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Vendo sem-razões tamanhas
Eu exclamo transportado:
Que finezas tão mal feitas!
Que tempo tão mal passado!

Junto pois n'um grande monte
Os soltos papeis, e logo,
Porque reliquias não fiquem,
Os intento pôr no fogo.

Então vejo que o deus cégo
Com semblante carregado
Assim me fala, e crimina
O meu intento acertado:

Queres queimar esses versos?
Dize, Pastor atrevido,
Essas Lyras não te foram
Inspiradas por Cupido?

Achas que de taes amores
Não deve existir memória?
Sepultando esses triunfos,
Não roubas a minha glória?

Disse amor; e mal se calla,
Nos seus hombros a mão pondo,
Com um semblante sereno
Assim á queixa respondo:

Depois, amor, de me dares
A minha Marilia bella,
Devo guardar umas Lyras,
Que não são em honra della?

0 que importa, amor, que importa, Que a estes papeis destrua;

Se he tua esta mão, que os rasga,
Se a chamma, que os queima, é tua?

Apenas amor me escuta

Manda que os lance nas brazas;
E ergue a chamma c'o vento,
Que formou batendo as azas.

E aqui nos occorre uma idea,↳

* como

pertença mais á crítica litteraria do que à biografia, não deixaremos pâra outra occasião. É mui possivel que a maior parte das lyras que se publicaram com o titulo de 3.a Parte de suas poesias, e que são estranhas ao romance amoroso de Marilia e Dirceu, e os bons criticos tem regeitado em varias edições espurias, é possivel, dizemos, que entre ellas haja várias legitimamente compostas por Gonzaga, mas do numero das que elle diz ter engeitado. De todas as lyras dessa chamada 3.a Parte a unica que não é estranha ao romance a seguinte, que nos dá o desfeixo delle pela despedida do poeta, que diz á sua Marilia que vai (como succedeu) morrer no desterro sem

é

a tornar a ver.

A edição original de Bulbões publicada aos, cadernos continha só a 1.a e 2.a parte. -A' 2. selaccrescentou pela 1.a vez em 1800 uma parte 3.a que se reimprimiu na edição nunesianna de 1802. As edições da imprensa régia de 1812 e da lacerdina de 1811 e 1819 dirigidas por criticos conspicuos não contém a tal 5.2 parte, o que julgamos que seguiu Serva na Bahia em 1813. Posteriormente como o público entrou a ter por menos completas essas edições, a que presidia um razoavel escrupulo, começaram os editores a publicar sempre a 3. parte, que se encontra nas edições de Rolland de 1820, 1827 e 1840; ua de 1824; nas de 1825 e 1823 de Nunes; na de 1827 da régia; bem como na de 1855 da Bahia, oa de 1846 do Rio de Janeiro. -Nenhuma obra em portuguez a não ser o Camões tem Lido mais edições neste secule. Foi traduzida em francez pelo Sr. Monglave e em italianno com todo o esmero pelo

Sr. Ruscalla.

Leu-se-me em fim a sentença
Pela desgraça firmada;
Adeus, Marilia adorada,
Vil desterro vou soffrer.

Ausente de ti, Marilia,
Que farei? irei morrer.

Que vá para longes terras,
Intimarem-me eu ouvi;
E a pena que então senti,
Justos ceos não sei dizer.
Ausente de ti, Marilia,
Que faréi? irei morrer.

Mil penas estou sentindo Dentro a'alma, e por negaça Me está dizendo a desgraça. Que nunca mais t'hei de ver. Ausente de ti, Marilia, Que farei? irei morrer.

Por deixar os patrios lares,
Não me fere o sentimento;
Porém suspiro, e lamento
Por tão cedo te perder.

Ausente de ti, Marilia,
Que farei? irci morrer.

Não são as horas que perco,
Quem motiva a minha dor;
Mas sim ver, que o meu amor
Este fim havia de ter.

Ausente de ti, Marilia,
Que farei irei morrer.

A mão do fado invejoso Vae quebrando em mil pedaços Os doces, suaves laços,

Com que amor nos quiz prender. Ausente de ti, Marilia,

Que farei irei morrer.

Da desgraçaa lei fatal
Póde de ti separar-me:
Mas nunca d'alma tirar-me
A glória de te querer.

Ausente de ti, Marilia,

Hei de amar-te até morrer.

Aos felizes amores de Dirceu é consagrada a primeira parte da obra lyrica; são trinta e sele odes anacreonticas em que o poeta feliz com a sua estrella rende graças ao deus do amor por lhe haver concedido o bem de mais valia,

« De tudo quanto se cria

Ou nos mares ou na terra. »

É uma nova história de uma paixão amorosa que seguia seu caminho natural, com todas as competentes declarações, requebros, esperanças, mas quasi sem ciumes. Ha por ahi remi* e mais poetas

niscencias do cantor de Teos

de sua escola.

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Compare-se da 1.a parte a lyra 8. com a de Anacreonte que começa.

Συ μὲν λέγεις τὰ Θήβης, elc.

e igualmeute as seguintes:

t

a 11.a

com a

Θέλω λέγειν 'Ατρείδας. Εἰε,

a 36 com a

e com a

Γράφε μοι etc.

Αγε, ζωγράφων ἄριστε, etc.

Outro tanto não succede na segunda parte que por um successo extraordinario vai dar originalidade ás composições do poeta.

Gonzaga despachado desembargador para a Bahia, cuidava dos preparativos da partida, no número dos quaes entrava talvez a prévia união á sua cara Marilia, quando uma occorrencia extraordinaria veio interromper sua felicidade. O capitão general de Minas, Visconde de Barbacena, foi informado que se tratava na provincia de seu mando de uma conspiração, e que Gonzaga era a pessoa indigitada para chefe do novo estado independente. Foi então Gonzaga preso e posto em segredo, quando Claudio, Alvarenga Peixoto, e outros.

Daqui por diante até partir para o degredo todas as penas, todas as queixas do amante infeliz, acham-se consignadas nos seus versos da 2. parte. A leitura attenta desta póde familiarisar-nos mais com os sentimentos do poeta na prisão do que o faria talvez uma auto-biografia escripta depois. E por tal fórma temos esta convicção que ora mesmo não ousâmos dar um passo sem primeiro correr de novo os olhos pelas 38 lyras da 2.a parte.

Assim o acabamos de executar, e tal é a commoção de que nos sentimos ainda possuidos que nos treme a mão ao escrever estas linhas. Estamos profundamente convencidos de que Gonzaga foi martyr da prognosticada sedição, e que até era a ella inteiramente alheio. Assim o protestou bem solemnemente aos juizes, e com

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