E com forçar o rofto, que fe enfia; A parecer feguro, lédo, inteiro, Para o pelouro ardente, que affovia, E leva a perna ou braço ao companheiro. Defta arte o peito hum callo honrofo cria, Defprezador das honras, e dinheiro; Das honras, e dinheiro, que a ventura Forjou, e nao virtude jufta, e dura.
Defta arte fe efclarece o entendimento, Que experiencias fazem repoufado; E fica vendo, como de alto affentó O baixo trato humano embaraçado: Efte, onde tiver força o regimento Direito, e nao de affectos occupado, Subirá (como deve) a illuftre mando, Contra vontade fua, e nao rogando.
LUIS DE CAMÕES.
CANTO SEPTIM O.
Di fundo a frota a Calecut chegada ; Manda-fe menjageiro ao Rei potente; Chega Monçaide a ver a Lufa armada, E da Provincia informa largamente : Faz Gama ao Samori fua embaixada ; E recebido bem da Indica gente, Co o Regedor da terra ao mar fe torna Que de toldos e flammulas fe adorna.
A' fe viam chegados junto á terra,. Que defejada já de tantos fora, (ra, Qu'entre as corrétes Indicas fe encerEo Ganges, qno Ceo terreno mora. Ora fus, gente forte, que na guerra Quereis levar a palma vencedora; Já fois chegados, já tendes diante A terra de riquezas abundante.
A vós, ó geraçao de Lufo, digo, Que tao pequena parte fois no Mundo; Nao digo inda no Mundo, mas no amigo Curral de quem governa o Ceo rotundo: Vós, a quem nao fómente algum perigo Eftorva conquistar o povo immundo; Mas nem cobiça, ou pouca obediencia Da Madre, que nos Ceos eftá em essencia:
Vós, Portuguezes poucos, quanto fortes, Que o fraco poder voffo nao pezais; Vós, que á cufta de voffas várias mortes A Lei da vida eterna dilatais:
Affi do Ceo deitadas fao as fortes, Que vós por muito poucos que fejais, Muito façais na fancta Chriftandade: Que tanto, ó Chrifto, exaltas a humildade!
Vedes os Alemães, foberbo gado, Que por tao largos campos fe apafcenta, Do fucceffor de Pedro, rebellado Novo Paftor e nova feita inventa: Vêde-lo em fêas guerras occupado,
Que inda co' o cego error fe nao contenta; Nao contra o fuperbiffimo Othomano Mas por fahir do jugo foberano.
Vedes o duro Inglez, que fe nomea Rei da velha e fanctiffima Cidade, Que o torpe Ifmaelita fenhorêa : Quem vio honra tao longe da verdade? Entre as Boreaes neves fe recrêa, Nova maneira faz de Christandade: Para os de Chrifto tem a efpada nua, Nao por tomar a terra que era fua.
Guarda-lhe por entanto hum falfo Rei A Cidade Hierofolyma terrefte, Em quanto elle nao guarda a fancta Lei Da Cidade Hierofolyma celefte. Pois de ti, Gallo indigno, que direi ? Que o nome Chriftianiffimo quizeste, Nao para defendê-lo, nem guardá-lo, Mas para fer contra elle, e derribá-lo.
Achas que tees direito em fenhorios De Chriftãos, fendo o teu tao largo, e tanto; E não contra o Cyniphio, e Nilo, rios, Inimigos do antigo nome fanto?
Alli fe hao de provar da efpada os fios, Em quem quer reprovar da Igreja o canto. De Carlos, de Luis o nome e a terra, Herdafte, e as caufas nao da justa guerra ?
Pois que direi daquelles, que em delicias Que o vil ocio no Mundo traz comfigo, Gaftam as vidas, logram as divicias Efquecidos de feu valor antigo? Nafcem da tyrannia inimicicias Que o povo forte tem de fi inimigo. Comtigo Italia fallo, já fubmerfa Em vicios mil, e de ti mesma adverfa.
Oh miferos Chriftãos! Pela ventura, Sois os dentes de Cadmo defparzidos, Que huus aos outros fe dao a morte dura, Sendo todos de hum ventre produzidos? Nao vedes a divina Sepultura
Poffuïda de cães, que fempre unidos Vos vem tomar a voffa antigua terra, Fazendo-fe famofos pela guerra?
Vedes que tem por ufo,
Do qual fao tao inteiros obfervantes, Ajuntarem o exército inquieto,
Contra os povos que fao de Chrifto amantes? Entre vós nunca deixa a fera Aleto De femear cizanias repugnantes. Olhai fe eftais feguros de perigos, Que elles e vós fois voffos inimigos.
« VorigeDoorgaan » |