venha aqui, por unica e emprestada riqueza, perfumar as pobres flôres que lhe offereci. A lua é escura e pede ao sol que a prateie.

Meu Deus! que é doloroso vêr tão verdes annos e tão brilhante porvir quebrarem-se na sombra da sepultura!

E assim, Gonçalves Braga, joven poeta portuguez, um dos companheiros de Casimiro,-fallecido no Rio de Janeiro, aos vinte e dous annos de idade, sob as lagrimas e o tecto d'um illustre litterato, patricio, amigo e, digamol-o, guia e mestre do infeliz author da formosissima nenia a uma suicida! E assim, Antonio Coelho Lousada, poeta e romancista portuense, bem mais rico de talentos que de venturas! E assim, Soares de Passos; e assim tantos!

Uma dor resignada e religiosamente soffrida verte na maior parte dos versos de Casimiro d'Abreu um perfume de melancholia, melancholia que encanta e entristece. Tambem, presentira elle a morte, e, no dia em que dizia o extremo adeus a Affonso Messeder, que no tumulo o precedera de dous annos, prophetisou-a com notavel resignação e singeleza, em um só verso:

«Descansa! se no céo ha luz mais pura,
«De certo. gosarás n'essa ventura

«Do justo a placidez!

«Se ha doces sonhos no viver celeste,
«Dorme tranquillo á sombra do cypreste...
«Não tarda a minha vez!»

Nos ultimos dias de dezembro de 1860, no momento em que principiava a colleccionar e ordenar este volume, recebi a noticia da realisação d'essa triste prophecia. Casimiro de Abreu, o doce poeta das Primaveras, fôra-nos roubado; → não tardou a sua vez! Abri a primeira pagina do livro e consagrei-lh'o. Se uma lagrima nodoou a folha, era de saudade e subiu do coração aos olhos.

+

ERNESTO CIBRÃO.

Veja-se adiante a poesia intitulada «Amor e Medo.»>

*

AS PRIMAVERAS

DE

CASIMIRO DE ABREU

Mais um livro no mundo das letras patrias, mais uma centelhasinha luminosa no céo azul d'esta terra bemfadada, porém eivada já de descrença e desalento no verdor dos annos, porque desprovida d'animação entibiam-se as forças, minguam-se as esperanças e esvae-se a fé no futuro, porque o presente é frieirão e desanimador para tudo, menos para o vapor, que com sua velocidade nos tem trazido o açodamento de fazer fortuna depressa. Collocam-se trilhos ainda sobre pedrouços desabridos, que nos conduzem a Californias e Australias, e deixam-se em desaproveitamento e cobertas d'urzes estradas de boa viação, que nos levem a areopagos, que nos alumiem a intelligencia e que nos enriqueçam as nossas amesquinhadas e esquecidas bibliothecas.

Bem vindo seja pois o livro das Primaveras. Casimiro de Abreu é um operario do futuro, carrega sobre seus hombros um pedaço de cantaria lavrada e facetada a cinzel, que ha de um dia ajustar-se ao edificio da litteratura patria. Mas ai! que The não soprem lufadas desabridas, que desfolhem e matem a florinha, que desabrocha a custo sob a pressão gélida d'uma indifferença esterilisadora.

Thomaz Chatterton morre de cansaço e de descrença aos 17 annos d'idade! Oh! que primavera fora a d'aquelle prodigio sublime de precocidade nos vôos do genio; que decepções não experimentou o archanjo, que d'um céo de sonhos dourados viera conspurcar as azas candidas n'um mundo de loucuras, de torpezas, e desenganos! André Chénier morre aos 32 annos, porque a alma nobre e generosa do poeta la

vrára um protesto solemne contra a sêde de sangue dos monstros da revoiução franceza, e como o cysne nos trances do passamento, soltára as ultimas notas do canto magestoso dos anjos, cercado já do ether luminoso da eternidade, que transmitte de geração em geração o zêlo indelevel da immortalidade e da veneração para as victimas dos homens abastardados de coração e desagradecidos d'animo.

Dutra Mello, Alvares d'Azevedo e Junqueira Freire, passaram como meteóros luminosos em noite caliginosa; mas deixaram apoz de si longo esteiro de luz; seus nomes estão cercados da auréola da gloria, que a não mareia, o indifferentismo dos homens glaciaes, idolatras das divindades dos Midas e dos Cressos.

Ai, não roubem ao poeta seus sonhos dourados; não gastem os perfumes inebriantes da flor de suas crenças; não lhe apaguem o lume que Deus lhe pozera no coração; deixemn'o que viva elle no seu mundo innocente e arrebatador, que o alinde de miragens multicôres, que o povoe de fadas seductoras, que o opulente de pompas e de folguedos, e que dos angulos de seu edificio lhe respondam harpas inspiradas pela melodia, dos anjos, que não deixem morrer os cantos, entorpecidos pelo desalento.

Primavera, época de flôres e de perfumes, symbolo de primicias e de juventude; sendal dourado que esconde entre côres deslumbrantes e phantasticas o inverno de hontem, e que faz esquecer por alguns momentos com suas pompas e atavios o inverno que ha de vir com seus nevoeiros negros, com suas tempestades desencadeadas, com seu descrer, pela desnudez d'alma, que vae colher á farta desillusões esterilisadoras e aborridas.

Primaveras-Eis pois o livro com que nos mimoseia Casimiro d'Abreu. É o repositorio de seus sonhos de poeta joven a quem a natureza deu muito e a arte pouco, porque suas vocações foram transviadas, suas aspirações foram estorvadas; aguia, já na infancia aquilatou suas forças, ensaiou seus vôos, adejou sobre regiões altas e livres, pairou algum tempo, e lá de cima soltou alguns threnos do devanear d'alma do que nascera poeta e queria amplidão para satisfazer á necessidade de seus instinctos; quando porém descera de seus primeiros Vôos, agourentaram-lhe as azas, pozeram-lhe peias, e os vôos ficaram tolhidos pela pressão esmagadora d'uma atmosphera de ferro. Eis Casimiro d'Abreu, eis uma vocação senão perdida porque tudo póde Deus, e muito o genio» ao menos

fanada e transviada pela contrariedade que o tolhe, o enerva e lhe recheia de torturas o coração, que ulcerado, solta gèmidos com Harvey e Eduardo Young em logar de desatar-se em risos e delicias com Moscho, Sapho e Anacreonte.

Como todo o livro de canções, é o de Casimiro d'Abreu um complexo de folhas soltas, póde apanhar-se uma ou outra sem que o vergel soffra em sua symetria e harmonia. A florinha singela e pallida do resedá, a soberba e aprimorada magnolia, a humilde trepadeira silvestre, a explendida e fragrante rosa, a modesta violeta que se esconde, o jasmim d'Italia que se ostenta orgulhoso de seu perfume, tudo se acha ennovelado no jardim, e n'esta agglomeração consiste sua mais aprimorada louçainha, sua mais culminante e seductora belleza.

As canções são inspirações de momento e trovadas de jacto; o objecto que as inspirou embebe-se inteiro nas suas estrophes e fecha-as com o que tem de melhor; não se espaçam, nem se pejam de circumloquios e sobegidões. O azul do céo, o astro do dia, os astros da noite, o alcantil ennegrido das montanhas, a alcatifa verdejante dos campos, o perpassar preguiçoso do regato, que serpêa e rumureja, o mar, que tumultuoso róla incessante suas ondas álvacentas no rochedo da encosta, o bramir do trovão, a brandura das auras matinaes, o gorgeio dos passarinhos, o amor casto e puro, ou antes o ideial do amor. tudo arrebata, tudo extasia, tudo enche o peito do poeta, tudo o inspira.

Cada um d'estes objectos, cada hora de meditação, cada circumstancia da vida, desenham um quadro differencial, modelado diversamente, diversamente colorido, adereçado e recamado com donaires e louçainhas de galas e folguedos, ou com o do e desatavios de magoas e pesadumes. E no entanto as lagrimas teem sua poesia solemne e sublime. A côr melancholica, que repassa o canto, tem tanta suavidade, tanta uncção, que interessa e arrebata. Essa contenção do espirito, que perscruta os entre-seios d'alma, e lhes arranca os segredos intimos, tem tanta sanctidade, que nos desperta tambem sentimentos nobres, porque desapega o homem das impurezas terrestres e o eleva à contemplação do infinito e com ella á ideia suprema da omnipotencia. E no entanto, na placidez, na tranquillidade, no silencio, ha muita poesia. O arrebol duvidoso que precede o bruxolear da manhã, tem mais poesia que o sol no meridiano opulento de raios deslumbrantes; a sua côr de prata subindo vagarosa pelo campo azul do céo

« VorigeDoorgaan »