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Ver o que engeito, e não o que appeteço,
Que neve fria, que amorosa fragua!
Imaginar-me livre, e estar captiva,
Que doce imaginar, que pena esquivą!

LXXX

Não me posso pintar como me sinto,
Ai nobre sentimento, ai vil mudança!
Pinta-me lá, qual eu de cá te pinto,
Ah! pintura mortal! ah! cruel lembrança!
Considera-me n'este labyrintho,

Oh! Theseo, corre, oht vem tomar vingança;
E se a matar-me vens, não venhas tarde,
Que espero morrer presto, o Ceu te guarde! (294)

Resposta de Eurilo

LXXXIII

Esposa d'alma, já do corpo esposa,
Esposa alheia, de honra despojada,
Casta Lucrecia, que Tarquinio gosa,
Helena, que um traidor levou roubada,
De Lusitania, Grecia bellicosa,
Carpentania será Troia abrasada,
Soverta-se o Illião, como Ghomorra,
E morra Menelau, sou Páris morra (295)

LXXXV

Ditoso aquelle, que não é ditoso,
Que grande dita é nascer sem dita;
Porque aquelle, que sobe a venturoso,
Nunca vive seguro da desdita.
Sem grã dita não ha grã desditoso,
Pois para o ser de ditas necessita;
Toda a desdita, toda a desventura,
Que tenho, me nasceu de ter ventura.

LXXXVI

Nunca a tivera, nunca a Ormia vira,
Nunca no fatal Circo a defendera,
Nunca do valle tragico saira,
Alli morrera então, e ella morrera:
Que se a tão alto estado não subira,
A tão subida affronta não descera,
Mas posto que em a ter culpa não tive,
Vingue-se, ou morra quem sem honra vive.

Viriato Tragico por Braz Garcia Mascarenhas. Coimbra,
1699-pag. 484.

JORNADA 1_a

De Lisboa para Coimbra

Romance

O Senhor da Esphera quarta (296)
Mais armado, que o da quinta (297)
Pois sempre traz a pessoa
Dentro n'um sino mettida, (298)
Ouro brilhante pezava,

Que foi nascido nas Indias,
Ouro fino para Daphne,
Bem que Daphne lhe pôz liga.

Não puro para jacintho,
Pois dizem prender queria
Em seu ouro amartellado
Jacintho por pedra fina. (299)
Porém façamos já poncto,
Que não quero que se diga
Vae minha Musa com pezo,
Mas que não vae com medida.

Pezava todo o seu ouro A Deidade sobredita,

E por signal que pezava
Todo o seu ouro uma libra. (300)
Quando (não ouvida magoa)
Parti (não dita, desdita)

De Ulyssea, ai Ulyssea!

Para Coimbra, ai Coimbra!czko
As meninas dos meus olhos.
Choravam como meninas
Pedaços d'alma, que então.
De cantaro parecia.

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Perlas netas não choravam, Que como são tão tenrinhas, Inda não tem perlas netas, Apenas tem perlas filhas.

Dava-me a agua pela barba,
E creio se affogaria

O meu rosto, se o meu rosto
Não nadára com bexigas.

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Mas ab! sim, que o dia e hora
Da jornada me esquecia,
Porque sobre ingenium tardum
Sou tambem memoria infirma.
De outro dia me parece
Que foi aquella hora esquiva,
Pois foi a hora de terça,
Sendo da segunda o dia.

Se quereis vèr meu alforge,
Ouvi minha poezia,
Que se não daes audiencia,
Mal vos poderei dar vista.
Tres aves, que n'um só valle
Fiz eu despachar da vida,
Matei; mas não foi façanha,
Porque emfim eram gallinhas,
Mais um, que qual verso culto
Dente de coelho tinha,
Animalejo tão rico,

Que tem em casa uma mina.

O grão Diogo Ferraz,

A quem Castella inimiga-
Mais que bravo no appellido

Viu bravo na valentia.

Seis queijos para meus queixos

Me deu com grão fidalguia,
E foram para a memoria
Não achaque mas mėsinha.

Os doces vos não descrevo,
Pois bem vedes que convinha
Levar alforges de doces
Um engenho da Bahia.

Só caminhei duas leguas
E porque rifões desminta,
De vir mal acompanhado
O vir tão só me não livra.
Na Boca de Sacavêm
Encontrei linguas malditas,
Que mais que a Boca de larga,
Tinham ellas de compridas.

Rico fôra o meu barqueiro

Mais que Cresso, mais que Midas, (301) Se recolhera de juros

O que de juras dizia.

Reinava no mar um vento Daquelles, que Camões pinta, Tão valente, que de um sopro A mil velas mataria.

Para reparar seus golpes
Puz uma gorra de friza,
Mas elle se fez tão facil,
Que de gorra se mettia.

Tomei terra, achei pousada;
Chamei, respondeu Maria,
Poz-se a meza, e sobre' a meza
Pão de segunda, e de prima.
Agora, Apollinho, agora
Mandae, meu louro, que assista
A poeta comedor

Uma Musa comesinha.

Comi dous Sanctatoninhos
Com uma fome excessiva,
E ser então papa Sanctos -
Não foi certo hypocrisia.
Despachei o pão primeiro,
E o outro, que se seguia,
Não estava todo trigo,
Vendo fome tão canina.

Pedi mais peixe, mais peixe
Poz rebolindo a mocinha
Pescada partida em postas
E pela posta comida.

Cuidareis lendo meus versos,
Que jantei com alegria?
Ah! que levei muitos tragos
Por certas rasões que tinha!
Acabo pois de jantar,
Nesta rima, e nesta rima
Basta dizer a Deus graças,
Sem que aos homens graças diga.
, Cavalguei n'um macho negro,
Que já ser branco podia,
Posto que está nos seus treze:
Bella idade para Nympha!

Caminhei de espora e botas,
E sempre o moço dizia
Nas tabernas: Lança, lança;
Nas estradas: Pica, pica.

Tambem fui só nesta tarde
Sem encontrar alma viva,
Marianno do deserto,
Não Padre da Companhia.

Perguntei: Ha que comer?
Respondeu-se: Ha azevias:
E temi, porque não são
A negros muito propicias.
Comtudo doze comi,

E dando-mas mui bem fritas,
Me admirei de vir tão quente
Peixe, que tão fresco vinha.
Eram valentes as doze
Ás doze mil maravilhas,
Mas eu as deixei tão fracas,
Que foram postas na espinha.
N'uma caixa de perada,
Bem temperada e bem fina
Já tocava a recolher,
Porque marchar não podia:
Quando vossas saudades,

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