Sae o Ilustre Pedro ao campo grave; Amor o leva e o suspende uma ave.
Não de fogo voraz, ardente chama, Que a introduzir-se eterna acende a ave, Não da propria reliquia, que da flama Filha materna a faz em trance grave; Não do lenho aromatico, que a chama Sendo pira cruel, berço suave, O Fenix dos Planetas sae luzente, Sim, da caverna undosa fogo ardente,
Fenix do mar, Apolo renascia, Que já Flora de Tetis murmurava; A flor nos resplendores se luzia, A perola na dor se congelava, A ninfa por prendê-lo em tal profia, O canto da serêa provocava; Mas já o carro posto, do profundo, Saiu o carro a passear o mundo.
A aurora enxuga o pranto enternecido, A fera deixa a gruta pavorosa, A ave vôa ao vale apetecido, Do leito de esmeralda sae a rosa. A rez torna da relva ao mais provido, O rustico á tarefa proveitosa;
A ave, flor, homem, bruto, na alvorada Saudavam do sol a madrugada.
Correu o veu opaco noite escura Ao bastidor florido de Amaltea, Donde Flora debuxa á sombra impura Quanto a Aurora descobre á luz febea. Diana só deixou sua figura
Na açucena, das flores pura deia; Já Apolo, que na luz a sombra sorbe, Já prodigo de si, dourava o orbe.
Quando o ilustre varão, que sucessivo Nos altos pensamentos remontado, O claustro deixa absorto, e discursivo Busca o campo de assombro iluminado, E ali, quando da gloria o bem altivo, Era lida fatal de seu cuidado, Suave o convidou o grave canto De peregrino ser, luzido encanto.
Olhou, e viu a portentosa ave, Negra na cor, angelica no canto, melro suave,
Aos olhos pareceu
Aos ouvidos soou sublime encanto;
A alta melodia, o metro grave,
Não lograda outra vez foi raro espanto; O homem no Paiz que a ave encerra O suspeitava ceu, pisando terra.
Passeava do ar a esfera pura A ave peregrina sem receio; O ilustre Pedro cheio de doçura Segue com passo lento o caro enleio; Já vôa, já se pára, já o apura,
Sem que ao suave metro ponha freio; Porém ela voava, ele corria,
Quando amor suas asas lhe oferecia.
Por detê-la o amante em tal intento, Vendo-a de rosa em rosa e rama em rama; Quando alargava a mão, prendia o vento, Porém, já nos suspiros solta a chama. Aligeira o fogoso movimento,
Que asas de fogo lhe vae dando a flama; E ancioso disse, já, no do canto grave: -Que me levas a vida; tem-te ave!...
Uma foge, outro segue em tanta lida Até pensil terreno, e emboscado, Que do convento é cerca florida, Donde o cravo, da rosa enamorado, Do rouxinol com zelos perde a vida. Aqui parou da ave o remontado
Com que o lugar de Flora mais reverde, Se hontem foi campo azul, hoje ceu verde.
Fez alto em um pinheiro levantado, Soberbo trono já ditoso ninho, Para o maior prodigio destinado, Que o orbe todo viu, não só o Minho. Com razão no tal lance transmutado O cedro se trocara pelo pinho, E o loureiro que olhava tanta gloria, Logo inveja ficou, se antes victoria.
As arvores do pinho engrandecido, Invejavam a dita com efeito; Té o bronze do campo competido Te rompe na paixão já imperfeito. Em pedaços se faz o endurecido, Que invejas, té os robles tem desfeito! Tambem a palma disse em tanta calma: Como se palma sou, não levo a palma?—
O sicomoro sempre venerado Na emulação, dizia, já notoria:
-Como este dia a gloria me ha voado; Se algum dia de mim se viu a gloria?! O fúnnbre cipreste encapotado Mais triste se ficou sem a vangloria; Só a sacra oliveira nunca esquiva, Olhando para o pinho, disse viva.
As filhas de Amaltea primorosas Para alcatifa todas se ofereciam, Do peregrino pé ambiciosas O florido tapete já teciam. As silvas por prendê-la cavilosas Gaiola de esmeralda lhe faziam. E a rosa, que rainha a tudo estava Com trono de coral a convidava.
Porém, a ave, no pinheiro indino, Continua a celeste melodia;
E ao metro angelical, canto divino, O monte se moveu com alegria. Ficou
suspenso o ar; ó caso dino! As fontes já não correm com profia E ao peregrino canto que ali sôa, Param os rios quando Pedro vôa.
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