Os dias na esperança de um só dia Passava, contentando-se com vel-a: Porém o pae, usando de cautela, Em logar de Rachel lhe deu a Lia. Vendo o triste pastor que com enganos Assi lhe era negada a sua pastora, Como se a não tivera merecida;
Começou a servir outros sete annos, Dizendo: Mais servira, senão fôra Para tão longo amor tão curta a vida.
Obras de Luiz de Camões. Lisboa, 1852 Soneto 29.o, pag. 19.
Alma minha gentil, que te partiste Tão cêdo desta vida descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento ethereo, onde subiste, Memoria desta vida se consente, Não te esqueças daquelle amôr ardente, Que já nos olhos meus tão puro viste. E se vires que póde merecêr-te Alguma cousa a dòr que me ficou Da magua, sem remedio, de perder-te; Roga a Deus que teus annos encurtou, Que tão cedo de cà me leve a vêr-te, Quão cedo de meus olhos te levou.
O mesmo-Soneto 19.o, pag. 14.
A constancia do sabio superior aos infortunios
Em sordida masmorra aferrolhado,
De cadeias asperrimas cingido, Por ferozes contrarios perseguido, Por linguas impostoras criminado:
Os membros quasi nús, o aspecto honrado
Por vil boca, e vil mão roto, e cuspido, Sem ver um só mortal compadecído De seu funesto, rigoroso estado:
O penetrante, o barbaro instrumento De atroz, violenta, inevitavel morte Olhando já na mão do algoz cruento:
Inda assim não maldiz a iniqua sorte, Inda assim tem prazer, socego, alento O sabio verdadeiro, o justo, o forte.
Poesias de Manuel Maria de Barbosa du Bocage. Lisboa, 1853-tom. 1, pag. 169.
Contradicções do Atheismo
Qual novo Orestes entre as Furias brada, (213) Infeliz, que não crê no Omnipotente;
Com systema sacrilego desmente A rasão luminosa, a fé sagrada:
Tua barbara voz iguale ao nada
O que em todas as cousas tens presente; Basta que o sabio, o justo, o pio, o crente Louve a mão, contra os maus do raio armada.
Mas vê, blasphemo athêo, vê, monstro horrendo, Que a bruta opinião, que cego expressas,
A si mesma se está contradizendo:
Pois quando de negar um Deus não cessas, De tudo o inerte acaso auctor fazendo,
No acaso, a teu pesar, um Deus confessas!
O mesmo- Soneto 4.0, pag. 172.
Meu ser evaporei na lida insanapol
Do tropel de paixões, que me arrastava; 19nd Ah! cego eu cria, ah! misero eu sonhava ail off Em mim quasi immortal a essencia humana:
De que innumeros sóes a mente ufana Existencia fallaz me não dourava! Mas eis succumbe natureza escrava Ao mal, que a vida em sua origem damna. Prazeres, socios meus, e meus tyrannos! Esta alma, que sedenta em si não coube, No abysmo vos sumiu dos desenganos:
Deus, oh! Deus!... Quando a morte á luz me roube, Ganhe um momento o que perderam annos, Saiba morrer o que viver não soube..
Já Bocage não sou!...A cova escura Meu estro vae parar desfeito em vento... Eu aos Ceus ultrajei! O meu tormento' Leve me torne sempre a terra dura:
Conheço agora já quão van figura! Em prosa e verso fez meu louco intento: Musa!... Tivera algum merecimento, Se um raio da razão seguisse pura!! Eu me arrependo; a lingua quasi fria Brade em alto pregão á mocidade, Que atraz do som phantastico corria:
Outro Aretino fui... A sanctidade (214) Manchei!.. Oh! Se me creste, gente impia, Rasga meus versos, crê na eternidade!
Defender os patrios lares
É dos Lusos valorosos luft
Fernando avilta o brazão De eternos avós herdado; Fernando, a delicias dado, Perde gloria, e coração: Eis o primeiro João
Surge fausto entre os azares; Dissipa torpes pesares, E vae co'a tremenda espada, Co'a gloria resuscitada Defender os patrios lares.
Correm tempos, e o destino De Lysia outra vez se altera; No berço Bellona fera Bafeja real menino: (215) Cresce, e infausto desatino O move contra Mulei: Ai! segue-o submissa grei, Lusas mãos pendões desferem, E até na injustiça querem Dar a vida pelo Rei.
Cáe o moço miserando Sobre as barbaras areias: Rebenta o sangue das veias, Inda victoria anhelando, Ferreo jugo, intruso mando Nos turva os annaes lustrosos: Serie de tempos nublosos, Que a Roma cadeias lança,
(Bem como os da gloria) herança É dos Lusos valorosos.
Rompe em fim de Lysia o somno Alto impulso repentino,
E o renovo bragantino Reluz no remido throno: Oh! Lusos! Celeste abono Verificae, merecei:
Duro assalto removei; Jus vão dão para a victoria,
Um Déus, a razão, a historia,
Caracter, costume e lei.
Poesias de Manuel Maria de Barbosa du Bocage. Lisboa, 1852 tom. 3.o, pag. 267.
«Prazer! Prazer! oh! falso, oh! bandoleiro! «Que fugindo te ausentas
De nós sem saudade, e tão ligeiro; As penas nos augmentas,
«Se, mal que te acolhemos, já nos deixas.>> Eis que o lindo Prazer tão suspirado
Me responde: «-Que vãs são tuas queixas! «Aos Numes graças rende, que hão creado «O Prazer breve: que, a ser eu comprido, Me houveram (certo) para si retido.»
Obras completas de Filinto Elysio (Francisco Manue do Nascimento), Pariz, 1817- tom. 1.o, pag. 141.
Amo-te, oh! cruz, no vertice firmada De esplendidas egrejas; Amo-te quando á noite, sobre a campa, Juncto ao cypreste alvejas;
Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos, As preces te rodeiam;
Amo-te quando em prestito festivo
As multidões te hasteiam;
Amo-te erguida no cruzeiro antigo, No adro do presbyterio,
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