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De allivio e de esperança.&Extincto é tudo
Nesta mansão de lagrimas e dores;

-As letras dizem-tudo; mas a patria
Da eternidade, só a perde o impio.
Deus e a virtude restam: consolae-vos...

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«Oh! consolar-me! exclama, e das mãos tremulas A epistola fatal lhe cae: «Perdido

É tudo pois!..,» No peito a voz lhe fica;
E de tamanho golpe amortecido
Inclina a frente, e como se passara,
Fecha languidamente os olhos tristes..
Anciado o nobre Conde se aproxima,

Do leito... Ai! tarde vens, auxilio do homem.
E já no arranco extremo: Patria, ao menos
Os olhos turvos para o ceu levanta;

Juntos morremos... E expirou co'a patria.

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Um dia, numerosa cavalgada
Apeia-se ao portão,
Limpa-se da poeira, sóbe a escada.
Entra pelo salão.

-«< O senhor D. Martinho d'Aguilar ?» →
-«Eu sou-lhe diz o ancião;

Levanta-se e corteja.

A quem me cabe a honra de fallar?»
-« Justiça de Castella.»

-«Bem vinda seja ella;

E a justiça de mim o que deseja?
Assentae-vos, senhores; nós os velhos,
Temos o triste jus da nossa idade;

Dão-nos a lei os tremulos joelhos. Bildem

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Sentae-vos e dizei.» ))->

Acercara-se o alcaide, e em voz pausada

Disse:

-«Em nome d'El-Rei!

Como pae de D. Jaime d'Aguilar,
Que é reu d'alta traição,

Tendes vossa fortuna confiscada.
Podeil-a resgatar,

Se, vassallo fiel e obediente,
O entregardes á justa punição.»

Como chamma de um raio, de repente
Se apruma o velho tremulo, cansado;
Faisca-lhe nos olhos fogo irado,
No rosto se lhe accende a indignação.
-«Mentis-lhe bradou convulso;-
Mentis senhor D. villão;
Ou não tendes coração,
Ou não lhe pedis conselho;
El-Rei de Castella é nobre,

Não manda insultar um velho;
póde mandal-o ser pobre,

Matal-o á mingoa de pão;

Mas mandar que um pae lhe entregue
Seu proprio filho?!... isso não.
Em nome d'El-Rei?... mentistes.
Senhor alcaide villão.>>-

— « Mais conta em vós, D. Martinho,

Que estaes na casa d'El-Rei!»>

-«Na vossa, lobos famintos,

Bandidos sem fé, nem lei;

Farte-se a Hespanha inclemente
Do povo no sangue quente,
Na carne da morta grei.
Portugal é lauta boda

Onde come a Hespanha toda;
Lobos famintos, comei.
Nesse guarda roupa além
Pende uma farda rasgada
De muito golpe cruzada;
Essa, sim, mandae-a ao Rei:
Valor para vós não tem;
Rirá d'ella a corte nescia,

Como da insignia d'um louco;
Porém se a encarar um pouco
O duque d'Alba, conhecea. (96)
Tive uma espada tambem...
Ai! mas essa, ha quasi um anno,
Dei-a a meu filho Germano,
Que ajoelhado a meus pés,
Pela derradeira vez

A mão paterna beijou;
Nem já sei onde elle pára,
Que a Hespanha, de tudo avára,
De Portugal o roubou.
Ao moribundo leão

Porque lançar mais amarras,
Se perdeu dentes e garras,
Os filhos, o tecto, e o pão?
Eu já saio; antes porém,
Minha filha, o meu abrigo,
Deixae que a leve commigo...
Se a não confiscaes tambem.
Vem, Anninhas, minha filha.
Daes licença aos meus criados?
São meus amigos provados;
Entrae, rapazes, entrae...
Que é isto! prantos aqui?...
De pranto as faces banhadas...
Não envergonheis assim
As minhas barbas honradas!
Cuidado, filhos! valor!

Por tão pouco os ais e o lucto!
Mostrae sempre o rosto enxuto
E a fronte lisa; valor!
Eis-me pobre; tenho apenas
Nesta bolsa alguns cruzados,
Que nem supprem meus desejos,
Nem pagam vossos cuidados.»-

-Nada nos deveis, senhor:»--Bradam em côro os coitados.-Não vos quero envergonhar,

Nem já isto é meu agora;
Mas á fé que ha de raiar
Depois da noite uma aurora
De tremenda punição.

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D. Jayme ou a Dominação de Castella. Poema por Thomás Ribeiro. Lisboa, 1862. pag. 104.

A choça de Mem Rodrigo

Que triste vida na choça,
Que funda melancolia
Que rostos tão macerados,
Que suspiros abafados
Cada noite e cada dia!

Noites de eterna vigilia, Dias curtos para a lida, Recordações da opulencia, Amarguras da indigencia.. Que vida, Jesus! que vida!

Dorme o velho em cama... esplendida

Para uma casa tão nua;

Anninhas n'uma cadeira;
Mem Rodrigo n'uma esteira,
Faz tranca á porta da rua.

Sobre a mesa carcomida,
Um sancto Christo singelo;
Aos pés a Virgem das Dôres,
Que a pobre adorna de flores
Com fervoroso desvelo.

Junto da mesa a costura;
Uma roseira á janella;
Loureiro na cantareira;
E na varrida lareira,

Tres achas e uma panella!

Sacco e bordão de mendigo,

Suspiros a toda a hora;
E este cheiro de limpeza,
Que é o aceio da pobreza
Quando a virtude lá mora.
Tanto que a aurora se erguia,
Ajoelhava a costureira,
Bemdizia o Padre-nosso,
Fazia o minguado almoço,
Regava a sua roseira.

Almoçados os dois velhos,
Um, sobraçando a saccola,
Saúda os seus companheiros,
E lá vae, dias inteiros,
Para os tres pedindo esmola.
D. Martinho vae sentar-se
Bem chegado á costureira,
Como o roble fulminado,
Em terra, secco, prostrado,
Á sombra d'uma roseira.

E ora attento ao seu trabalho A filha abraça risonho,

Ora lhe falla de gloria.
Co'a perturbada memoria
De quem desperta de um sonho.
Depois as sombras confusas

Do seu pesado martyrio,
Toldam a luz cambiante
Dessa razão vacillante,
E cresce, e cresce o delirio!

Sacode os membros moidos,
Rouqueja-lhe a voz quebrada,
E só lhe acalma o tormento
O cantar saudoso e lento
Da filha tão consternada.
Era uma trova que herdara
Na sua materna herança;
Era uma trova que amava,
Porqué sua mãe a cantava,
E era um hymno de esperança:
-«Bem hajas, ó luz do Sol,
Dos orphãos gasalho e manto;
Immenso, eterno pharol,
Deste mar largo de pranto,

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