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0 que sobre este ponto acaba de aqui se dizer, torna manifesto o fim a que se dirige a presente publicação, que será talvez seguida de outras com o mesmo intuito. Realmente, em nenhum outro ramo do ensino escolar se torna tão sensivel a falta de obras accommodadas ao uso dos alumnos, principalmente a de livros es criptos no idioma patrio.

Uma parte das differentes peças de que se compõe a presente Miscellanea, já estava publicada em diversos periodicos, outras vem a lume pela primeira vez. Para todas pede o auctor a indulgencia. dos entendedores.

Relativamente ao Manual historico da litteratura grega, cumpre aqui advertir que as edições dos auctores classicos n'elle indicadas não são as reputadas melhores pelos bibliographos e pelos bibliophilos, mas sim as que se julgam bastantemente correctas, e de acquisição facil e economica.

Pelo que respeita ás versões de alguns cantos da Divina Comedia incluidas na Miscellanea, alem da importante obra auxiliar recommendada no logar competente, a paginas 159, cabe aqui mencionar, com o devido louvor, um breve, mas substancial escripto do sr. José Maria Pereira Rodrigues sobre o grande poeta. florentino e sobre a sua trilogia. O sr. Pereira Rodrigues havia-o composto em 1861 para dar uma prova da sua applicação, quando frequentava a aula de litteratura moderna do curso superior de letras, então regida, não menos brilhante que desinteressada e generosamente, pelo sr. conselheiro Mendes Leal. Depois o incluiu no numero de outros opusculos e artigos, cuja collecção com o nome de Ensaios litterarios, saíu á luz em 1863, na typographia universal.

HOMERO E DANTE

Entre as duas epopeas de Homero e a Divina Comedia de Dante parece, á primeira vista, difficil achar ponto de comparação. Effectivamente, emquanto ao sujeito, á fabula, e ao plano geral, nada ha menos similhante entre si do que os poemas em que se canta a cholera de Achilles e os errores de Ulysses, e a trilogia do illustre Florentino. A unidade de acção que se observa na Iliada e na Odyssea, a belleza e nexo de seus episodios (sem fallar da maravilhosa execução do mais bem delineado plano) fizeram que o grande mestre, não menos de litteratura que de philosophia. Aristoteles, apresentasse aquellas duas epopeas como typo perfeito e unico do mais difficil e sublime de todos os generos de poesia. Desde então até aos nossos dias, no longo decurso de vinte seculos, de quantos vates aspiraram ás supremas honras do Parnaso, poucos deixaram de propor-se imitar na traça de seus poemas heroicos o grande modelo preconisado, e quasi divinisado, pelo Estagyrista. Todavia alguns houve que, desprezada a trilha commum, se atreveram a perlustrar regiões ainda não devassadas pelos seus predecessores; e pela originalidade de suas concepções se emanciparam da estricta sujeição a regras, que talvez considerassem como arbitrarias, por isso que em si mesmos sentiam os impulsos de um estro que os arrebatava para alem da esphera ordinaria. No pequeno numero d'estes genios independentes e altivolos, mais feliz que todos no exito da empreza, exito applaudido concordemente pelos

litteratos de todos os paizes, avulta, como gigante, o proscripto Gibellino, Dante Alighieri. «Entre a creação do primeiro homem (diz um critico moderno) e as trevas do derradeiro juizo, ha a humanidade: entre o Genesis e o Apocalypse, um livro estava ainda por fazer: este livro é a Divina Comedia. O poema de Dante é uno e trino, á imitação de Deus. Divide-se em tres partes: o Inferno, 0 Purgatorio, o Paraizo -o castigo, a expiação, a recompensa.— A estas tres partes correspondem tres personagens Dante, Virgilio, Beatriz o homem, á rasão, a revelação».

N'este preambulo ao specimen que tenho a honra de apresentar á academia e ao publico, de minhas traducções dos dois vates, Grego e Toscano, não é meu proposito repetir pela millionesima vez os encomios, com que um e outro têem sido engrandecidos e exaltados por tantos e tantos escriptores, alguns dos quaes levaram o fervor do seu culto até aos excessos do fanatismo e da idolatria 1.

1 É geralmente sabido que na antiguidade pagã alguns altares se consagraram a Homero e que d'elle cantou um poeta latino:

«Meruit Deus esse videri;

«Et fuit in tanto non parvum pectore numen. »

Mesmo entre christãos não faltou quem attribuisse ao principe dos epicos não sómente o conhecimento de todas as artes e sciencias, senão tambem o dom da prophecia. Pretendeu-se que os acontecimentos de maior importancia, politicos e religiosos de todos os povos e de todas as idades, se achavam mysteriosamente predictos nos seus poemas. Se assim fosse, pena seria, que tendo nós uma Clavis Homerica para a intelligencia do sentido litteral de seus versos, não possuissemos uma chave para a sublime exegese do sentido tropologico e prophetico dos mesmos versos! Pelo que respeita a Dante, é não menos notorio que os seus cantos foram lidos e interpretados a expensas publicas, por uma serie de expositores (começando por Bocacio) em varias cidades, e ás vezes no sagrado recinto dos templos. Por este modo a obra do proscripto de Florença, que até não houve difficuldade em se qualificar de divina, quasi que foi igualada em veneração, á categoria dos livros inspirados! Os curiosos de historia litteraria tambem não ignoram, que Cecco d'Ascoli (segundo affirmam alguns auctores) foi queimado vivo em Florença, por ter abocanhado a reputação de Dante, já então fallecido. Como contraste a este excesso de supersticiosa admiração, acaba de publicar-se em París um livro (escripto por M. Aroux) em que se pretende provar que Dante föra herege, revolucionario e socialista!!! «Ó creca umana mente, Come i giudizį tuoi son vani e torti !!! »

0

que

tenho em mira é tão sómente declarar o motivo que me levou a occupar-me na tentativa (cuja difficuldade não desconheço) de verter, successiva e alternadamente, alguns cantos dos poemas acima indicados, que ao primeiro aspecto parece não terem entre si a minima analogia. O motivo foi o seguinte. Não obstante essa nenhuma similhança, ou mesmo absoluta differença, entrevi (e julgo que os conhecedores das duas linguas' concordarão commigo) uma notavel conformidade entre a singeleza e naturalidade dos dois estylos, homerico e dantesco. O pertencerem ambos os dois grandes poetas a epochas de civilisação ainda não adulta; sendo o primeiro d'elles, anterior ao seu completo desenvolvimento na Grecia; e o segundo, apenas precursor do renascimento das letras na Italia, explica sem duvida, ao menos em parte, a rasão d'esta singeleza de estylo, igualmente amena e deleitosa no cantor de Achilles e de Ulysses, e no amante de Beatriz. A alguem parecerá talvez um paradoxo caracterisar de singelo o estylo de Homero, que é geralmente havido como inexcedivel exemplar de magniloquencia. Eu me explicarei. Quando qualifico de singelo o estylo de Homero, não entendo fallar restrictamente do genero de elocução simples, que os rhetoricos contrapõem ao temperado e ao sublime; e que sendo proprio dos dialogos e discussões sobre assumptos de pouca monta, deve dominar nas cartas familiares, em grande parte das composições didacticas, nos apologos, nas comedias, etc. Se bem que Cicero falla sempre d'esta especie de estylo com certa complacencia e predilecção; e sem embargo de que todos os litteratos de um gosto apurado, se deliciam na leitura dos escriptos em que reina a concisão, e a pureza e propriedade de dicção, tres qualidades caracteristicas d'este genero de elocução; todavia, forçoso é confessar, que um poema epico, heroico, ou dramatico, em que dominasse exclusivamente um tal estylo, não poderia ser contado entre as obras primas de litteratura de nenhum seculo. A singeleza portanto no sentido em que a tomo aqui, attribuindo-a ás grandes epopeas homericas, e á sempre admirada e admiravel trilogia de Dante, consiste principalmente na naturalidade sempre constante da elocução,

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