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13

«Se teus ditos entendo com certeza,
Disse do vate eximio a sombra augusta,

De cobarde temor tua alma é preza.

16

O temor aos mortaes bem caro custa

Quando de nobre empreza os dissuade,

Como va sombra que o ginete assusta.

17

Porque futil temor te não degrade,

Dir-te-hei por que vim, e o que hei ouvido, Mal que do estado teu tive piedade.

18

Fui chamado, no limbo onde resido,
Por senhora celeste e mui formosa,
A cujo mando me mostrei rendido.

19

Era a luz dos seus olhos radiosa

Qual do sol o fulgor: tal voz dimana,
Angelical, da boca officïosa:

20

«Ó alma, nobre e meiga, Mantuana Cuja fama no mundo ind'hoje dura, Durará quanto dure a raça humana,

21

O amigo meu, de mim, não da ventura,
Na erma encosta, a subitas, detido,
Atraz, por vão temor, volver procura:

22

Hei medo em risco tal vel-o perdido,
Se tarde chego já para salval-o,
Segundo o que no céu foi referido.

23

Vae, vigora-lhe o peito em tanto abalo,
Com teu suave eloquio, ornado e bello:
Será conforto meu poder salval-o.

24

Sou Beatriz: seu bem procuro e zélo;
A valer-lhe em seu mal amor m'excita,

De sitio venho onde voltar anhelo.

25

Lá na eterna mansão, de Deus bemdita,
Perante elle por mim serás louvado. »
Volvo-lhe alegre por tamanha dita:

26

<«< Senhora, em quem reluz raio sagrado
De virtude, que os bens do mundo inteiro
Sobrereleva, em grau avantajado,

27

Obedecer-te apraz-me, e tão ligeiro,
Que já qualquer tardança me dá pena:
O que desejas sei, nem mais requeiro;

28

Mas dize: Da mansão vasta e serena

A que anhélas tornar, não receiaste
Descer ao centro da mansão terrena?»

29

Volveu-me: «A tal pergunta, e tanto baste,
Em resposta direi, singela e breve,
O porque não me enoja este contraste.

30

Aquillo, e nada mais, temer se deve

Que de damnar tem força; o que não damna,

Só dá susto a quem é cobarde ou leve.

31

Agora a mim, por graça soberana,

Não causa damno o fogo mais activo,
Nem sorte alguma de miseria humana.

32

Gentil dama ha no céu, que o dó mais vivo.
Tem do trance em que luta esse infelice,
E o juiz severo torna compassivo.

33

A Lucia, em seu prol, cuidosa, disse:

«Com prompto auxilio acode ao teu amante, Talvez em risco tal se nunca visse.»

34

Lucía, a quem fereza é repugnante,

Ergueu-se, e ao sitio veiu onde eu sentada.

Estava, de Rachel pouco distante.

35

<< Beatriz, exclamou, de Deus amada,
Perecer deixarás quem te amou tanto,
Que por ti deixar quiz do vulgo a estrada?

36

Não tens piedade do seu triste pranto;
Co'a morte o vês lutar junto à torrente
Que ao mar tributo nega, incute espanto?»

37

Ninguem correu jamais tão velozmente

Em seu prol, ou fugindo atroz perigo,
Como eu, isto ouvindo, em continente,

38

Deixando o escano meu vim ter comtigo,
Fiada em teu fallar honesto e brando,

Que a ti dá honra, e a quem o escuta amigo. »

39

A mim então, taes ditos terminando,

Volve os olhos, que o pranto humedecia,

E deu assim mór força ao doce mando.

40

Seu desejo cumpri, com alegria,

E fiz que se arredasse aquella fera
Que de subir o outeiro te impedia.

41

Que temor da tua alma se apodera?
Porque no peito aninhas tal receio?

Porque o vigor não tens que à mente impera?

12

Pois que tres damas taes (bemdito esteio)
Em teu favor se mostram desveladas,

E eu tal dita aqui te patenteio. »

43

Quaes as florinhas em botão, curvadas
Pelo gêlo da noite, erguem-se, logo

Que o sol as vem dourar, desabrochadas;

44

Tal eu cobro vigor, o medo afogo,
Após o frio susto e desalento,

E fallo assim, com pleno desafogo:

45

«Ella que teve dó do meu tormento,

E tu que assim cumpriste o seu mandado,

Bem hajaes, que vos devo alto portento.

46

Tu em mim tens de novo suscitado,

Com tua voz facunda, o grão desenho,
Que havia em minha mente antes formado.

47

Vae. É de ambos agora igual o empenho: Tu meu guia serás, senhor e mestre. » Disse. O passo tomou: não me detenho, E o caminho commetto asp'ro e silvestre.

CANTO III

ARGUMENTO

Dante, seguindo a Virgilio, chega á porta do Inferno,e depois de haver lido as terriveis palavras escriptas no alto da mesma porta, entra, com o seu guia, n'aquella horrenda mansão. Este lhe declara que ali eram punidos os ignavos. Proseguindo em seu caminho, chegam ao rio chamado Acheronte, onde acham Charonte, que passa as almas para a outra margem. O poeta toscano, pouco depois de chegado, adormece profundamente.

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«Cousa mortal, creada, não alcança

a Vetustade maior; eterno, eu duro:

Deponde, vós que entraes, toda a esperança.»

Este letreiro, pavoroso, e escuro,

Sobre uma porta eu li: «O seu sentido

(Disse ao meu guia) se me antolha duro.»

5

Elle, como varão esclarecido:

«Longe, (volveu) receios, cobardia ;
Aqui todo o temor é mal cabido.

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