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E com effeito em quanto os homens (diz o eloquente e mui sensato Robertson) não gozam do beneficio de um governo regular, e de segurança pessoal, sua natural consequencia, é impossivel que elles se occupem em cultivar as sciencias e as artes, em apurar seu gosto, e em pulir seus costumes: é por isso que o periodo de perturbação, de oppressão e de rapina, de que entro a falar, não podia ser favoravel á perfeição das luzes, e da sociabilidade. Um seculo não havia decorrido ainda, depois que os povos barbaros se tinham estabelecido no paiz conquistado, e já os vestigios dos conhecimentos e da polidez, que os Romanos haviam derramado por toda Europa, estavam de todo apagados. Achavam-se cahidas em desprezo, ou se tinham já perdido não só as artes elegantes, de que o luxo se serve, e o mesmo luxo alimenta; porêm até muitas daquellas, a que devemos as doçuras e as commodidades da vida. Nestes infelizes tempos eram apenas conhecidos os nomes de Litteratura, de Philosophia e de Gosto; ou, se delles algum uso se fazia, era para os prostituir a objectos tão despreziveis, que até parece se ignorava em que accepção deviam ser tomados. As pessoas da mais alta jerarchia, encarregadas dos empregos de maior importancia, nem ler, nem escrever sabiam. Muitos dos ecclesiasticos não entendiam o Breviario, que todos os dias eram obrigados a recitar, e alguns havia que nem o sabiam ler.. Tinha-se perdido a tradição dos acontecimen

tos passados, ou era apenas conservada em Chronicas recheadas de circumstancias pueris, e de contos absurdos. Os proprios Codices de Leis, publicados pelas nações, que se estabeleceram nas differentes partes da Europa, deixáram de ter autoridade alguma, e fôram substituidos por costumes vagos e extravagantes. Os póvos sem liberdade, sem cultura, sem emulação, cahiram na ignorancia mais profunda. Por espaço de quatrocentos annos a Europa inteira não produzio um só Autor, que mereça ser lido, ou se attenda á elegancia do estilo, ou á exacção e novidade das i déas; nem se apontará uma unica invenção util ou agradavel á Sociedade, de que honrar-se possa este longo periodo » (a).

Isto não obstante, no espaço de mais de tres Seculos, em que fomos dominados por estas barbaras gentes, não deixou Portugal de contar alguns cultores das Letras, os quaes para aquelles rudes tempos foram águias, mostrando, ainda no imperio das trevas, que tinham olhos intellectuaes bem formados para lobrigar os reconditos arcanos da Litteratura, tanto profana, como sagrada. A cujo proposito é bem de ponderar, que, se no governo da barbaria, e das trevas, Portugueze's

(a) Quadro dos progressos da Sociedade na Europa, desde a destruição do Imperio Romano, até o principio do Seculo XVI, ou Introducção á Historia do reinado do Imperador Carlos Quinto.

Secção 1. pag. 23, &c. Edição de Paris de 1817.

existiram, que, superiores ao seu Seculo, cultivaram com a possivel dignidade o ameno campo da Litteratura; como é crivel, que, imperando as Letras sôbre o throno da Capi tal do Mundo, de que a Lusitania formava uma tão distincta porção (10.), quatro Se culos antes do Periodo, de que vamos tratando, não brotasse do seu solo no governo dos Cesares bôa copia de plantas de sazonados fructos, gloria e esmalte da Litteratura Nacional? E pois mui ponderosa conjectura, em o nosso pensar, aquella que attribue aos tres primeiros Seculos da Era Christãa um numero não piqueno de sabios Portuguezes, dignos de viverem nas paginas da Historia, do que ficaram privados pela ambição e rivalidade Romana, que talvez muito de proposito calou seus nomes, e sepultou nas trevas do es quecimento as suas obras, credôras de melhores destinos.

Destes mesmos luctuosos tempos de dominação Goda conserva-nos ainda a voz da fama os nomes celebres, de um Paulo Orosio Historiador e Theologo, exaltado com os maiores elogios pelo grande Doutor da Igreja Santo Agostinho na carta que por elle enviou a S. Jeronimo, na qual chama ao nosso Orosio ❝mancebo religioso, de vigilante ingenho de eloquencia prompta, ardente e incansavel no estudo das Letras, desejando ser vaso util na Casa do Senhor, para refutar as perniciosas doutrinas dos Priscillianitas, que tinham arruinado mais os animos dos Hespanhoes, do C

que o ferro dos Barbaros os mesmos corpos » (a) (11.a): E em uma outra carta a Evodio accumula ainda maiores elogios sôbre este incançavel heroe do Clero Lusitano (b) (12.a). De um Avito, companheiro de Paulo Orosio em Braga e na Palestina, aonde o tinha levado o desejo de instruir-se com S. Jeronimo, o qual lhe escrevera uma carta (c), para o preservar dos erros do Periarchon de Orige nes, que com ella lhe mandava : foi de mais disto Avito douto na lingua Grega, como o mostra a versão, que fêz, da Carta de Luciano, a qual acompanhou de outra sua para o Bispo Balconio, Clero e povo de Braga, quan do lhe enviou as reliquias do martir Santo Es tevão, que acabava de descobrir o presbitero Luciano (d): De Aprigio ou Apringio Pa cense, célebre theologo (13.): De um D. João, Bispo de Gerona, historiador (14.): De um Pedro Alladio, tambem historiador (15.a) : De Idacio, Bispo de Lamego, ou, conforme a opinião de Du Pin, de Lugo na Galliza, autor de Chronicas (16.a): Eultimamente de S. Fructuoso, Bispo de Braga, sabio theologo (17.): Nomes unicos, mas não desmere cedores de serem postos em memoria, para com elles se occupar o vasio dos nossos fastos litterarios naquellas eras de ferro.

(a) Epist. 166.

(b) Epist. 169.

(c) Epist. 124. ultim. ediç. Veron.
(d) Appendix, Tom. 7. S. Agostinho,

PERIODO III.

Desde o anno 714 até o de 1139,

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Desde a invasão dos Arabes na Hespanha, até á gloriosa fundação da Monarchia Portu gueza.

Ao fatal governo dos Godos succedeo a fatalissima invasão e dominio dos Mouros no anno 714, conforme a melhor computação, Os quaes entraram a executar com todo o furor a conquista da Hespanha; vendo-se logo nos dous annos seguintes a maior parte della e do nosso Portugal sujeitos e subordinados â tirannia dos Arabes, excepto aquellas porções da Galliza e das Asturias, que pela aspereza de suas brenhas foram inaccessiveis ás armas dos invasores.

Com a sua dominação esmorecêram ainda mais e por muito tempo as Artes e as Sciencias sobre o solo da Lusitania; por quanto com tamanho denôdo e pertinacia começou desde logo a nossa luta contra a violenta oppressão dos novos conquistadores, que nos não restou um só momento de brando ocio, para nos entregarmos em pacifico descanço ás do guras e amenidades litterarias: E disto mes

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