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ARMADA PORTUGUESA NUM PORTO DE MAR

PINTURA DE GREGÓRIO LOPES, DE
CERCA DE 1521, EXISTENTE EM
UMA COLECÇÃO DA BAVIERA-145×0,"",77

Devemos ao sr. Luís Keil a cedência da fotografia do quadro que reproduzimos em gravura e que representa uma armada portuguesa num pôrto de mar. A importância desta pintura, sob o ponto de vista iconográfico, é excepcional.

Ao sr. Keil parece-lhe, dada a época que, ao quadro, é marcada pelas armas e esferas armilares que nele se vêem, representar um aspecto da viagem da infanta D. Beatriz de Lisboa à Saboia, hesitando entre ser esse aspecto o da sua saída de Portugal ou o da sua chegada a Ville-Franche, ou, segundo o texto de Damião de Góis, Vila Franca de Niza.

Cremos que a pintura, de preferência a Lisboa, representará antes a chegada da armada a este ponto, onde a Infanta desembarcou com 0 seu sequito, a 9 de Agosto de 1521. E isto porque, além de não ser natural tanta liberdade da parte de um artista que realizava de visu e procedia com o rigor que o pintor revela ao dar as naus e demais embarcações que compõem a armada, há ainda o facto da insignia que se vé na flámula que tremula à ré da galé de remos, nada tendo com os distintivos reais portugueses, e nos parecer, pois não a

1 Este painel esteve em Portugal, na Beira Alta, até 1911, ano saiu para a Alemanha.

em que

podemos distinguir bem na fotografia, semelhante à que era usada como emblema pela casa ducal de Saboia.

E esta hipótese não contraria o ser a tábua obra de artista português, pois a nacionalidade do pintor não era motivo para éle dar preferência, sobre outro aspecto da viagem, ao da saída de Lisboa.

O autor do painel tanto podia ter pintado éste episódio como o da chegada a Ville Franche ou outro qualquer, visto ser mais que provável ter éle feito parte do séquito de D. Beatriz, tal como sucedeu, um século mais tarde, a Stoop, que acompanhou a Infanta D. Catarina para Inglaterra, onde ia casar-se com Carlos II, e que nos deixou diversos aspectos da travessia dessa viagem e, entre éles, o da partida e o da chegada ao porto inglês.

A entrada de pintores nestes e outros séquitos era então corrente nos países civilizados, representando os artistas papel análogo ao que representam hoje os repórters-fotógrafos; e para não termos dúvida de que isto se praticava em Portugal desde há muito, talvez por imitação do que sucedeu no começo do século quinze, a quando do pedido de casamento da princesa D. Isabel, filha de D. João I, basta lembrarmo-nos de que o estudo das tapeçarias de Arzila mostra-nos ter Nuno Gonçalves acompanhado ali D. Afonso V, sem esquecermos a referência escrita, e essa perentória, da ida de um pintor na embaixada portuguesa ao Prestes João.

Iconogràficamente, há ainda a registar o pormenor dos marinheiros figurados em algumas das embarcações e que nos aparecem, pela primeira vez, em documentos plásticos da época. Todos os demais navios que conhecemos dos representados então, como os que se vêem nos 3 painéis (dois duplos) que compunham o antigo retábulo do altar de S.ta Auta da Madre de Deus, são dados desertos e os tripulantes dos barcos que se vêem junto deles restem trajos ricos à moda dos usados na corte,

como convém a personagens figurando em actos de tão excepcional importância. O que, por si só, bastaria para tornar documentalmente preciosa esta tábua, pois assim acabam as dúvidas sobre o trajo de faina dos nossos marinheiros da época, que ficamos sabendo vestirem calças largas e curtas, ou sejam as bragas, ainda hoje usadas em algumas terras nossas.

Mas não é só ésse o interesse desta pintura. Ao seu grande e excepcional valor iconográfico, junta-se o seu, ainda maior, valor artístico. De resto, éste valoriza sempre aquele. Trabalho indiscutível de Gregório Lopes e do seu período áureo, pois a sua obra do Convento de Cristo de Tomar (1536), se ainda valiosa, acusa já o começo da sua decadência, que mais se acentua no retábulo da Igreja de S. João da mesma cidade (cêrca de 1540), éste painel, sendo contemporâneo do retábulo de Santa Auta, da Madre de Deus, é, com a série de S. Bento, do Museu de Arte Antiga, e a da Igreja de Santa Cruz de Coimbra, do melhor que nos resta do artista.

A demonstração da sua autoria levar-nos-ia longe, e não cabe por isso agora aqui. Ficará para depois, quando, o que será breve, nos ocuparmos, na LVSITANIA, de Gregório Lopes, em estudo que dará à obra déste artista régio a valorização que ela merece. Entretanto, não queremos deixar de acentuar, desde já, quanto éste quadro põe mais em evidência OS conhecimentos do meio e das coisas marítimas, já afirmado pelo pintor na série de Santa Auta.

O rigor com que são dadas todas as embarcações, desde a grande nau que vemos no primeiro plano, ao centro, e que é talvez a «Sancta Catherina de Monte Sinay», em que viajava a Infanta, até à pequena fusta que se vê à direita, em plano longinquo, e que é de tal ordem que ficamos sabendo as naus portuguesas eram características e diversas das

como

flamengas, é já alguma coisa, e ainda mais se compararmos os narios déste painel com a quási totalidade dos que povoam os painéis alheios de igual período. Mas se juntarmos a isso o que a pintura nos diz da visão que o artista tinha das águas e da atmosfera marítima e a sua maneira de agrupar e compor, livre aqui das influências e sugestões, a que não podia escapar, quando tratava temas religiosos tradicionais, temos que dar a Gregório Lopes um dos primeiros lugares entre os melhores pintores de marinhas de todos os tempos e de o considerar como verdadeiro precursor dos grandes mestres holandeses da especialidade, no século dezassete.

De surpreender era que a nossa faina marítima, então tão importante, não tivesse impressionado um só dos nossos pintores quinhentistas, e que as narrações dos cronistas coevos não tivessem assim, nesse ponto, a ilustrá-las uma só « imagem » concreta, realizada na mesma matéria em que o grande Nuno Gonçalves imortalizou os homens que planearam e começaram a efectivar as nossas descobertas. O painel de Gregório Lopes vem agora provar-nos que os que tal pensavam se enganavam, e que a vida dos nossos pescadores e navegadores não foi, asșim, para os nossos pintores primitivos, apenas simples acessório ou comentário dos fastos da agiologia, mas tema essencial e fundamental em que os artistas portugueses da época viveram e comungaram, como filhos e irmãos que eram dos que, sobre as águas do mar, labutaram e lutaram então pela Terra em que nasceram.

J. DE F.

A CONCEPÇÃO COSMOLÓGICA NOS “LUSÍADAS "

P

ARA poder cantar com verdade «o peito ilustre lusitano» que na terceira estância anuncia como objecto dos Lusíadas, leu Camões cuidadosamente as crónicas de Duarte Galvão, Rui de Pina e Fernão Lopes, as Décadas de João de Barros e a História do Descobrimento

e conquista da Índia, de Castanheda. Como as navegações portuguesas de descobrimento de ilhas e terras firmes «não se fizeram indo a acertar, mas partiam os nossos mareantes mui ensinados e providos de instrumentos e regras de astronomia e geometria», como disse o cosmógrafo-mor, também Camões estudou o Tratado da Sphera de Pedro Nunes para adquirir a sciència dos astros, cujo seguro conhecimento transparece em todo o poema. O comércio da especiaria é o fim imediato da viagem do Gama, que na volta da Índia:

Leva pimenta ardente que comprara,
A seca flor de Banda não ficou,
A noz, e o negro cravo que faz clara
A nova ilha Maluco, co'a canela,
Com que Ceilão é rica, ilustre e bela.

(IX, 14)

De todos os produtos do Oriente lhe deu informação completa Garcia de Orta, autor dos Colóquios dos simples e drogas e cousas medicinais da Índia, obra que veio marcar uma nova fase no desenvolvimento das sciências naturais e para a qual poeta compôs a magnífica ode de abertura. Do Palmeirim de Inglaterra, de Francisco de Morais, tomou lições de linguagem

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