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O ASTROLOGO JOÃO GIL E O «LI

VRO DA MONTARIA »

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Livro da Montaria, feito por D. João I, rei de Portugal, entre os anos de 1415 e 1433, foi mandado publicar pela Academia das Sciências de Lisboa em 1913, sob a direcção do Snr. Francisco M. Esteves Pereira, que assim teve ocasião de prestar mais um relevante serviço à Literatura portuguesa. Lendo-se esta obra, cujo assunto é a caça ao porco-montês, causam alguma surpresa as referências a obras astronómicas que se encontram no Cap. XVIII do primeiro livro, a propósito dos rastros deixados pelo animal que os monteiros querem emprazar. São bemvindas essas referências por nos permitirem avaliar a cultura da côrte do nosso rei D. João I relativamente à sciência dos astros, o que tem importância, sobretudo por se tratar do pai do Infante Navegador.

No capítulo XVI do livro primeiro ensina-se a conhecer o rastro do porco-montês, distinguindo-o do cervo e do bezerro. No imediato trata-se de saber de que horas é o rastro « pelas fresquidões das terras, das hervas e outras coisas ». O capitulo XVIII intitula-se: Das cousas que aos tempos fazem, que não possam os monteiros conhecer de que horas é o rastro que querem aprazar ». O monteiro precisa de saber se é da manhã ou da noite o rastro do porco, a que quere fazer o cêrco. Mas os ventos fazem às vezes parecer sêcos os rastros que são da manhã, e frescos os trasnoitados. Assim se chega ao estudo da influência dos planetas sobre ventos e chuvas, influência variável com o lugar por êles ocupado ao longo do zodíaco. Não entramos nestes pormenores meteorológicos, pois nos importa apenas considerar as obras astronómicas citadas.

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Na página 125 desta edição da Academia lê-se: «Ora sabede que diz Joam Gil, no seu grande livro de estronomia, que tôdallas cousas que som feitas todas som feitas per natura naturante que he Deus ou per natura naturada, que Deus fez...»; e na página seguinte: «Ca Joam Gil, o grande estrologo, no seu grande livro, disse que Mars he de color vermelha, e Mercurio e a Lua de color branca, e esso mesmo disse que o Sol, Jupiter e Venus som de color amarela como ouro, e Saturno fez certo certo que negra... ». Temos assim mencionada uma obra que se classifica de «grande livro de astronomia», considerando-se o seu autor, João Gil, um grande astrólogo. A seguir (pág. 127), e a propósito da divisão do zodíaco em signos, é êle citado juntamente com o ilustre Ptolomeu e mais quatro tratadistas da sciência dos astros, dos quais, dois árabes e dois latinos: << Ca destes signos disse Joam Gil e Albamazar no seu livro das deferenças e dos juizos, e Tolomeu no seu almagesto, e Ali abem Ragel no seu livro dos juizos, e o author da sphera, e da theorica das pranetas, e todos estes disserom que no ceo octavo, a que os estrologos dizem octava sphaera, esta sphaera partirom os sabedores em doze partes...».

« Albamazar » é o escritor árabe Abu Mazar Gàfar ben Muhammed ben Omar al Balhî, a quem a Escolástica latina chamou Albumazar. Viveu no século Ix, morrendo em 886. A sua obra mais famosa foi traduzida do árabe para latim, no ano de 1140, por Hermann Segundo (Herimannus secundus), com o título Introductorium in astronomiam, composta de oito livros. Foi ela que iniciou os latinos nos princípios da astrologia judiciária, e nela aprendeu tôda a idade média latina as leis do fluxo e refluxo das marés, explicadas pela acção da Lua. Outra obra de Albumazar, que teve grande voga, foi a intitulada De magnis conjunctionibus, em oito tratados, divididos em Diferenças (Pierre Duhem, Le systéme du Monde, tômo II). Na Livraria do Cabido toledano encontram-se três manuscritos com traduções latinas do mesmo escritor árabe, intituladas: Libellus de modo elegendi tempus, Liber experimentorum, Liber florum astrologicum.

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De << Ali abem Ragel » dá-nos notícia Rico y Sinobas nos Libros del saber de astronomia, tômo 3.o Nos códices afon

Treplanetas, podem del saber, intiNa côrte pordos juízos das

sinos é êle citado com nome Ali fi de Aben Ragel el Cano. A sua obra, escrita em Toledo, foi traduzida do árabe para castelhano a mandado de Afonso X, o sábio, por Judá fi de Mosse Alcohen, alfaqui do rei, com o título: «El libro complido de los judicios de las estrellas »>. chos desta versão castelhana, relativos aos lêr-se na parte final do vol. 5.o dos Libros tulada «El zodiaco y los planetas alfonsies ». tuguesa havia, pois, uma cópia dêste livro estrêlas, que depois foi vertido para latim por Egidio de Tebaldo e Pedro de Regio, imprimindo-se esta tradução em Veneza, 1520. Na Biblioteca do Escorial existe um códice do século XV com esta versão latina da obra de Aben Ragel (Catálogo de los códices latinos de la Real Biblioteca del Escorial, por el P. Guillermo Antolin, vol. II).

O autor da sphera » D é João de Sacrobosco, que, como é sabido, compôs no século XIII um tratado De Sphaera. O autor da Teórica dos planetas deve ser Gerardo de Cremona que redigiu em Toledo, no século XII, uma obra intitulada Theorica planetarum. Foi êle quem primeiro traduziu o Almagesto de Ptolomeu, do árabe para latim, o que fêz em 1175. A sua Theorica planetarum é o mais antigo tratado de astronomia teórica produzido pela Escolástica latina (Pierre Duhem, Le système du monde, tômo III). Devemos, porém, notar que, depois de Gerardo de Cremona, outros escritores composeram obra semelhante com o mesmo título.

O Livro da Montaria continua ainda a citar Joam Gil (pág. 127): «E disse este Joam Gil que estes signos eram adoptados as quatro partes desta sphaera, e disse que os tres som orientaes, e os tres meridionaes, e os tres occidentaes e os tres septentrionaes...». Depois D. João I fala dos sete planetas que se movem em cada um dos sete céus, situados sob a oitava esfera, dizendo que o céu da Lua tem seu movimento próprio em 29 dias e 12 horas, o do Sol num ano, e o de Saturno em 30 anos, o que mostra conhecimento da teoria dos planetas. Por fim (pág. 132) refere-se à segunda parte do grande livro de astronomia, que trata de ventos e chuvas: « Ca assi o disse este Joam Gil na segunda parte do seu livro que falla da tempestade, e ventos, e chuyvas, e pedriscos: ca elle diz que

quando for a conjunçom do Sol e da Lua em nove graaos de Capricornio, e Saturno em quatro graaos de Sagitario, e Jupiter em sexto graao de Aquario, acerca de sextil de Saturno, e de Mars e Mercurio em dezasete graaos de Capricornio, que fará vento dabrego [ ábrego, vento de sudoeste ], e que nom choverá com elle, e se chover que será pouco ».

¿ Quem era êste João Gil, cinco vezes citado por D. João I? Só últimamente achámos resposta a esta pregunta, e foi na excelente obra do Snr. A. Rubió y Lluch, intitulada Documents per l'historia de la cultura catalana mig-eval, publicação do Institut d'estudis catalans ». Possuimos dela apenas o Vol. II, obsequiosamente oferecido pelo Institut por intermédio do Snr. Jordi Rubió, filho do autor e o seu melhor colaborador, o que muito nos penhorou. O Vol. I está infelizmente esgotado. Mas pudemos consultá-lo na Biblioteca do Ateneu de Madrid, por indicação do malogrado escritor D. Segundo de Ispizúa, cuja inesperada morte sentidamente lastimamos. Nesta obra, excelente não só pela riqueza e carácter do diplomatário, como pela beleza dos dois prólogos, passam, como numa evocação animatográfica, as vidas dos príncipes da casa de Barcelona. Os documentos assinados por Jaime II, Pedro III, e seus filhos, João I e Martim I, mostram o constante interêsse dos soberanos de Catalunha e Aragão por todas as iniciativas scientíficas, e merecem o estudo dos que se dedicam à história dos descobrimentos portugueses, na preparação do saber náutico que lhes serviu de base. O livro de João Gil fornece o exemplo de uma obra, de proveniência catalá, gostosamente lida na côrte portuguesa.

O documento n.o CLXIV, datado de Valência, 9 de Dezembro de 1352 da era de Cristo, é assim descrito (Documents, vol. I, pág. 164): « Pere III mana pagar a Joan Gil de Castiello pel seu traball d'escriure un Llibre de las ordinaciones de la casa reyal.y un d'astrologia ». Pedro III, cognominado o Cerimonioso, manda com efeito, nessa carta, que o que o seu tesoureiro Bernardo de Ulzinellis pague 600 soldos de Barcelona ao fiel da sua escrivania, João Gil de Castiello, pelo trabalho que éste teve em escrever dois livros, um das Ordenações da Casa real e o outro de astronomia, por seu especial mandado. Este último é, sem dúvida, o livro citado pelo rei português D. João I. Transcrevemos o documento, que é em latim de fácil leitura :

« Petrus etc. dilecto consiliario et thesaurario nostro Bernardo de Ulzinellis militi, legum doctori, salutem et dileccionem. dicimus et mandamus vobis quatenus de peccunia curie nostre que est vel erit penes vos, detis et solvatis fideli de scribania nostra Johanni Egidii de Castiello sexcentos solidos barchinonenses quos racione laboris per eum sustenti in scribendo de nostro speciali mandato facto, duos libros, alterum ordinacionis domus nostre, et alterum de astrologia, sibi dari providimus cum presentis. et facta solucione recuperetis presentem loco apoche et mandati. datum Valencie. IX. die decembris anno a nativitate Domini. mcccl. secundo».

Em carta datada de Saragoça, 24 de Março de 1350 (documento n.° CXLIX), dirigida ao herdeiro de João Capata, o rei Pedro III manda dar << libros infrascriptos, videlicet Institutam, Digestum et Clementinas ac Summam Jaufredi », a João Gil de Castielio, que naturalmente já nessa data estava encarregado de escrever as Ordenações da Casa real. Noutra carta, escrita escrita em catalão, em catalão, que transcrevemos, datada de Barcelona, 10 de Julho de 1351 (documento n.° CLIII), o rei recomenda a mestre Afonso a maior diligência em provar e arromançar Livro de figuras e astronomia que lhe levou João Gil de Castiello:

« El

rey 'd Arago.

Mestre Alfonso: rogamos vos que con diligencia vos hayades en el comprovar et romançar aquell livro de figuras et astronomia, el qual vos levo el fiel de la scrivania nostra Joan Gil de Castiello, e d esto nos faredes senyalado servicio plazer. dada en Barchinona, a .X. dies de julio anno a nativitate Domini millesimo. cccl. primo».

Temos assim três referências a João Gil de Castiello em três anos sucessivos, 1350, 51 e 52: quando o rei lhe manda entregar a Instituta, o Digesto, as as Clementinas e a Suma de Gofredo; quando o rei pede a mestre Afonso que se apresse

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