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Do nosso Fanfarrão ao lado esquerdo. Agora dirás tu que bruto é esse? Póde haver um tal homem, que se atreva A pôr na sua sege ao seu prelado Da parte da bolça. Eu tal não creio. Amigo, Dorotheu, estás mui ginja. Já lá vão os rançosos formularios, Que guardavam á risca os nossos velhos. Em outro tempo, amigo, os homens serios Na rua não andavam sem florete, Traziam cabelleira grande, e branca, Nas mãos os seus chapeos; agora, amigo, Os nossos proprios becas tem cabello; Os grandes sem florete vão á missa, Com a chibata na mão, chapeo fincado, Na fórma em que passeiam os caixeiros. Ninguem antigamente se sentava Senão direito, e grave nas cadeiras, Agora as mesmas damas atravessam As pernas sobre as pernas N'outro tempo Ninguem se retirava dos amigos, Sem que dissesse, adens-agora é moda Sahirmos dos congressos em segredo; Pois corre, Dorotheu, a paridade, Que os costumes se mudam c'os tempos. Se os antigos fidalgos sempre davam O seu direito lado a qualquer padre, Acabou-se esta moda, o nosso chefe Vindica os seus direitos: vê que o bispo É um grande, que foi ha pouco frade, E não póde hombrear com quem descende De um bravo palagão, que sem disputa Lá nos tempos de Adão já era grande.

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Ainda, Dorotheu, no largo curro Caretas não brincavam, nem se viam Nos razos camarotes altas popas, Enfeites com que lustram nescias damas, Quando já no castello de madeira As peças fuzilavam; signal certo De que o nosso heroe e o velho bispo No adornado palanque se assentavam : Agora diras tu, é forte pressa! Os chefes nos theatros entram sempre As horas de correr-se acima o panno ; Amigo Dorotheu, tu nunca viste Uma creança a quem a mãi promette Leval-a a ver de tarde alguma fesla, Que logo de manhã á mãi persegue, Pedindo que lhe dispa os fatos velhos? Pois eis-aqui, amigo, o nosso chefe Não quer perder de estar casquilho e teso No erguido camarote um breve instante. Chegam-se emfim as horas do festejo, Entra na praça a grande cometiva, Trazem os pagens as compridas lanças De fitas adornadas; vem á dextra Os formosos ginetes arreados. Seguem-se os cavalleiros, que cortejam Primeiro ao bruto chefe, logo aos outros, Dividindo as fileiras pelos lados, Não ha quem o cortejo não receba Em ar civil e grato: só o chefe O corpo da cadeira não levanta Não abaixa a cabeça; qual o dono Dos miseros escravos, quando juntos A benção vão pedir-lhe, porque sejam

Ajudados de Deus no seu trabalho.

Feitas as cortezias do costume Os destros cavalleiros galopeam Em circulos vistosos pelo campo ; Logo se formam em diversos corpos Á maneira das tropas, que apresentam Sanguinosas batalhas; sôam trompas, Sôam os ataballes e fagotes, Os clarins, os boés e mais as frautas. O fogoso ginetes, as ventas abre, E bate com as mãos na dura terra: Os dous mantenedores já se avançam Aqui, prezado amigo, aqui não lutam Como nos espectaculos romanos Com formosos leões, malhados tigres, Os homens peito a peito e braço a braço. Jogam-se encontroadas, e se atiram Redondas alcancias, curtas cannas, De que o destro inimigo se defende Com fazel-as no ar em dous pedaços Ao fogo das pistolas se desfazem Nos postos as cabeças; umas ficam Dos ferros traspassadas, outras võam Sacodidas das pontas das espadas. Airoso cavalleiro ao hombro encosta A lança no princípio da carreira. No ligeiro cavallo a espora bate; Desfaz com mão igual o ferro, e logo Que leva uma argolinha a redea toma, E faz que o bruto pare. Dois córos Applaudem o successo, enchendo os ares De grata melodia. Então vaidoso Guiado de um padrinho ao chese leva

O signal da victória que segura
Na dextra, aguda lança. O bruto chefe
Acceita a offerta em ar de magestade,
À maneira dos amos quando tomam
As coisas que lhe dão os seus criados.

Principiam os toiros, e se augmentam Do chefe as parvoices. Manda á praça Sem regra, sem discurso e sem concerto. Agora sahe um toiro levantado Que ao máo capinha, sem fugir espera : Acena-lhe o capinha, elle recúa E atira com as mãos ao ar a terra. Acena-lhe o capinha novamente; De novo raspa o chão, e logo investe, Lá vai o máo capinha pelos ares; Lá se estende na arêa, e o bravo toiro Lhe dá com o focinho um par de tombos; Nem deixa de pisal-o em quanto o nescio Não segue o meio de fingir-se morto. Meu esperto boisinho em paz se fica, Que o nosso chese ordena te recolham Sem fazeres mais sorte, e te reserva Para ao curro sahires, quando forem Do Senhor do Bomfim as grandes festas. Agora sahe um toiro que é prudente, Se o capinha o procura logo foge, Os caretas lhe dão mil apupadas: Um lhe pega no rabo e o segura ; Outro intenta montal-o; e o grande chese O deixa passear por largo espaço. Manda-lhe soltar os cães, manda metier-lhe As garroxas de fogo, que primeiro

Que a pelle rompam do ligeiro bruto.
Nos dextros dedos do capinha estalam.
Com estes máos festejos que aborrecem,
Se gastam muitos dias. Já o povo
Se cança de assistir na triste praça:
E ao ver-se solitario, o bruto chefe
Nos trata por insultos, mais ingratos.
Soberbo e louco chefe, que proveito
Tirastes em gastar em frias festas
Immenso cabedal. que o bom senado
Devia consumir em coisas santas!
Suspiram pobres amas, e padecem
Crianças innocentes, e tu podes
Com rosto enxuto ver tamanhos males?
Embora sacrifica ao proprio gôsto
As fortunas dos povos que governas :
Virá dia em que mão robusta e santa,
Depois de castigar-vos, se esconda
E lance na fogueira as varas torpes.

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