Arthur. Amigo Aprigio Fafes, de Theatro Bem te podes deixar; assás nos bastam Os Theatros, que temos em Lisboa: Nem tudo ha de ser Operas ou Comedia. Eu caso com Aldonsa, e doto Branca: O noivo, lá o busca; pois conheces Os bonifrates de chapeo pequeno, De rabicho, e casacas estiradas,
De que gostam as moças deste tempo.
Aprigio. Inda o Fado não quer, inda não chega A epoca feliz e suspirada,
De lançar do Theatro alheias Musas, Vós, Manes de Ferreira, e de Miranda: E tu, ó Gil Vicente, a quem as graças Embalaram o berço, e te gravaram Na honrada campa o nome de Terencio; Esperae, esperae, qu'inda vingados, E soltos vos vereis do esquecimento. Illustres Portuguezes, no Theatro Não negueis um logar ás vossas Musas; Ellas, não as alheias, publicarão De vossos bons Avós os grandes feitos, Que eternos soarão em seus escriptos: E podeis esperar paga tão nobre, Se detestando parecer ingrato, Lhes defenderdes o paterno ninho, E quizerdes com honra agazalhal-os.
Obras Poeticas de Pedro Antonio Correia Garção. Lis- boa, 1778-pag. 206.
Braz Carril e Gil Eustote
Braz. Entendes, Gil Fustote, o que te digo? Entendo, entendo: dizes que partida Hoje em casa terás ou assembléa ; Amigo Braz Carril, estas galhofas, Jantares e merendas são o fructo Da reloucada teima de fidalga
Com que tua mulher sagaz te enloixa, Ou te embrulha na rede em que perneias: Compaixão, grande compaixão me deves, Partidas! Assembléas! que mania! Braz. E chamas tu mania, Gil Fustote, O viver como vive a gente séria Hoje em Lisboa? grandes e pequenos Todos querem gozar das suas delicias, Do suave prazer da companhia. Sem esses bons prazeres e delicias Nossos avós, e nossos paes viveram Fartos, alegres, ricos e contentes.
Braz. Ora já que traziam retorcidos
Os grizalhos bigodes; estirada
A esqualida guedelha; no pescoço
Crespas golilhas; gorra na cabeça;
As calças retalhadas e pantufos; (284)
Não tragas tu casaca e cabelleira,
Nem ates com fivelas os sapatos.
Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes.
Não vês no frio inverno ao tronco annoso
Cair-lhe as múrchas cans, e quando torna
A fresca primavera verdejarem,
Cubertos de mil folhas, novos ramos?
Assim as modas são, assim os usos:
E devemo-nos todos sujeitar-nos
A tão perpetuas leis da Natureza.
Amigo, amigo, estás perdido... doudo... Com os olhos abertos.
Nem quero governar a casa alheia: Fica-te em paz com tuas assembléas, Pódes sem mim fazer a synagoga. Caro Fustote, espera que não posso... Eu não canto, nem sou árreburrinho: Pouco gosto de chá, menos de jogo: Falta cá não farei: adeus, amigo. Braz. Espera, espera, podes divertir-te, Ouvindo duas arias, temos doce, E doce delicado se quizeres. Não caio nesse anzol.
Dize, que mais queres?
Braz. Eu queria pedir-te algum dinheiro,
Porque estou sem real: olha em que dia! Pois a perpetua lei da Natureza,
Que murcha as folhas, e que traz partidas, Não dá tambem dinheiro para o gasto? Braz. Amigo Gil Fustote, eu pouco peço; Dá-me sequer, seis mil e quatrocentos: Acode-me; e conforme o nosso ajuste, Sete e duzentos lançarás na conta. Seis mil e quatrocentos! Quem m'os dera! Não me pagam tão bem os meus foreiros: E a divida vae já de foz em fóra.
Mas vejo o grande aperto... Toma. . . escuta : Eu chamo a Deus dos Ceus por testemunha Sem juro te levar, sem interesse
De tão forçosa vexação remir-te;
E que o pouco que mandas que accrescente A nossa conta, é dado, e não por força, Sim, de livre vontade. Adeus, amigo, Que vou vestir-me, e logo torno.
Para sequilhos, chá, café e cartas, Falta só para luzes. Que remedio! Recorro ao coscorrinho da senhora, Que é fonte limpa. D. Urraca... Urraca.
Urraca. Assim se chama, Braz, uma fidalga? Braz. Perdoa, filha, que hoje não me lembro Nem de excellencias, nem de senhorias: Mandando á via estou a nau ronceira Com vento escasso, e com estofas aguas. Urraca. O rato sempre foge para a palha; E preto velho não aprende lingua. Braz. Que vens a dizer nisso? que me esqueço De etiquetas, mesuras, cerimonias, E mais ritos e leis da fidalguia,
Com que queres, Urraca, ser tractada? Ou entendes que meus progenitores Descendem de outro Adão, e que não foram Por seus honrados feitos estimados,
Bons vassallos fieis e servidores? Urraca. Tem bem que ver Carris com Azevias, Por linha masculina descendentes De Principes, de Reis, Imperadores, E que até nos colchetes dos costados Tem mitras e roquetes!
Basta, basta! Senhora, excellentissima senhora, D. Urraca Azevia! mas menina, Vamos ao caso: falta para a noite
Dois arrateis de velas... Eu não posso...
Urraca. Queres, já sei pregar-me esse callote. Braz. Não é callote, que pagar prometto. Urraca. Quando tiverem dentes as gallinhas; Mas para que conheças que não falto Quando é preciso, mandarei buscal-os. Braz. Onde mesas não ha, não ha cadeiras, Colheres, castiçaes, pratos, bandejas, Querer dar assembléas, e partidas, É nadar sem bexigas.
Mas com labia Tudo se vence, tudo se consegue; Porque a gente ordinaria agazalhada Com uma tal lhaneza, facilmente Deixa cardar a lan. Anda o dinheiro Pelas mãos de villões contra vontade; E, como galgo em tréla, cubiçoso De entrar nas algibeiras de fidalgos, Para brilhar com pompa e luzimento Em ricas mezas, em custosas galas. Braz. Ah! vossa senhoria ou excellencia,
É perdida entre nós: que san doutrina, Que politicas maximas de estado, Caindo não lhe estão por entre os dedos, Que florente não fôra o vasto imperio Das fulas Amazonas, se o regêra (285) Tão gentil coração, alma tão nobre! Urraca. Só me julga capaz de mandar gente Tão çáfara e boçal? Negros, Tapuias? (286) Agradeço-te, Braz, o bom conceito, Que tu fazes de mim: bem me conheces, Se fosse outra qualquer dessas que campam Por lettradas, que gostam de ouvir versos, Que os repetem, que os fazem, se l'hos fazem, Dessas...
Um gallego com uma teiga, e os mesmos
Gallego. Aqui, senhor, manda meu amo Senhor Jacob Bilhostre, o que se pede; Vem oito castiçaes; diz que tesoura
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