CONEGO J. DA CUNHA BARBOZA.
Nos braços maternaes, nascido apenas,
Jazia Nicteroy, saturnea prole,
Quando Mimas, seu pai, gigante enorme, Que ao céu com mão soberba arremessára A flammigera Lemnos, arrancada Dos máres no furor de guerra impía, Tingiu de sangue as aguas, salpicando De seu cerebro o Ossa, o Olympo e o Otrys, Ferido pelo ferro, com que Marte Vingou de Jove a injúria em morte acerba.
Lamentando-se Atlantida, apertava
Ao peito o filho, palida temendo Trisulcos raios, qu'inda accêsos via. Ouviu seu pranto o rei do argenteo lago, E o tenro infante compassivo acolhe.
No choque horrivel, que dos Phlegros campos O mundo sobre os pólos abalára, Surgiram novas terras, novos máres
Cobriram reinos, ilhas, cabos, brenhas. Neptuno aponta á plaga rica e vasta Do sepulchro do sol erguida ha pouco, Inda madida e nova, ind'ignorada Dos homens e do mundo; aqui se abriga A estirpe illustre em Mimas profligada Que o justo e paternal intento herdára.
Cresceu co'idade a fôrça, a raiva, eo brio; Da illustre geração fervendo o sangue Nas veias da titanea, occulta prole, Reforça o braço, que arduas feras doma, Que troncos mil escacha, abate e arranca, Mudando o assento ás rochas alterosas. Cinge a frente ao robusto, altivo joven Cocar plumoso, ornado de amathystas; Diamantino fulgor contrasta o brilho De esmeraldas, rubins, topazios loiros, Que a rica zona marchetando enfeitam. Negra coma lhe desce aos ventos solta Repartida vestindo os largos hombros ; Nas faces brilha mocidade imberbe,
E a côr, que as tinge, por que o sol as cresta, Similha o cobre lucido, polido..
Nos olhos lem-se os vividos intentos, Que de Mimas herdára, e occultos jazem No grande coração, qu'a injúria abafa. O esbelto collo tres gorgeiras prendem D'oiro e prata, e manilhas d'oiro e gemas Os musculosos braços lhe guarnecem. Aperta o ventre nú, reveste a cinta Fraldão tecido de vistosas pennas; Mosqueada pelle um tiracollo fórma,
De que pende em carcaz cavado dente De monstro horrendo pelo mar gerado. Nicteroy daqui tira hervadas settas, Em que ás feras certeiro a morte envia, Quãdo as brenhas perlustra, e o bosque, e o prado. Empunha a dextra mão robusto tronco Dos ramos mal despido; é esta a clava, Que abate os tigres, os dragões, e as serpes, Mais prompto do que em Lerna o fero Alcides.
Grato a Neptuno pressuroso entorna Dos altos montes rios caudalosos, Que pujantes ao mar tributos levam ; Tortuosa marcha Nicteroy lhes sulca Por onde correm placidos os campos, Depois que em negras, firmes penedias Tropeçando furiosos s'indignaram, De branca espuma as margens alagando. Surgem co'as aguas, do thesoiro occulto Nas entranhas da terra intacta e nova, Luzentes pedras e oiro, qu'abrilhantam As curvas, brancas, arenosas praias, Em que o feudo Neptuno acceita e guarda. Já pretende vingar a infausta morte Que ainda Phlegra eterniza, e Marte accusa ; Nem perde a vista do syderio throno, Herança paternal, de qu'expellida Fôra por Jove de Saturno a prole. Justiça e força os animos lhe accendem, Cauteloso se apresta, e dá-se á empreza, Dispondo aos céus o ataque occulto e forte.
Trezentos Megaterios, cem Mamoths,
Domados por seu braço ao mar arrastam Ingentes, negras pedras, qu'encorpora Promontorios formando, d'onde espreita De Jove o ciume, e de Mavorte as íras. Aqui se affundam lagos, rabalçando Estofas, negras aguas somnolentas, Que habitam bronzeos jacarés, e monstros De horrendo e torpe aspecto; d'ali surgem Escarpados rochedos, em qu'as ondas Rebentando furiosas o ar atroam, Mugindo horriveis, revolvendo as costas. Altas serras do norte ao sul prolonga Sobre as nuvens erguendo-se azuladas; Recortados penedos lhes guarnecem Mil cabeços, que os céus roçando affrontam, De guerreiros merlões, vestindo os muros. Novas rochas ao mar d'aqui se ajuntam, De espaço a espaço o reino dividindo, Possantes botareos, que a mão robusta Do soberbo gigante ás serras dera :" Fechadas selvas cobrem amplos valles, D'onde avullam mil ingremes castellos Subindo de uma, e de outra parte ás nuvens, Urram tigres furiosos, que retousam Nas horriveis cavernas, aballando Pedras, troncos, rochedos, valles, rios;
Silvam negras giboias corpulentas,
Vedando ao bosque emaranhado a entrada.
Contente Nicteroy o ensejo aguarda; Da empreza a glória o enleva, e meditando Na syderea conquista, devanea.
Lá quando o sol nos máres mergulhava
Os seus fogosos rapidos Ethontes, Corrido já de Capro o reino em circ❜lo As brenhas prompto o joven se encaminha. D'aqui vaidoso a vista aos céus erguendo Dos astros marca a lucida phalange. Daquelle a força, e dêste a raiva observa Prudente os golpes calculando e os tiros, Que em breve disparar pretende ousado.
De Marte o aspecto horrivel se lhe antôlha Scintillando guerreiro, irado e forte; Inda a lança, qne enristra, o sangue empana De Mimas qu'á vingança o filho excita. Arde o peito em furor; é fogo, e chamma, Que abraza, queima, e devorando assôma; Penedo grave arranca, a Marte o assesta, Firmando os pés, os braços retorcendo, Encravados no imigo o intento e os olhos. Atalha o céu a estolida ousadia ;
Eis subito clarão do ethereo assento As nuvens rasga rapido e estrondoso ; Brama Jove iracundo, sacudindo
Da rubra dextra o raio acceso e prompto. Baquea o grão colosso, arqueja e treme, Varado o peito e o coração, qu'entornam Borbotões d'atro sangue espumeo e quente. Mordendo as rúchas urra e se debate, Mâs a vida lhe foge, e a força, e a raiva. Tomba d'altas montanhas despenhado, Frondosos troncos, pedras arrastando, Que ao corpo enorme, enorme estrada abriram. Ao baque horrivel tremem terra e máres, E largo tem ao longe ressoando,
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