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Refere Paulo Santo a sua historia
Que deixou ao futuro para glória.

I

Da Asia no terreno mais subido,
Trono dos Prolomeus levantado,
Ali donde um Abraham foi advertido,
Ali donde Moisés foi admirado :
Donde o povo de Deus foi perseguido,
E o filho de Jacob foi exaltado,
Empório, a cuja côrte por mais graça
Um Alexandre veste, um Nilo calça.

II

Egipto que em cidade proeminente
Hospicio foi de um Deus na melhor hora,
Berço de Catarina refulgente,

Tumulo de Faustina vencedora;

Auróra de Maria penitente,

Teatro de Cleópatra abrazadora,

Aquela a quem picaram com rigores

Aspis nos braços e no peito amores.

III

Aqui (diz Paulo) de familia ilustre,
Nasci nas partes da Tebaida alta,
Se é que á nobreza se conhece lustre
Enquanto das virtudes não se esmalta:
Nas letras ensinado sem deslustre,
A's aulas fui, a quem o Mundo exalta,
Mas em um dia só de desenganos,
Subi mais que de escola em oito anos.

IV

Por este tempo, quando já gozava
A Igreja, da fiel oblação pura,
Décio, que todo o Orbe dominava,
Empunhou contra a fé a paixão dura:
Do ministro cruel que a executava,
O fiel nem na gruta se assegura,
Tanto, que o que habitava junto ao Nilo,
Temeu ao Homem mais, que ao crocodilo.

V

Corria por Egito a dura espada,
Sem que perdoe ali seu féro corte
A' beleza de Venus não manchada
Ao valor do católico Mavorte:

A

pura rosa, sim, foi desfolhada, Despedaçado o cravo de mais porte, E nas aras purpureas, porem belas, Acabam flores a viver estrelas.

VI

No fogo se abrasava a neve pura,
O homem se deitava á féra horrenda,
No peito se estreiava a lança dura,
A Parca na inocencia está tremenda:
Sepultava-se a luz na sombra escura,
Que procurava o mal do bem emenda,
Quaes andavam verás neste episodio
Os poderes de amor, e iras do ódio.

VII

No dourado brazeiro incenso fumo
A idolatra mão, dá com afogo;
No gentilico templo tudo é fumo,
No católico peito tudo é fogo:
Este pedaços faz, e assim resumo
O simulácro vil com desafogo,
Perdendo no seu zelo a cara vida,
Quanto bem empregada, bem perdida!

VIII

Corria o ano quinze, minha idade,
Quando Egito passou taes descaminhos
Pouca malicia a tanta falsidade,
Poucas flores a haver, tantos espinhos:
Eu, tímido fugindo á crueldade,
Numa quinta parei em taes caminhos,
Que inocentes estavam meus temores,
Pois me escondi dos áspides nas flores.

IX

Aqui tive a noticia nunca incerta,
Que da cara irmã minha, o mau consorte,
Por ter na minha morte a herança certa,
De cristão me acusava para a morte.
Ó interesse vil! que não concerta
Contra a pura inocencia en mal tão forte,
Pois não perdoa sua iniquidade

O sangue, a lei, a honra e a amizade.

X

Eu, que nas leis de amor mal instruido,
Posto que nas da Fé bem doutrinado,
Ao lance fugi de mim temido,

Que me chamava a pôr-me laureado:
Não coube em meu temor o ser vendido,
Adonde achava o ceu como comprado,
Porque não reparava pouco forte,
Que mais que a vida ali, valia a morte.

XI

Ao mais ignoto páramo corria,
O lugar mais sombrio procurava,
Ainda sem saber, quando fugia,

Que me esperava nele quem me `amava :
Nem as féras indómitas temia;

Porque dos homens só me receava,
Tal a malicia está na nossa esféra

Que teme ao homem quem não teme a féra !

XII

Pisando abrolhos, penhas conculcando,
A este ignoto, chego, sem mais tiro,
Adonde, cova, fonte, e palma achando,
A alta providencia em tudo admiro,
Pois sem duvida alguma, ia mostrando
Que para mim guardou este retiro
Deixando-me na palma, em tal tributo:
O vestido e o sustento, em folha e fructo.

Estrofe XI. Até esta oitava, inclusivé, falta no manuscripto d' Evora, por extravio.

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