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Se tendes çapato justo, E pões as mãos nas ilhargas, Eu tenho as bottas mui largas, Com que passeio sem custo. Se tendes de raios susto, Eu caço da vella a escota ; Se tendes no frasco a gota Como mestra das crioulas, Eu por baixo das ceroulas Tenho a minha fralda rola.

Se tendes novo capote Mais chibante do que o velho, Eu tenho um torto chavelho, Que me faz vezes de pote. Se a cavallo andais de trote, Eu do chão não me levanto, Não me assusto, nem me espanto, Serei sempre pé de boi; Ora ahi está como foi, Ninguem me bote quebranto.

BARTHOLOMEU ANTONIO

CORDOVIL. *

Sonho.

SOBRE

OBRE os braços do somno recostado, Que objectos me não mostra a phantasia? Pelos vastos espaços do universo

Dilato a vista a um lado e a outro lado,
Quando da parte austral vejo um gigante
Que um pé tinha na terra, outro nos máres,
Ia a cabeça a se esconder nos ares.

Verdes cabellos de robustos troncos
A frente circulavam bronzeada:
Do collo lhe pendiam por ornato
Amphibios jacarés e acara pepes ;
Cada pulso prendia uma manilha,
Onde o topazio e os diamantes brilha.

Era rispida a barba, hirsuta e negra,
Povoada de esqualidas serpentes,
Que em torno do pescoço se enroscavam;

Tão pouco possuimos dados para a sua biographia. Era, segundo parece, de Goyaz.

Por cajado na mão tinha um coqueiro,
Cuja ponta nas nuvens se occultava,
E a base no abysmo se enterrava.

Longa aljava nos hombros lhe carrega De sellas emplumadas guarnecida, Sustenta a esquerda mão por arco um tronco De pezado madeiro extenso e bronco: O peito lhe apertava uma esmeralda Com certas lettras de rubins gravadas, Que não pude entender o que diziam, Por mais que os meus sentidos applicasse: Eu lhe pergunto, e elle a voz erguendo Dêste modo fallou com som horrendo:

-Eu sou o Maranhão, soberbo rio
Que nas minhas entranhas tenho e crio
Immensa cópia de metal luzente:
Altivo pizo, com terror da gente,
Brilhante pedraria e mais riquezas,
Até hoje aos indigenas defezas;
Apezar do furor, a que me inclino,
Devo ceder á fôrça do destino.
Chega o tempo por elle decretado,
Em que manda que eu seja navegado:
Tristão, o bom Tristão, que hoje governa,
Com fama e glória, que ha de ser eterna,
E cujo nome é este, que não lias,
Traz aos meus nacionaes ditosos dias.
Elle o primeiro foi, que providente
Fez explorar do meu podêr a enchente;
Elle tenta primeiro os meus desertos,
E poz os meus serlões de todo abertos.

Ao novo navegante e viageiro

Não ha de assombrar mais o canoeiro;
Elle desiste da cruenta guerra,

Com que assusta nas agoas e na terra;
E, deixando as pirogas e as covas,
Tristão sobre a cerviz lhe põe leis novas :
Eu quero obedecer aos seus accenos.
Vós geraes moradores dos terrenos,
Que com meus braços sem terror retalho,
Vinde abraçar o próvido trabalho,

Que Tristão vos offerta, e em breves annos
Subjugados tereis os vossos damnos.
Do meu descobrimento expõe a história,
A quem de descobrir quizera a glória.
Seus designios declara e patentêa
A Francisco, a importancia desta idéa.
Tristão conhece a força e vê a essencia
De uma nova e geral correspondencia;
Mâs antes que o commercio estabeleça,
Como prático e sabio, quer que cresça
Uma firme e legal civilidade,

Sem a qual não persiste a sociedade.
Só quando este princípio se conhece,
Se faz indispensavel o interêsse.
Communicam-se os povos mutuamente
Pêla troca que fazem differente;
As maximas e as leis introduzidas
Vão pouco a pouco nas nações vencidas
A operação firmando sem excesso,
Que facil torna todo o seu progresso.
Se povos que não pensam, nem discorrem
Com firme actividade, inda não correm
A buscar as riquezas, que lhe offerto

No thesoiro, que tem Tristão aberto,
Tempo virá que busquem infelizes
As ricas producções dos meus paizes,
E que fiquem depois involuntarios
Da oppressão e miseria tributarios.
Systema regular e reflectido

Da bocca de Tristão eu tenho ouvido;
E p'ra vosso constante beneficio,
Sobre solida base ergue o edificio
De uma futura e doce sociedarle.
A industria, a paciencia, a sobriedade,
A mutua confiança perduravel,
São de uma precisão indispensavel
Á nascente colonia que se fórma:
Tristão regra vos dá, preceito e norma;
E sem que mais palavras eu repita,
Nos suaves costumes que exercita,
Melhor firmeza e ordem achareis,
Do que na força e no vigor das leis. "

Assim o monstro fala, meneando
A virente cabeça, e suspirando,
O beiço, então, mordeu -a cara volta,
E de novo ésta voz aos ares sólta:

-Finalmente Tristão quebrou o imperio
Que tinha o meu poder neste hemisferio.
De ardentes febres uma audaz cohorte,
Que atacando era certa e prompta a morte,
Pâra o averno intrepido desterra:

Com fogos novos purifica a terra,
Alimpa-se a athmosphera e as malinas
Pâra longe se vão destas campinas.

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