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ADVERTENCIA

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O melhor portico d'este edificio, isto é, a melhor introducção d'esta obra seria uma resenha historica e artistica da architectura portugueza. Ainda que resumidamente, não metteremos hombros á empresa por diversas circumstancias ponderosas, sendo sem duvida a primeira o reconhecimento da insufficiencia technica. Mas ainda quando possuissemos a indispensavel capacidade, seria sempre o resultado do nosso esforço uma singela tentativa apenas. Não passaria por certo de temeridade, e temeridade talvez indesculpavel, o querer elaborar uma synthese d'este genero, quando faltam os materiaes de primeira ordem, o auxiliar precioso das monographias especiaes. Em Hespanha já a tarefa se tornaria muito mais facil, presença da preciosa, embora incompleta, collecção dos seus Monumentos Arquitetonicos. Em Portugal são raros os edificios que tenham sido estudados proficientemente, e com excepção da Batalha, e ainda Belem, os outros estão á espera da curiosidade do observador que os saiba analysar e pormenorizar com o devido criterio. Cremos que se tem procedido a alguns estudos, mas é como se não existissem, pois se conservam ineditos, nas pastas dos respectivos desenhadores ou nos archivos das secretarias. Ultimamente o sr. Korrodi publicou um trabalho interessantissimo, de analyse e de reconstrucção, acêrca do castello de Leiria, uma das paginas mais importantes da nossa architectura civil medieval. Acompa

nhou-o o sr. Bisarro, usando de igual processo, com relação á capella de S. Bartholomeu, de estylo romanico, no recinto ou proximidades do mesmo castello. Um benemerito estrangeiro e artista de grande merecimento, o sr. Haupt, publicou dois fasciculos tendo por objectiva a architectura do renascimento em Portugal, e, se porventura se lhe notam algumas lacunas, seria da mais grave injustiça não reconhecer a importancia do serviço que prestou á arte nacional. Era impossivel que um homem só, pela primeira vez, com pequenos subsidios e quasi sem antecedentes, exgotasse um assumpto de tamanha magnitude, e proferisse sobre elle, não só a derradeira palavra, mas a sentença definitiva, juizo authoritario e sem appellação. Riquissima é a litteratura artistica da Italia, da França, da Allemanha, da Inglaterra e de outros estados ainda; pois, apesar d'isso, raras são as obras de conjuncto onde a materia seja estudada no seu todo e nas suas particularidades. Será difficil, por exemplo, apontar uma historia da architectura, onde estejam reunidos ao mesmo tempo, em harmoniosa proporção, numa serie de factos historicos e de documentos artisticos, as phases successivas da sua evolução simultaneamente com os dados biographicos de todos os artistas que nellas collaboraram.

Embora não tentemos sequer esboçar a historia da architectura em Portugal, não deixaremos todavia de apontar em rapidos lineamentos o plano que adoptariamos ou que julgariamos conveniente adoptar. Naturalmente essa historia seria evolutiva e comparativa, indicando todos os elementos que concorreram para determinar os factos capitaes, para salientar os estylos, para pronunciar mais ou menos definidamente os caracteres da originalidade. Para fazer um juizo seguro sobre a idade de um monumento não basta considerá-lo nas suas feições estylisticas, é preciso ter em vista igualmente a data fixa em que elle foi construido, porque nem sempre o mesmo estylo corresponde á mesma epocha, variando de região para região. Assim no nosso paiz as evoluções artisticas parecem um pouco mais tardias que nos outros, havendo ás vezes differenças de um seculo e mais, o que não admira, attendendo a que essa forma da arte não é indigena, foi importada, e que houve por conseguinte demora nos seus meios de transmissão, segundo as difficuldades que encontrou no transito, segundo os obstaculos que se oppuzeram de principio á sua naturalização. Seria por conseguinte curioso investigar se entre nós existem representantes de todas ou das principaes modalidades da architectura europeia, se seguiram, como lá fora, a sua marcha natural, e se houve

circumstancias locaes que influiram para os modificar e lhes dar um aspecto, que apresenta uma tal ou qual novidade.

Diversos problemas se offerecem ao critico de arte com relação á architectura portugueza, sendo o primeiro incontestavelmente saber se houve com effeito, como se pretende, um typo que se diga accentuadamente nacional. Nós orgulhâmo-nos do chamado estylo manuelino, que já apparece todavia anteriormente ao rei venturoso, e alguns estrangeiros acceitam de boa mente esta designação, suppondo que elle fosse em parte uma consequencia do influxo oriental. Vulgarizou-se até já o termo de arte indo-portugueza, não só applicado ás artes industriaes, mas ainda á architectura. Com relação a este ultimo ponto, a hypothese parece-nos mais phantasiosa que fundamentada, embora se argumente que a fauna e a flora oriental fossem empregadas exuberantemente na parte ornamental. Julgamos, porém, que isto se deve considerar mais um accessorio de que um factor essencial. É certo que o elefante, por exemplo, apparece como figura decorativa nos tumulos da capella mór de Belem e em outras partes, mas os tumulos de Belem são já de uma epocha em que dominava o classico puro. Devemos ainda accrescentar que não nos consta que nenhum dos grandes artistas do tempo de D. Manuel visitasse o Oriente e viesse de lá impressionado com as maravilhas exoticas dos seus templos cavados nas montanhas.

Ha quem diga que o manuelino não é mais que o plateresco, e ultimamente um critico francez publicou uma memoria em que pretendia demonstrar que elle fôra importado de França, onde existiam modelos, que se podiam pôr em confronto. É fora de duvida que muitos dos artistas que D. Manuel empregou nas suas monumentaes construcções eram estrangeiros. Boytac, que trabalhou em Setubal, em Belem e na Batalha, era francez, assim como era da mesma procedencia mestre Nicolas. João de Castilho e Diogo de Castilho eram biscainhos. Não repugna todavia admittir, antes os factos o parecem confirmar, que uma certa tradição artistica, a natureza do clima, a indole do povo, e sobretudo o extraordinario movimento que se operava entre nós, produzindo um fermento de civilização universal, não deixariam de exercer certa influencia na imaginação e no temperamento dos artistas, de modo que a sua obra apresenta ao primeiro aspecto o quer que seja de distincto, de caracteristico, de inconfundivel, e que obriga o estrangeiro a sentir um fremito tanto de surpresa como de espanto e de enthusiasmo.

O outro problema não menos grave e que se prende intimamente com o anterior, é se o nosso solo seria tão fecundo que tivesse produzido uma escola de mestres de obras tão notavel que pudesse, sem o constante e valioso auxilio estrangeiro, sem uma prodigiosa endosmose artistica, povoar o paiz de tantos edificios. Assim, por exemplo, duvida-se que o primitivo architecto da Batalha pudesse ter sido mestre Affonso Domingues, sendo aquella fabrica de tal grandeza e magnificencia que se pode considerar unica no seu genero, não sendo portanto admissivel que a vitalidade artistica nacional se manifestasse assim de um jacto, tão excepcional e extemporaneo, sem precedentes. Esta objecção é realmente importante, mas devemo-nos lembrar tambem que não muito longe de Aljubarrota já existia de ha muito outro templo, cuja nave majestosa ainda agora pode competir sem receio com a de Santa Maria da Victoria. E se a edificação de D. João I é mais rendilhada, já os canteiros que esculpiram os tumulos de D. Pedro e D. Ignez de Castro haviam mostrado a sua pericia no lavramento do calcareo. Alem d'isso, apesar de todos os vandalismos e de todas as ruinas, ainda hoje é extraordinario o numero de templos que existem disseminados por todo o paiz, sobretudo no norte, que demonstram uma grande actividade artistica, não obstante a maior parte d'esses edificios serem erigidos em periodos tumultuarios e agitadissimos, quando mais férvida se empenhava a lucta entre os sectarios de Christo e de Mafoma. Uma cousa realmente para estranhar é que Portugal seja tão pobre de monumentos de origem arabica e judaica, pobreza que ainda mais avulta quando se toma para ponto de comparação a Hespanha, onde abundam as maravilhas da arte mussulmana. Este phenomeno explica-se até certo ponto cabalmente, attendendo a que era no restante da Peninsula que estavam situadas as cidades capitaes e os focos de illustração mais importantes do poderio mourisco. Ao passo que em Portugal o dominio catholico preponderou desde os primeiros tempos da monarchia, na Hespanha ainda o reino de Granada se conservou até quasi ao começo do seculo XVI. No entanto os mouros e os judeus constituiam uma parte valiosa da nossa população e por toda a parte existiam synagogas, mesquitas e outros edificios pertencentes a estas duas crenças, de que hoje só restam alguns vestigios, pelos quaes será muito difficil apreciar o estylo geral que os caracterizava. Reminiscencias da architectura arabica, de mistura com outros elementos, apparecem não raro em algumas das nossas construcções monumentaes, demonstrando-se assim que não foi de todo ephemera e

improductiva a passagem nesta parte da peninsula dos seus conquistadores africanos. Alguns artistas das duas procedencias, mestres de carpintaria e de pedraria, terão os leitores ensejo de encontrar registados no nosso elencho. Os mouros captivos, considerados pela sua pericia como constructores e mestres de cantaria, eram empregados nas obras de reconstrucção christă, em que deixavam assignalada quasi sempre, como garra de leão, a marca da sua escola. Lamego parece ter sido afamada pelos seus canteiros. Fernando I, depois da conquista d'esta cidade, mandou escolher entre os prisioneiros os mais habeis officiaes destinando-os á restauração das igrejas derrubadas na invasão de Al-Mansor1.

A França, primitivamente, e mais tarde a Italia, foram as duas nações que mais influiram sobre o movimento architectonico portuguez, servindo a Hespanha de intermediaria ou de traço de união. A acção que exerceram as Flandres sobre a pintura coube á França no tocante aos edificios e em parte tambem á esculptura, como o prova, sobretudo nesta ultima parte, a escola conimbricense de João de Ruão. Era natural que assim fosse. A origem familiar do nosso primeiro monarcha, as relações intimas com a côrte de Borgonha, a educação de D. Diniz, a influencia dos prelados e das congregações francezas, o grande numero de estudantes portuguezes que frequentaram, no seculo XVI, as escolas de Paris e de Bordeus, tudo isto são causas sufficientes a determinar o parentesco que existe entre a arte franceza e a nossa arte.

No Congresso das Sociedades Sabias, celebrado em Paris em 1884, o sr. Eulard, mostrando a influencia que a civilização franceza, por meio dos seus religiosos e homens de armas, tinha exercido na peninsula iberica, do seculo XI ao seculo XIV, fez sentir ao mesmo tempo a intimidade que havia entre a architectura romano-gothica da peninsula e a de diversas provincias da França.

No mesmo congresso, na sessão celebrada em Paris em 1895, o sr. Emilio Eude, architecto, membro da Sociedade Archeologica de Orleans e que em tempo exerceu entre nós o cargo de engenheiro chefe de via e obras da Companhia da Beira Alta, occupou-se do mesmo assumpto, mas levou mais longe as consequencias d'aquella these.

1 Estoria de España citada por Don Francisco Fernandez y Gonzalez a pag. 141 do seu Estado social y politico de los mudejares de Castilla, Madrid 1866.

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