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UMA VISITA AO SR. WENCESLAU DE MORAIS

O Sr. Rokuro Abe, antigo discípulo japonês do prof. Abranches Pinto na Escola de Línguas Estrangeiras, de Toquio, escreveu originalmente esta visita em a nossa linguagem. Pela evocação histórica que encerram, pela característica e enternecida expressão que as envolve, constituem estas páginas notabilíssimo documento, ao mesmo tempo que demonstram o ensino patriótico e tão inteligente de um professor de portugués ao serviço da admirável Nação japonesa, já assinalado no discurso de outro seu discípulo, publicado em o nosso fascículo anterior, e que nós revelámos com um verdadeiro gôsto de glória. As omissões indicadas por pontos suspensivos, com que éste original nos chegou, impô-las um discreto sentimento de delicadeza e correspondem a passos em que Wenceslau de Morais se referiu à vida íntima do seu coração.

N. da R.

A 380 anos, no tempo do Shogunato de Ashikaga, os japoneses puderam pela primeira vez associar-se com os europeus pela vinda dos portugueses ao Japão. Ao mesmo tempo, as ondas da civilização europeia foram seguidamente trazidas ao nosso

país por êles.

Cêrca de 60 anos se passaram e as relações nacionais luso-japonesas, que eram muito amigáveis, extinguiram-se como as estrêlas pela manhã, e desta forma decorreu o lapso de 320 anos.

Agora as relações nacionais entre os dois países ressurgem como no tempo passado, mas sem o aspecto do que então foram.

Os japoneses esqueceram-se dos portugueses e os portugueses também dos japoneses. Quem fêz reviver as flores delicadas do Japão, esquecidas dos portugueses, foi o Senhor Wenceslau de Morais, um Morais, um escritor retirado, que apresentou de novo (pois que primeiro lho apresentou Fernão Mendes Pinto) o Japão aos portugueses.

Logo que eu entrei na Escola de Línguas Estrangeiras para aprender a língua portuguesa, falaram-me nêle e eu fiquei impressionado com O seu viver.

Só me sabiam dizer que estava exilado numa cidade rústica chamada Tokushima, porque não gostava de ter relações com ninguém.

Eu, por motivos' particulares, tive de ir a Tokushima e ali procurei muito e finalmente pude encontrá-lo no seu геfúgio.

A minha alegria foi muito grande!

Antes, êle era Capitão de fragata e nas suas viagens veio ao nosso país e, antes de retirar-se em Tokushima, tinha sido Cônsul de Portugal em Yokohama e Kobe.

Nesse país ocidental da poesia, da formosura, as suas faculdades literárias são muito estimadas. As coisas que êle viu e sentiu no Japão, apareceram transformadas em litera

tura.

Publicou vários livros, entre êles os seguintes: Traços do Extremo Oriente, Dai-Nippon, Cartas do Japão, O Bon-Odori em Tokushima, e o seu último trabalho que ainda desconheço, O-Yoné e Ko-Haru.

No mar Meridional do Japão encontra-se uma grande ilha chamada «Shikoku »>, onde o vento é quente e o panorama muito formoso.

Nas costas orientais desta ilha, onde as ondas do Pacífico são muito serenas, está a cidade de Tokushima, com 70.000 habitantes, a maior de tôdas as cidades desta ilha.

Os pinheiros e os templos espalhados pela colina que tem

o nome de « Bizan» são reflectidos nas águas do rio que corre através da cidade. Um encanto.

Ao fundo desta colina há umas ruas antigas em que no tempo feudal viviam «< Bushis» (guerreiros). Na rua de Iga-cho, uma dessas, há uma casa rodeada de carvalhos, cedros e outras árvores; parece uma casa no meio de uma floresta: É êste o lugar de refúgio em que o Senhor Wenceslau de

Morais vive.

Na manhã do dia 16 de Agosto de 1923, batia eu na porta fechada da sua casa. Emquanto eu batia, ouvia-se o som de pés andando dentro e logo apareceu-me um velho com barbas compridas. Era quem eu aspirava de topar. Disse logo em língua portuguesa :

Sou um estudante da Escola de Línguas Estrangeiras de Toquio.

Antes mesmo de abrir a porta, êle, surpreendido, exclamou:

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Logo ao entrar foi-me tomada a atenção por um mapa de Portugal, por uma lanterna metálica japonesa suspensa do teto e por pratos de porcelana seguros nas paredes.

O Senhor Morais vestia um « juban » (derivado da palavra portuguesa gibão) e um Koshimaki largo (espécie de camisa ); parecia ter 70 anos de idade, pouco mais ou menos. Mas a viveza do tempo passado ainda se nota na sua fala e visa

gem.

Assentȧmo-nos na sala de visitas e começámos a conversar. Há 12 anos que vim para esta cidade e nunca mudei de casa, mas ninguém sabe onde ela fica, a-pesar-de muitas pessoas falarem comigo fora dela. Por isso devia ter-lhe sido muito difícil descobrir o meu abrigo. Como o conseguiu? Aqui vivem 10 estrangeiros, dois dèles são missionários espanhóis, mas não me dou com êles.

Neste momento reparei num Butsudan (o oratório budista) colocado a um lado da sala e em cima dêle uma pequena fotografia.

Depois de lhe pedir o seu consentimento, fui diante do oratório, bati no sino, acendi a vela, acendi o incenso e orei.

Êle continuou, depois de uma pausa:

-Tenho agora dez galinhas e vinte passarinhos que são meus bons amigos. Eu nunca mais quero saír de Tokushima; passo a maior parte do dia dormindo e à noite saio de casa para passear pela rua de Shimaachi-Bashi-Dori, uma das ruas mais importantes de Tokushima, e às vezes, mas raras, vou ao restaurante para comer comidas europeias e ver bonitas << Nippon-Musume » (raparigas japonesas).

Posteriormente um vizinho dêle diz-me ser êle muito cele

brado em Tokushima por ser um bom velho e que é conhecido pelo nome de Portugaru-San (Senhor Portugal); as crianças da vizinhança tomam-no pela mão e suspendem-se dos seus ombros.

É amabilíssimo.

Passado pouco tempo, êle preguntou-me se não fumava. - Sim Senhor, fumo. Foi a minha resposta.

--

Então êle trouxe tabaco numa concha e fumámos.

O nosso diálogo passou a referir-se a Toquio.
Fumando um cigarro, êle diz:

- Essa cidade está muito mudada; eu ainda me lembro dos parques de Hibia, Ueno, Shiba, da Estação de Shimbashi e rua de Ginza, do templo de Asukusa, etc. Também o Japão está muito europeïzado, especialmente Toquio. As mulheres vestem à europeia. Não é verdade?

-Sim Senhor, respondi.

Sorrindo e fazendo um gesto de reprovação, êle diz:

-Mas os vestidos europeus para japonesas não vão bem. As japonesas são encantadoras, parecem pinturas quando vestem os seus kimonos, concebidos inteiramente ao gôsto japonês e feitos pelos belos artistas do próprio Japão.

Então êle elogiou muito os kimonos, a forma do penteado das nossas mulheres, as belas-artes, etc.

Variando de assunto, eu disse que os estudantes da nossa escola sentiam por êle muito respeito e consideração e que consideravam grande honra a sua estada neste país.

Sacudindo a cabeça em sinal de negação, êle disse: - Não Senhor, não Senhor.

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