23 Respondeu: «Homem não; mas n'outra idade Homem fui, e meus paes, em Lombardia, Mantua tiveram por natal cidade. «A ti convem tomar outra vereda, Respondeu quando viu correr meu pranto, Para a morte evitar, d'aqui te arreda; 32 Que esta fera que assim te causa espanto, Não permitte a ninguem seguir a estrada, E tira a vida a quem se atreve a tanto. 33 Indole tem tão barbara e malvada, Que sempre em devorar põe o sentido, 34 Com varios animaes se tem unido, E com mais se ha de unir: por derradeiro 33 Este, mais que poder, mais que dinheiro, Será Lombardo o nobre cavalleiro. 36 Salvar a humilde Italia eu o diviso, Por quem deram a vida audaz Camilla, Euryalo infeliz, e Turno e Niso. 37 A fera ha de atacar, e persegui-la, Té de novo a fechar no reino impuro, D'onde Inveja a soltára, e assim puni-la. 38 Eu guia te serei, teu bem procuro; Tu seguindo-me vem com peito forte: 39 Onde grita ouvirás de toda a sorte, 40 Outros verás nas chammas confortados, 41 Se aspiras a tão nobre, alta subida, Alma virá do que eu mais nobre e pura, Que seguirás na minha despedida: 42 Pois o supremo rei da empyrea altura, A mim de entrar no céu nega a ventura. 43 Exerce em toda a parte igual direito; 44 Torno-lhe: «Ó vate, a graça me concede (Pelo Deus de que idéa não tiveste, E que este risco e os mais de mim arrede) 45 De levar-me onde agora me disseste, CANTO II ARGUMENTO N'este segundo canto, depois da invocação que os poetas costumam pôr no principio dos seus poemas, o grande vate Florentino diz-nos que, consultando as proprias forças, receava não ter valor bastante para commetter a jornada do Inferno, proposta por Virgilio; mas que este o animára; e assim, vigorado e resolvido, o vae seguindo como a seu guia e a seu mestre. 1 A treva que succede à luz do dia, 2 Eu somente a affrontar então me avanço Que a pintar, com verdade, me abalanço. 3 Musas, e engenho altivolo e facundo, Me ajudai! O que eu vi guardaste, ó mente, «Vate, guia a meus passos complacente, 5 Tu dizes que de Sylvio ao pae prestante, 6 Mas de favor tão raro e assignalado Causa eu posso entrever no grão destino, Que o céu em prol dos seus tinha fadado. 7 Elle d'alta mercê não foi indino, Que a Roma e ao seu imperio o fundamento 8 E ella e elle origem e incremento Tiveram, para ser o logar santo, Do successor de Pedro illustre assento. 9 Por tal ida tão celebre em teu canto, 40 Do vaso de eleição nos é notoria Aida, novo alento á fé sagrada, Que abre o caminho da celeste gloria. 11 A mim quem faz mercê tão sublimada? 12 Se o favor aceitar, que me franqueias, 13 E como quem, perplexo e combatido, 16 Tal eu na encosta, incerto, fiz detença, |